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O regime militar na visão de uma guerrilheira militante - Entrevista do domingo, com Amparo Araújo.

20/04/2024 -

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Amparo Araújo é uma instituição.
Ativista de DH e fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais de Pernambuco, bastaria isso para justificar sua biografia. Iniciou sua militância política nos idos de 1964, com apenas14 anos de idade. Participava do movimento estudantil secundarista de Alagoas, na cidade de Anadia. Depois do golpe, houve o golpe e por conta de sua rebeldia juvenil, já no no segundo semestre, foi colocada para estudar em regime de internato um colégio católico no interior de São Paulo. ficando estudando ali até final de 1966, em 1967 passou a estudar em uma escola pública em Paulo onde passou a morar junto com sua mãe e irmãos mais velhos.
Em 1967 passou a ser militante junto com seu irmão Luiz Almeida Araujo da ALN - Ação Libertadora Nacional, uma organização política de ideologia socialista que participou da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Luiz foi sequestrado em junho 1971 e desapareceu. Amparo é viúva de Luiz José da Cunha, o legendário 'Comandante Crioulo'.
Viveu clandestinamente entre São
Paulo e Rio de Janeiro até final de 1977 quando retornou a uma quase legalidade no Recife.
Formada em Serviço Social pela UFPE, foi funcionaria pública federal concursada , hoje aposentada. Foi Ouvidora da SDS-Secretaria de Defesa Social em Pernambuco ( 2008 a 2009) Foi Secretaria de Direitos Humanos e Segurança da Cidade do Recife ( 2009 a 2013) e Gerente de Articulação Internacional na Secretaria de Governo de Pernambuco (2013 a 2014).

O Poder - Sessenta anos depois, uma resposta rápida: 1964, salvação ou inferno?

Amparo -
Infernal, me pegou com 14 anos, iniciando o ginasial, nos meus primeiros contatos com o movimento estudantil, foi como estar caminhando em uma estrada limpa, clara, alegre e uma barreira de pedra, despencar do nada e impedir seu caminhar. Ou eu rompia, detonava tudo ou iria morrer de tedio.
O Poder - Como avalia o movimento de 1964 e o regime militar que se seguiu por 21 anos?

Amparo -
Escuridão, medo, pânico, sequestros, prisão, tortura, morte e um grande endividamento para o pais. Retrocessos na educação, saúde, no livre desenvolvimento em todos os aspectos, pessoais e institucionais . Muitas traições, desconfianças, nunca sabíamos em quem confiar.

O Poder - Existem revoluções, que são legítimas e golpes que são arbitrários. O que aconteceu em 1964, Revolução Redentora ou Golpe Militar?

Amparo -
Foi um Golpe militar civil e empresarial, organizado e coordenado pelos Estados Unidos da América, objetivando aumentar os lucros das empresas, massacrar e explorar os trabalhadores, cerceamento das liberdades individuais e coletivas, sobretudo da criatividade artística cultural, rompidos a duras penas por alguns.



O Poder - Vamos falar sobre um tema desagradável. Existiram torturas no período militar? O que tem a dizer sobre isso?

Amparo -
Prisões ilegais, sequestros, tortura e morte eram uma política de Estado estruturada (perpetuadas até hoje). Os militares do Brasil, inclusive exportaram para outros países da América do Sul, essa tecnologia perversa e foram os criadores da operação Condor, oferecendo treinamento e coordenando essa operação trocando informações e presos.

O Poder - Na sua opinião, quais os maiores heróis da luta contra a ditadura?

Amparo -
Todos os companheiros e companheiras que pegaram em armas para combater a ditadura. Todos, inclusive os anônimos, independente do papel desempenhado. Não podemos esquecer jamais o papel das famílias, sobretudos das mães, mulheres, irmãs que buscaram e fizeram de tudo para manter vivos os prisioneiros, registrando sempre a grandeza de todos e todas, não buscavam só pelos seus e sim, por todos. Até hoje continuamos assim, não esquecemos ninguém, muitos não tiveram famílias para buscá-los mas as famílias que buscavam, sempre buscavam por todos.

O Poder - E os maiores vilões?

Amparo -
Todos os componentes das forças armadas, das Policiais Militares, da Polícia Federal, funcionários públicos cíveis e servis , lambiam as botas dos militares e entregavam colegas de trabalho, vizinhos e amigos. Ou seja, se portaram todos, como descendentes que são, dos capitães do mato que desde a Colônia se encarregaram do extermínio dos povos originários, dos mais de 300 anos de escravidão.

O Poder - e os principais mártires?

Amparo -
Todos os que morreram (impossível nominar) e todos os familiares e sobreviventes que vivemos até hoje nesse eterno velório. Sem o divino dever e direito inalienável de enterrar nossos familiares mortos. Vivermos nosso luto em respeitosa cerimônia de despedida que aplaca a dor da perda desde os tempos primitivos e exemplificamos com a lembrança de Antígone que tão bravamente enfrentou Creonte e enterrou seu irmão. Pagou com a vida, mas cumpriu seu dever com os deuses. Nós também, queremos enterrar nossos mortos, cumprir nosso dever. Que venham muitos Creontes, não vamos desistir.



