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O Poder entrevista Marcelo Tognozzi * - Saiba porque o Brasil está ladeira abaixo, rumo ao passado

08/06/2024 -

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O Poder - No seu último artigo, para o Portal Poder 360, o senhor disse que o Brasil muitas vezes passa a nítida impressão de estar em marcha batida para a decadência. Poderia citar motivos pelos quais considera isso?

MT - O caso do PL das Saidinhas é exemplar. O Congresso Nacional votou a matéria três vezes. Na última delas derrubou o veto do presidente Lula que mantinha as saidinhas. Pois bem, mesmo depois de deputados e senadores decidirem pelo fim do passeio dos presidiários, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi ao Supremo pedir a derrubada da lei, alegando ser ela inconstitucional. É o caso de se perguntar para que serve Congresso Nacional? Onde for parar a soberania do Parlamento, que cumpre seu papel de votar e legislar e logo em seguida vê suas decisões tornadas sem efeito por quem não tem voto e nem delegação do eleitor.

O Poder – Ao seu ver, a sociedade quer a tal saidinha dos presos?

MT - A sociedade não quer saidinha. Qualquer pesquisa feita com honestidade mostrará isso. Insistir em derrubar a lei é se colocar contra a sociedade que, em outubro de 2022, votou e elegeu seus representantes e a eles delegou deliberar sobre assuntos deste tipo. O mesmo aconteceu com o marco temporal das terras indígenas, assunto pacificado pelo Supremo em 2009 pelo relatório do ex-ministro Menezes Direito, agora revisto pelo tribunal sem a menor necessidade, uma vez que não houve fato relevante capaz de ressuscitar a questão.

O Poder – O que leva a esses atropelos entre os Poderes?

MT - O contrato social, tácito, implícito nas relações entre o Estado, representado pelo poder público, e a sociedade, representada pelos cidadãos pagadores de impostos, está sendo esvaziado pela falta de confiança. O cidadão cumpre suas obrigações, elege seus representantes e dá a eles poder de força e coerção. Mas o que está acontecendo no Brasil virou um desvirtuamento desta força e deste poder de coerção, usados contra uma ampla maioria da sociedade que não quer conviver com saidinhas de bandidos. A sociedade delegou ao Estado a responsabilidade sobre os presos e, agora, este mesmo Estado quer a sociedade assumindo parte desta responsabilidade em nome da tal ressocialização. A mesma sociedade financiadora da máquina da Justiça, cara, lenta e burocrática, tantas vezes ineficiente. No Brasil, condenar e fazer valer a condenação é quase uma proeza.

O Poder – Especialistas diversos, quando tocam no tema, levantam a questão da importância de medidas de ressocialização para os detentos. O que acha disso?

MT - O Estado brasileiro gasta muito tempo, energia, recursos humanos e financeiros para investigar, denunciar, processar, condenar e manter presos criminosos. Não é possível que depois de tudo isso as pessoas de bem sejam obrigadas a “socializar” com quem foi para a cadeia porque afrontou a lei, matou, roubou, falsificou ou cometeu qualquer outro tipo de delito grave. Não é por acaso que a maioria das pessoas perdeu a confiança no Estado e na sua capacidade de garantir coisas básicas como a independência dos poderes, respeitando as deliberações do Congresso tomadas dentro da lei e das regras do jogo democrático. Se as decisões de deputados e senadores deixarem de valer, corremos o risco de um novo 13 de abril de 1977, quando o então presidente Ernesto Geisel decidiu fechar o Congresso e criar senadores biônicos.

O Poder – Esse esgarçamento entre Estado e sociedade é observado apenas no Brasil?

MT – Não. Esta semana o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, deu entrevista ao jornalista Tucker Calrson e contou o caso de um criminoso preso na Espanha, acusado de cometer inúmeros crimes graves, como homicídios, em El Salvador. Quando soube da prisão do bandido, Bukele publicou nas suas redes sociais um “mandem para cá que cuidaremos dele”. Mas os espanhóis decidiram que o criminoso não deveria ser devolvido a El Salvador, porque as condições carcerárias eram melhores na Europa. Bukele então comentou que não entende o motivo de a Espanha querer manter um bandido lá. E declarou que considera este tipo de atitude um indicativo da decadência vivida pela nossa sociedade ocidental, uma inversão de valores. O presidente de El Salvador, 42 anos, filho de palestino muçulmano, está no segundo mandato e com uma aprovação recorde porque conseguiu transformar seu país num lugar seguro onde cada um tem seu papel: bandido é bandido, polícia é polícia, cidadão é cidadão. Virou fenômeno mundial simplesmente por cumprir sua obrigação de governante, fazendo valer o tal contrato social pelo qual o cidadão vota e paga impostos, enquanto o Estado usa sua força e seu poder de coerção para fazer valer a lei.

O Poder – Em sua avaliação, a questão encolhe o direito de ir e vir das pessoas?

MT - Rompimentos entre os que governam e os que votam trazem o risco da decadência, traduzida na imposição goela abaixo da sociedade de medidas por ela rejeitadas, como as saidinhas. Nestas horas, todos os argumentos para defender condenados, sejam técnicos ou não, acabam na vala comum do ‘nós contra eles’, ou seja: o Estado contra a sociedade. Esta é a percepção, o sentimento de quem tem medo sair de casa, usar o transporte público, atender o celular na rua ou usar um relógio de pulso. O direito de ir e vir encolhe todos os dias. Em 1965, o menestrel Marcos Valle lançou uma música chamada A Resposta. Sua letra, ainda muito atual, critica os que julgam saber tudo não sabendo nada, aqueles que vivem no limite entre o oportunismo, a ignorância e a má fé. Canta Marcos Valle:
“Falar de terra na areia do Arpoador
Quem pelo pobre na vida não faz um favor
Falar do morro morando de frente pro mar
Não vai fazer ninguém melhorar”.

*Marcelo S. Tognozzi é uma referência na imprensa brasileira contemporânea. Jornalista, consultor e profissional de Relações Inter-Governamentais - RIG. A partir de texto publicado no Poder 360

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