Noventa anos se passaram entre a chegada revolucionária de Burle Marx ao Recife do prefeito João Pereira Borges. A revolução de Marx no Recife entre 1934 e 1937 foi vitoriosa, mas não era a Revolução de Intentonas ou Integralistas. Era a Revolução dos Jardins e Praças em nossa capital. Porque nada define tanto a civilização quanto seus jardins, nas palavras do próprio Burle Marx. Marx, que não era Karl, era Roberto.

João Pereira Borges

O engenheiro João Pereira Borges assumiu o governo do Recife oficialmente no dia 16 de abril de 1935. Formado pela Escola de Engenharia de Pernambuco, Pereira Borges não era desconhecido da população. Quando estudante, trabalhou como telegrafista para bancar seus estudos e conhecia de perto quase todo mundo na cidade, naqueles dias nos quais telegrama era mistura de whatsapp e instagram. Após receber o diploma, João ingressou no Departamento de Viação e Obras Públicas de Pernambuco e representou o Clube de Engenharia local no encontro nacional da categoria. O governador Carlos de Lima Cavalcanti não pensou duas vezes para escolher João. Detalhe pitoresco, na posse de João Pereira Borges, as datilógrafas da repartição onde trabalhava atiraram centenas de pétalas de rosa em sua direção.

João Campos

Herdeiro político de Miguel Arraes e Eduardo Campos, o também engenheiro João Campos parecia ter pouco a acrescentar ao histórico familiar quando eleito prefeito do Recife. Inusitadamente, o jovem político começa a inovar na sua gestão buscando contato com o povo nas redes sociais e apostando alto na reurbanização da capital pernambucana. Um número expressivo de obras ganha as manchetes, festas recebem atenção multiplicada e João mostra suas intenções em depoimento ao Diário de Pernambuco, talvez preocupado com a chegada da governadora Raquel Lyra ao Poder:

Entrega de obras

"A gente entrega mais de mil obras, só em 2024. E obras de grande porte. Estamos falando de dois Compaz, que estarão prontos, mil unidades residenciais, a Ponte Engenheiro Jaime Gusmão, que liga Iputinga e Monteiro, mais de 150 ruas que serão calçadas, 120 praças reformadas, 60 grandes obras de encostas, que estarão prontas, e muitas outras que serão iniciadas", diz Campos.

Burle Marx

Burle Marx não entregou 120 praças reformadas ao Recife. A capital pernambucana já possuía uma década de 1920 com histórico de empreendimentos paisagísticos com os prefeitos Antônio de Goés e Sérgio Loreto. Porém, era flagrante o abandono do patrimônio verde por estas bandas em 1934. Mais ou menos como o cenário encontrado por João Campos ao assumir o Poder. Os anos 1930 e os anos 2020 em Pernambuco marcam instantes de fortes tensões ideológicas. Direita e esquerda se digladiam nas ruas e na mídia. Não deixa de ser um fato curioso que a resposta política de dois Joãos (Pereira Borges e Campos) tenha sido o embelezamento do Recife. Claro, não temos nem de perto Roberto Burle Marx nos dias atuais. Mas temos a memória da sua genialidade nas praças que nos deixou. O que para alguns não é nada, mas para muitos pode ser quase tudo.

Burle Marx e Mário Melo

O texto não pode terminar sem lembrar que o caminho de Burle Marx e Pereira Borges não foi um mar de rosas. O brilhante intelectual Mário Melo, em edição de maio de 1935 do Jornal Pequeno, desanca sem dó nem piedade o projeto de reurbanização de Burle Marx na sua coluna ONTEM, HOJE E AMANHÃ. Na opinião de Mário Melo: 'o amigo Borges herdou o cabeçudismo do prefeito Antônio de Góis. Vai pôr dinheiro fora com o plantio de cactáceos onde fora mangue e em terreno inundável e fincar calungas inexpressivas de bronze enquanto cogita de destruir monumentos autênticos, tudo para ser tolerante com as experiências dum ‘fantasista exótico’, que amanhã sairá rindo de nós’. O fantasista era Roberto Burle Marx. Mas não se preocupem, o extraordinário Mário Melo também detestava futebol.

*Roberto Vieira é médico e cronista