
Entrevista do domingo, com Marcelo Tognozzi* —As muitas semelhanças entre Lula e Biden
01/06/2024 -
O Poder — No seu último artigo, o senhor faz uma série de comparações entre os presidentes Lula, do Brasil, e Joe Biden, dos EUA. São semelhanças tão gritantes assim?
MT — Os dois foram eleitos após dura disputa contra líderes da nova direita mundial e não foram capazes de corresponder às expectativas do eleitorado. Pesquisa do Poder Data publicada na última quarta-feira (29/05), mostra uma diferença de 9 pontos percentuais entre a aprovação e a rejeição de Lula. O site 538, onde são publicados cruzamentos das principais pesquisas de opinião dos Estados Unidos, registra que Biden começou a perder consistência ainda no primeiro ano de governo, assim como Lula.
O Poder — Acredita que a idade também pesa nas dificuldades para reverter essa rejeição?
MT — Biden, 81 anos (ele completará 82 em 20 de novembro, logo após a eleição), quer ficar mais quatro anos na presidência, mas tem uma baita pedra no caminho: 56,3% de rejeição contra uma aprovação de 37,6%. Não é pouca coisa quase 19 pontos percentuais de diferença (No caso de Trump a rejeição vence por 12 pontos percentuais). A popularidade começou a desabar em agosto de 2021, sete meses depois da sua posse em 20 de janeiro. Em 30 de agosto, havia empate entre aprovação e desaprovação. Com Lula, 78 anos (fará 79 em outubro) aconteceu igual em setembro do ano passado, oito meses depois da posse. Na eleição de 2026 o presidente terá a mesma idade que Biden tem hoje.
O Poder — O que, em sua opinião, chama mais a atenção do ponto de vista negativo para os dois, perante a opinião pública?
MT — Ambos têm cara e jeito de passado, pródigos em cometer gafes variadas. Às vezes dão a nítida impressão de estarem desconectados do mundo. Lula forneceu bom exemplo disso ao declarar seu enfado com a inteligência artificial. Outra coincidência são os adversários processados na Justiça, porém com fôlego e disposição incomuns para a mobilização. Os Estados Unidos vivem a inusitada situação de uma eleição disputada por um presidente contra um ex-presidente, Donald Trump, o qual tem feito campanha do banco dos réus. No Brasil, Bolsonaro, que disputou contra um ex-presidente e perdeu, está nas ruas, mantendo uma mobilização forte, usando intensamente as redes sociais. Trump e Bolsonaro lideram por pequena diferença as pesquisas e simulações para eleições presidenciais. Ainda teremos muito chão pela frente até novembro e mais chão ainda até 2026, porém quanto mais a situação se consolida, maior a possibilidade de esta tendência ser mantida em função da polarização.
O Poder — Em relação ao presidente Lula especificamente, a semana não foi boa para ele em relação às votações no Congresso. Como o senhor avalia a situação?
MT — Lula tem lidado com cenário complicado. Na votação que derrubou o veto à proibição das saidinhas, o governo perdeu de 317 a 129. Na votação que manteve o veto de Bolsonaro barrando a criminalização de fake news, o resultado foi 317 a 139. Conclusão: o governo vive a mesma situação de 2016, quando a Câmara aprovou o impeachment de Dilma, com 367 deputados votando a favor e 137 contra. Significa que na hora do vamos ver o governo conta com os mesmos votos de oito anos atrás.
O Poder — Essa situação também prejudica o equilíbrio de forças entre os três Poderes da República, não?
MT — Aqui faço um parêntese para mais uma vez constatar que o Brasil, na prática, caminha para o semipresidencialismo, parlamentarismo ou qualquer coisa parecida com isso – o nome importa pouco – diante de um Congresso cada vez mais forte a ponto de o Executivo ser obrigado a fazer coalisão com o Judiciário para manter a governabilidade e a força. Esta coalisão distorce o papel do Judiciário, cuja missão não é governar ou definir políticas públicas, muito menos legislar. No caso de Biden, a situação no Congresso mostra desgastes evidentes, revelando outra coincidência entre Lula e Biden: problemas com a articulação política. Nesta toada, foi aprovado pela Câmara um pedido de impeachment contra Biden no fim do ano passado.
O Poder — Analistas norte-americanos dizem que Biden não é visto como próximo do eleitorado. O senhor vê Lula também nesta posição, aqui no Brasil?
MT — As pesquisas mostram tanto Lula como Biden desconectados da maioria da população. Eleitos com os votos de eleitores que rejeitavam seus adversários e a eles deram um voto de ocasião, os dois presidentes não conseguiram furar a bolha e conquistar novos eleitores. Ao contrário, perdem apoios, mostram os números. A permanência de Biden como candidato revela um Partido Democrata incapaz de gerar novas e consistentes lideranças. Ao contrário, os republicanos têm, além de Trump, outros nomes competitivos como a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley ou Ron DeSantis, atual governador da Flórida. No Brasil a situação é semelhante. Lula é o único candidato forte da esquerda. O PT não tem outros nomes com a mesma força. Há mais de 40 anos segue apostando em Lula. O PT chegou ao ponto de não ter candidato forte em nenhuma capital importante na eleição deste ano.
O Poder — O PT pode não ter candidatos fortes nas eleições deste ano, mas continua uma sigla forte. O que o senhor acha disso?
MT — A oposição dispõe de vários nomes como os governadores Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ratinho Júnior e Ronaldo Caiado, além da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina. Bolsonaro, mesmo inelegível, produziu filhotes. A agenda da oposição, menos impostos e mais segurança pública, está, neste momento, sintonizada com a do eleitorado médio, enquanto a agenda do governo, feita de viagens internacionais, críticas aos Estados Unidos, aproximação com o Irã e atritos com Israel, fica cada vez mais longe do dia a dia da massa dos eleitores em idade produtiva. Hoje, mostrou a última rodada do Poder Data, apenas o Nordeste continua apostando forte no presidente. O Lula de 2024 se parece com o Getúlio Vargas de 1954, cuja morte completará 70 anos dia 24 de agosto.
O Poder — Poderia falar um pouco mais sobre essa ligação Lula-Vargas?
MT — Depois de governar o Brasil por 15 anos, Getúlio foi deposto, se elegeu senador, mas permaneceu recolhido na sua fazenda no interior do Rio Grande do Sul. Voltou pelo voto em 1950 e encontrou um Brasil completamente diferente daquele de 1945. Conviveu com um Congresso hostil, indomável. Não soube entender a mudança. Embora contasse com ministros competentes, como Tancredo Neves, sucumbiu levado pela enxurrada de trapalhadas do irmão e do chefe da sua segurança, todos alopradíssimos. Não estou dizendo que Lula acabará como Getúlio. Longe disso. Faço apenas uma constatação de que quando o mundo muda, governantes somente entenderão esta mudança se fizerem parte dela.
*Marcelo S. Tognozzi é uma referência na imprensa brasileira contemporânea. Jornalista, consultor e profissional de Relações Inter-Governamentais - RIG. A partir de texto publicado no Poder 360