
Dr. José Nivaldo, 100 anos - uma homenagem a dois gênios da raça, por Fernando Farias Guerra*
01/06/2024 -
Desfrutei das amizades de dois personagens de muita relevância em Surubim no entardecer de suas existências, um, Luiz de Gonzaga Vasconcelos e o outro o Dr. José Nivaldo Barbosa.
Anteriormente, isso não seria possível, pelas divergências políticas que nos separavam, quando o regime militar se encontrava nos seus momentos mais exacerbados
Gonzaga, o líder
Por um lado o Dr. Gonzaga, líder político, ex-deputado estadual e federal com quem, levado pelo amigo Antônio Barros nos encontrávamos nos finais de semana para uma longa conversa, em terraço da casa de sua família à Rua Sete de Setembro, hoje transformada em estacionamento de um Supermercado.
Dr. Nivaldo, o humanista
Médico, escritor, pecuarista, homem de bons entendimentos com o qual passei a me relacionar muito bem, frequentando sua residência onde, atendendo convite quase impositivo, desfrutei de almoços incontáveis vezes. Com direito ao irretocável sorvete caseiro de coco, como sobremesa.
Sua casa igualmente, teve o mesmo destino daquela de Gonzaga, estacionamento para automóveis

Rico conviver
Os dois enriqueceram os editoriais do Correio do Agreste, do qual sou até hoje seu editor, com artigos excelentes, por muitos anos.
Um fato curioso deu-se com o Dr. Nivaldo, quando me arvorei a sondar o ambiente cultural no tocante à minha produção poética. Selecionei uma série de poemas, digitei-os, os imprimi em formato de pequeno livro e distribuí entre amigos. O título desse trabalho era, certamente, merecedor das maiores reprimendas por parte daqueles de fé religiosa inabalável, "A Imperfeição de Deus e Outros poemas".
Longa espera
Passaram-se os meses e nada. Certa feita, nossa Fátima Almeida trouxe à terra para uma palestra sobre o Neomodernismo, os poetas Vital Corrêa de Araújo, Rogério Generoso e Sílvio Hansen, este, também artista plástico, com quem vivenciei os momentos iniciais da Associação dos Artistas Plásticos Profissionais de Pernambuco. Após a palestra, festejada pelo reencontro com Hansen, nós seguimos para o Restaurante Capitu e ali, arrisquei mostrar-lhes esse livreto que versava sobre a Imperfeição de Deus. Para minha surpresa, Vital enalteceu-o e de tal maneira me encorajou a publicá-lo, que aceitei o desafio.
Outro título
Mais à frente, em 2011, sem as formalidades dos registros lancei o livro com outro título: A Confissão da Pedra e Outros Poemas". E, os três palestrantes estavam lá como prefaciadores dessa obra. O poeta Vital Corrêa de Araújo, em seus prólogos, alçou-o às alturas de tal forma que me excedeu as expectativas, entretanto, foram logo colocadas no seu devido lugar, pelo meu ex-professor de português, o Ir. Eduardo D'Amorim. Ele, ao término da leitura de meus poemas dirigiu-se a mim com uma pergunta fatal," quem é esse Vital Corrêa que lhe deu uma 'corda' tão grande?" Levei esse questionamento para o campo das possibilidades para que não fugisse da realidade e caísse no erro de inflar meu ego ao me considerar como um grande poeta. Deu certo.

Dr. Nivaldo sendo Dr. Nivaldo
Alguns meses depois, estávamos numa reunião no Centro Cultural Dr. José Nivaldo e lá o grande homenageado, o nosso Dr. Nivaldo, fazia seus pronunciamentos. Em certo momento, dirigiu-se à minha pessoa e, em alto e bom som, referindo--se à "Confissão da Pedra", desferiu-me uma advertência, movido por um desses costumes de casa que vão à praça, e foi logo dizendo " que eu merecia levar uns puxões de orelha! Como é que escreveu uns poemas tão bonitos e os deixou mofar nas gavetas por tanto tempo!"
Sua religiosidade
Certamente fora afrontada pela minha ousadia em escrever sobre a imperfeição de Deus. Quando encontro ocasionalmente minha amiga Ivone, ela que estava presente naquela noite memorável, sempre comentamos esse episódio.
Surubim, maio de 2024.
*Fernando Guerra é artista plástico, criador, 'restauranter', jornalista e escritor. Mora desde sempre em Surubim, PE.
