O Poder — O senhor acha que existe, hoje em dia, uma cobrança maior pela verdade, que no século passado?

MT - Julian Baggini é hoje um dos principais filósofos ingleses deste século 21. Filho de pai italiano e mãe inglesa, ele nasceu em 1968 na cidade portuária de Folkestone e tem o dom de transformar filosofia em algo cotidiano. Baggini é hábil com assuntos polêmicos. Autor do livro “Uma breve história da verdade”, ele mostra como o ser humano lida com a verdade, seja do ponto de vista político, religioso, filosófico, moral ou ético ao longo dos milênios até nossos dias. Há uma conclusão incômoda, a de que os políticos são os que mais maltratam a verdade. Baggini mostra que o uso da palavra verdade diminuiu durante os últimos 150 anos, mas a partir do século 21 experimentou um ressurgimento. Porém este ressurgimento nem sempre vem de uma cobrança pela prevalência da verdade.

O Poder — E na política? Como o senhor avalia a verdade por parte dos políticos, sobretudo os que são candidatos?

MT - Na política, argumenta o filósofo francês Bernard-Henry Lévy, as pessoas se preocupam cada vez menos se os candidatos dizem a verdade. A perda do interesse na verdade política, raciocina ele, vem do fato de o eleitorado estar cada vez mais convencido de que os compromissos adotados pelos partidos e seus caciques são baseados em dados manipulados e cifras inventadas. Não valem nada.

O Poder — Isso se reflete aos dias atuais?

MT - Diante da tragédia do Rio Grande do Sul e do momento histórico do Brasil, o livro de Julian Baggini é um porto seguro para o entendimento sobre como se manipula verdades a ponto de transformá-las em pós verdades. Um bom exemplo foi registrado pelo Poder360, ao esclarecer que a maior parte dos US$ 1,115 bilhão de ajuda aos gaúchos anunciados pela ex-presidente Dilma {Rousseff], hoje comandante do Banco dos Brics, fora contratada durante do governo Bolsonaro entre os anos de 2020 e 2022. Dilma correu para postar no X, ex-Twitter, uma pós verdade ao anunciar a liberação de 6 operações de crédito.Tem havido muita confusão e muita esperteza e cara de pau nesta desgraça que se abateu sobre os gaúchos. Como se não bastasse a chuva, a lama, as mortes, as perdas materiais e penúria ampla, geral e irrestrita, eles estão sendo obrigados a conviver com o oportunismo e a politicagem. E nunca é demais lembrar que teremos eleições municipais em outubro.

O Poder — Como o senhor avalia a relação da verdade com o poder?

MT - Michel Focault escreveu que aquilo a que chamamos de verdade é meramente a expressão do poder. Por este raciocínio, a verdade integra uma relação circular com os sistemas de poder que a produzem e sustentam. O fato é que há um jogo de poder por trás do que se acaba aceitando como verdade. Seja no anúncio de um empréstimo para as vítimas das enchentes no Sul, seja para acusar, sancionar e condenar opositores como registrou a deputada republicana Maria Elvira Salazar (Flórida) durante a audiência pública na Câmara dos Deputados dos EUA que discutiu violações do estado de direito no Brasil. Aqui faço um parêntese, porque este debate ainda não acabou no parlamento dos EUA, já que Elon Musk irá depor na Comissão de Relações Exteriores sobre o assunto no mês que vem.

O Poder — Pode dar exemplo de quando foi observado debate semelhante?

MT - A última vez que aconteceu debate semelhante foi em 1978, quando o então presidente Jimmy Carter esteve no Brasil e sua esposa Rosalyn falou ao presidente Ernesto Geisel sobre as violações dos direitos humanos e do estado de Direito, mencionando o caso de 2 religiosos americanos presos pelo regime. O poder de Carter era maior que o de Geisel. Enquanto no Brasil valia a pós verdade do governo militar, no exterior a verdade verdadeira acabou prevalecendo. Assim como há 46 anos, o mundo está agora discutindo o que acontece no Brasil e palavras como censura e violação voltaram à pauta da política internacional. Vamos ver qual verdade prevalecerá.

O Poder — E qual é, em sua opinião, o impacto desse tipo de comportamento junto ao eleitorado?

MT - Um eleitorado que se sente incapaz de separar a verdade da mentira, acaba escolhendo seus políticos com base em fatores emocionais. Quando se perde a confiança no cérebro, acabamos guiados pelas tripas e pelo coração, diz Baggini. Foi assim, por exemplo, que os ingleses acabaram votando pelo Brexit, porque suas tripas e seus corações diziam que governo bom era o de Londres, jamais o de Bruxelas. Dinheiro bom era a Libra, nunca o Euro. A breve história da verdade de Julian Baggini é a constatação numa e crua de algo cada vez mais raro. Para muitos já não faz sentido a frase do apóstolo João, “conhecereis a verdade e a verdade te libertará”, porque todos os dias, em algum lugar do planeta, alguém perde a liberdade por dizer a verdade para que sirva de aviso aos que imaginam ter força para quebrar o monopólio do poder sobre a verdade.

*Marcelo S. Tognozzi é uma referência na imprensa brasileira contemporânea. Jornalista, consultor e profissional de Relações Inter-Governamentais - RIG. A partir de texto publicado no Poder 360.