
Gol de Letra – Coluna Semanal por Roberto Vieira* - Persona non grata: os judeus de Lula e Getúlio
26/02/2024 - Jornal O Poder
Persona non grata é uma expressão em latim que não tem origem na Roma antiga. Persona grata e non grata aparecem na diplomacia eclesiástica medieval no século XV. Sua primeira aparição é numa edição inglesa do THE TIMES em 1888. Na semana passada, persona non grata voltou a brilhar na mídia brasileira graças aos pronunciamentos do presidente Lula sobre Adolf Hitler. Lula que era persona grata em Israel se tornou persona non grata ao comparar o conflito na Faixa de Gaza com o Holocausto na II Guerra Mundial.
O Conde de Paço D’Arcos
A primeira persona non grata na história do Brasil foi o português Carlos Eugênio Correia da Silva, o primeiro Conde Paço D’Arcos. Designado embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, o Conde é aconselhado a manter distância prudente dos conflitos políticos da recém proclamada república brasileira. Mas o Conde resolve comentar o despotismo do presidente Floriano Peixoto e logo a nota de Cassiano do Nascimento, ministro do exterior de Floriano, chega em Lisboa. O texto é sucinto: ‘Pede-se lhe dê outro destino. Persona non grata no Brasil’.
Getúlio Vargas e os judeus
O primeiro presidente brasileiro a entrar em conflito com o povo judeu foi Getúlio Vargas na ditadura do Estado Novo. Em 1935, o governo de Getúlio reduziu drasticamente a concessão de vistos aos judeus, muitos deles tentando fugir desesperadamente da Alemanha. O fluxo judaico para o Brasil chegou a cair em 75%, embora a entrada ilegal continuasse de vento em popa, mesmo sob ameaça de deportação. Na prática, poucos judeus chegaram a ser deportados, a maioria por razões políticas, sendo o caso mais célebre o da militante alemã Olga Prestes, grávida de um filho de Luís Carlos Prestes, dirigente comunista. Olga morreu anos depois nas mãos da Gestapo. Tristemente, Getúlio e Prestes se tornaram aliados políticos mesmo depois do assassinato de Olga. Deixaram de ser persona non grata um do outro.
Judeus em Pernambuco
As duas primeiras sinagogas em Pernambuco surgiram entre 1580 e 1595 no Alto da Ribeira e em Camaragibe. A liberdade chegou com a presença do Conde Maurício de Nassau durante o governo holandês em nosso território. Porém, os tempos de bonança duraram pouco e vieram os portugueses e a Inquisição. Judeus se tornaram persona non grata em nossa terra. Tempo que passa. Sofrimentos, privações, novas migrações, o bairro da Boa Vista e a Praça Maciel Pinheiro se tornaram território judaico, ajudando a escrever nossa história com sabedoria e dignidade. Judeus pernambucanos como Bento Teixeira, Jacob Berenstein, Clarice Lispector, Meraldo Zisman, Rubem Pincovsky , Tânia Kaufman e Saulo Gorenstein. Judeus pernambucanos como a atual vice-governadora do estado, Priscila Krause. Priscila que ousou emitir nota alertando ao presidente Lula sobre suas palavras na Etiópia.

Lula e os judeus
O pernambucano Lula é presidente do Brasil pela terceira vez. Imaginar que justamente um pernambucano, da terra da sinagoga Kahal Zur Israel, possa ter pronunciado palavras comparando os judeus em algum momento com Adolf Hitler é quase impensável. Porém, a realidade é sempre surpreendente. Muitos imaginam que frases como as de Lula não causam maiores estragos. São pueris. Irreflexões históricas. Mas a estranha concordância de muitos brasileiros nas redes sociais com o presidente, demonstram a verdade que paira noutras palavras, desta vez do escritor judeu Primo Levi, um sobrevivente do Holocausto. Persona non grata na Alemanha.

“Existem monstros, mas são poucos em número para serem realmente perigosos. Mais perigosos são os homens comuns, os funcionários prontos para acreditar e agir sem fazer perguntas.”
*Roberto Vieira é médico e cronista