
Leitura do domingo - O Amigo da Onça, personagem imortal de Péricles, crônica de Malude Maciel*
04/02/2024 -
Meu pai, apesar de advogado, não teve a projeção social merecida, mas era um intelectual. Gostava de ler e escrevia divinamente com uma letra linda e em português alinhado. Antigamente, dizia-se em linguagem escorreita.
Engatinhando entre papéis
Cresci entre livros, revistas e jornais. Quando ainda engatinhava, me deram uma coleção inteira da revista Seleções, da Reader's Digest, publicação que até hoje existe.
Para que folheasse e, naturalmente, rasgasse as páginas, divertindo-me. Depois, vim a saber do que se tratava. Uma excelente fonte de leitura Mas era tarde, havia sumido da estante do velho.
Entre as revistas que sempre tínhamos em casa, lembro-me de O Cruzeiro, Manchete, Cigarra, Fatos e Fotos, Veja, entre outras. Além das infantis como Bolinha e Luluzinha, Mickey, Pateta e a turma da Disney. Quando chegava O Cruzeiro, era uma alegria, mil e uma notícias e novidades. Logo procurava as páginas de humor. A última página era ocupada sempre por um personagem denominado O Amigo da Onça. Quanta criatividade! O tal amigo provocava uma risada por semana.

Quem era
O Amigo da Onça foi um personagem criado pelo cartunista nascido em Recife - PE, em 1924, Péricles de Andrade Maranhão, que assinava Péricles. O personagem frequentou O Cruzeiro de 1943 a 1972, sobrevivendo por onze anos ao seu criador. Era baseado em um tipo de indivíduo que sempre colocava os amigos em apuros. A criatividade do autor estava em encontrar situações desagradáveis ou perigosas que produziam charges espetaculares. Explorava o ridículo. Hoje, seria considerado na quase totalidade dos casos como "politicamente incorreto". Inspirou a pergunta que tomou conta das conversas: "Você é meu amigo ou amigo da onça?"

Pif Paf
Na mesma revista Péricles colaborou na sessão Pif-Paf, escrita por Millôr Fernandes.
Os diálogos do quadro eram engraçados e recheados com desenhos sensacionalmente humorísticos. O Amigo da Onça ficou tão popular que ainda hoje é reconhecido, pois as caricaturas falavam por si só. O jeito satírico, irônico e crítico de Péricles era ressaltado nas piadas picantes contra o sistema político, os males governamentais, situações pessoais, enfim, tudo o que merecesse uma chicotada. Foi uma arte que fez o maior sucesso ao ponto de ficar em voga a expressão "Amigo da Onça"em todo o país.
A morte os separou
Péricles e o "Amigo da Onça" estiveram juntos por dezoito anos brindando seu público com um trabalho muito interessante e inteligente. O Amigo da Onça era uma figura sempre malandra, debochada e irônica, que gostava de levar a melhor sobre os outros. Colocava as pessoas em situações embaraçosas e desconfortáveis. Os antigos romanos já diziam que
"castigat ridendo mores". A frase em latim incorpora a essência da sátira. A melhor maneira de mudar as coisas é apontar seu absurdo e ridicularizá-las, rir delas.

Piada sem graça
Uma verdadeira pena quando eles disseram adeus a todo mundo, deixando uma lacuna lástimosa por um fato devastador.
O criador do tipo humorístico mais famoso do Brasil, à época, Péricles não sabia rir da própria vida. Suicidou-se em 31 de dezembro de 1961 aos 37 anos, no seu pequeno apartamento em Copacabana, abrindo o gás lá existente. Antes, fixou na porta um cartaz com o aviso: "Não risquem fósforos".
Deixou uma carta despedindo-se dos fãs e justificando o injustificável: "Apenas a solidão me levou a este gesto extremo". Foi um gênio que partiu prematuramente transformando risos em lamentações, infelizmente.
Drummond
Sobre Péricles, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade: "A solidão do cartunista seria talvez reação contra a personagem que o perseguia, que lhe era necessária e que lhe travara os meios de comunicar-se e comungar com outros seres".
* Malude Maciel e jornalista, poeta e cronista.

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