
Manari - um grito de dor na consciência nacional, por Silvio Amorim*
24/02/2024 -
Sempre que podia, fazia algumas viagens com a família, ora como diversão, ora como instrução, para que eles tivessem experiências de vida. Do Alasca aos pampas, ou de Orlando ao Louvre. Foi quando descobri na época, em 2004, que o menor IDH do Brasil se encontrava em Pernambuco. Fomos, a família, passar um final de semana em Manari. Não foi divertido, porque não era esse o objetivo, mas
foi muito esclarecedor viver aquela realidade.
Último da fila
Manari é um município pernambucano distante 355km do Recife e que ostentava o título de menor IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal) do Brasil (0,44), segundo a classificação do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Estava entre os 50 piores municípios em distribuição de renda do Brasil.
Era motivo para ruborizar todos os que têm responsabilidade pública. Mas a miséria, assim como a violência do não fazer, parecem não mais comover nem indignar, e ambas crescem alimentando-se mutuamente.

Sem comparação
Esses eram os dados de Manari, em 2004: 13.028 habitantes, sendo 162 com empregos formais, 142 funcionários públicos, e uma legião de 7.426 analfabetos. Das 2.900 casas do município, apenas 12 tinham água encanada, 42, com poço, e o restante disputava caminhão-pipa, com direito a 40 litros por dia, e só em 744 havia banheiro ou sanitário regular. Em apenas 78 residências era feita coleta de lixo. Existia um recém-construído hospital, com médico em apenas três dias na semana. O padre, apenas um dia por semana, na hora da Missa. As condições de hospedagem nos dois hotéis eram precaríssimas. Não havia escolas para atender alunos além do ensino fundamental, e as mais próximas ficavam no município de Inajá, a 33km, ou Itaíba, a 25km de estradas sem pavimento. Manari apresentava ainda uma renda "per capita" média de R$ 30,43. O que "alavancava" a economia era a lavoura de subsistência, parcas aposentadorias e a precária assistência governamental. Não havia banco e, para qualquer movimentação bancária, tinha-se que enfrentar a estrada.
Como pode?
E por que chegamos a uma situação como essa? Porque o desatualizado processo político brasileiro necessita, urgentemente, de uma reforma responsável, onde o município seja o principal foco das atenções quando se poderia, a partir daí, modificar significativamente a vida dos brasileiros. Por isso, tenho uma opinião de que o sistema eleitoral tem que ser mudado com a implantação do voto distrital puro, em que o município passa a ter importância, aumentando o compromisso do eleito com sua base eleitoral.

Esperança
Mas nem tudo estava perdido. No caso de Pernambuco, havia várias ações em curso, capitaneadas pelo então secretário de Infraestrutura do Estado, Fernando Dueire, com providências objetivas para Manari e todos os municípios do estado que estavam com IDH crítico. No caso específico de Manari, para a estrada providenciou o projeto e recursos, sendo depois inaugurada; o sistema precário de abastecimento de água foi resolvido com a perfuração de dois poços, adutora e rede de distribuição; eletrificação rural foi feita em todo o município; e outras ações pontuais que acompanhei com interesse. Pura sorte desses municípios pernambucanos que tiveram uma ação direta para ir revertendo a situação.
Mas não foi isso que aconteceu no restante do Brasil. O desleixo gritante foi no Maranhão e que hoje não deve estar muito diferente, segundo o noticiário.
Resistência
Filha de Manari, a jornalista Valeria Fagundes, autora do filme, "MANARI: pra nunca mais esquecer", fez um belo documentário exaltando a parte boa da cidade do Sertão e, dessa forma, pretende aumentar a autoestima de seus moradores após ser revelada para o Brasil, naquela época, como a de menor IDH-M do Brasil.
Os números do IDH-M de vários municípios brasileiros ainda são um grito de dor que já deveria ter eco na consciência daqueles que tem o dever de mudar essa situação.
*Silvio Amorim é advogado, membro do IAHGP. Foi presidente do Projeto Rondon, do Ministério do Interior e secretário de Educação da Cidade do Recife.