O Poder - E quanto às acusações de atos de corrupção no período militar, o que tem a dizer?

Amparo -
Estamos arcando com as consequências e pagando as dividas geradas até hoje. Aliás quero registrar que na minha opinião, de militante das ruas e não da academia, o que vivemos hoje é consequência da impunidade, da corrupção, que nos acompanha desde a Colônia. O genocídio dos povos originários, a vergonha da escravidão, o extermínio da juventude pobre e negra de hoje, o tudo que acontece hoje é consequência. Quando o presidente Lula, nos afronta, pedindo para esquecer, reflete justamente essa cultura estruturada, genocida, racista, fascista, machista, entranhada na identidade original. O que nos pareceu é que até um presidente que tem origem na classe trabalhadora assimilou fortemente, absorvendo e incorporando a cultura negocial típica dos militantes sindicais. Pois não podemos esquecer o quanto período Vargas influenciou e consolidou essa cultura. Reforço ainda que a cultura da negociação, eivada de corrupção, descaramento, injustiças e perversidade é original e está entranhado nas nossas almas, corações e é altamente contaminante e persistente.

O Poder - Quais os impactos diretos de 1964 e do Regime sobre a sua vida?

Amparo -
O golpe de 1964, tolheu minha vida em todos os sentidos, atrasou minha formação escolar, meu desenvolvimento como pessoa, muitas perdas pessoais e dores infinitas, intermitentes e eternas, mas também me possibilitou viver e lutar pelo que acreditava, conheci e convivi com pessoas de extrema generosidade e solidariedade.
Aprendi, fiz coisas e atividades inusitadas , inimagináveis e inesperadas. Sempre muita adrenalina, afinal não sabíamos se estaríamos vivos nos próximos cinco minutos. O tempo tinha e, ainda tem, uma dimensão diferente dos demais viventes. Mesmo hoje, tenho um tempo a parte que pode ser preenchido de ansiedade, pânico, medo, sempre um vai e vem de emoções que costuma provocar as pessoas do meu entorno, para aproximar e para afastar. Mas eu compreendo e relevo. Nunca me arrependi. Faria tudo de novo e de novo.
Até hoje, meu sono é muito leve, não consigo dormir em lugar muito escuro. Abrir os olhos e não ver o entorno me apavora, nunca sei se vou acordar livre ou presa. Ou se vou presa, morta e torturada ao abrir os olhos a cada novo amanhecer.

O Poder - Destaca legados positivos do período militar? Em quais áreas?

Amparo -
O legado são as péssimas consequências da falta de políticas públicas voltadas para as possibilidades de um dia virmos a ter um pais, com identidade, justiça, direitos iguais, acesso a saúde, educação, justiça, trabalho, moradia.
As politicas públicas que temos são as mais perversas imagináveis, encobertas e acobertadas de artifícios para o bem do maior lucro e da consolidação da falta de identidade, solidariedade, ética.
Identifico que a principal política publica existente é a do extermino de qualquer caminho que possa nos levar a ser uma nação digna e humanamente aceitável.



O Poder - Como avalia a abertura democrática, as Diretas Já a retomada da democracia?

Amparo -
Foram momentos ilusórios, entendo que com o fim da segunda guerra, ficamos todos embevecidos com a narrativa e o advento do Estado Democrático de Direito, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, avanços difusos e poucos consolidados. Depois vieram várias estratégias de desarticulação dos movimentos sociais ainda incipientes, tipo a formação universitária, sistema de cadeiras e créditos que separou os colegas de salas e dificultou a organicidade. Sindicatos também por categorias especificas, e mais recentemente a organização por grupos e segmentos muito específicos. O individualismo é o valor máximo do capitalismo. É quem impera e impõe a organização social a favor da manutenção e a superação da crise do capitalismo.
Enquanto embevecidos, acreditando que estávamos avançando, não fomos capazes de perceber que os segmentos mais conservadores, autoritários estavam lá no lodaçal. Estudando, tramando. Montados e implementando as estratégias de retomada da dominação e da hegemonia que hoje ameaça a todos nós e não é só no Brasil.

O Poder - E finalmente, como entende os nossos dias? O Brasil é um país democrático?

Amparo -
Não, falta muito ainda. Atualmente temos dois regimes de governo. Um civil e um militar tutelando o civil.

O Poder - O que lhe motivou a continuar a luta após a redemocratização?

Amparo -
Por ainda sonhar com um Brasil que seja uma Nação. Onde haja justiça e igualdade de oportunidades para todas as pessoas independente da raça, classe social e localização espacial. Seja sudeste, sul, nordeste, norte.

O Poder - O que mais gostaria de acrescentar?

Amparo -
A luta é árdua e as vezes insana. Entretanto, é o que nos move e nos sustenta viva e atenta aos movimentos e estratégias da ala conservadora e autoritária da sociedade.

O Poder - Puxa, obrigado. Emocionante o seu relato.

Amparo -
E como eu queria que essa mensagem chegasse às novas gerações.

O Poder - De Nossa parte, vamos viralizar.

Amparo - Agradeço mais uma vez. Vamos sim.
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