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Gol de Letra – Coluna Semanal por Roberto Vieira*- O jogo em Pernambuco

10/06/2024 - Jornal O Poder

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O mercado das casas de apostas invadiu o cenário do futebol pernambucano e nacional. É Bet pra cá e Bet pra lá. Realidade fora do Brasil desde as Football Pools centenárias dos ingleses, o aporte de dinheiro para qualificar melhor as equipes é um alento diante da superioridade econômica do futebol europeu nas últimas décadas, mas traz consigo um perigo: a perda de credibilidade dos resultados em campo. Entretanto, para aqueles que imaginam ser fácil combater o jogo em nossa sociedade, nada melhor do que relembrar algumas histórias do jogo em Pernambuco e das tentativas de controlar a jogatina. Porque parece que nunca se jogou tanto em Pernambuco e no Brasil, mas será mesmo assim?





Jogo do Bicho

O jogo do bicho é criado em 1892, no Rio de Janeiro, pelo Barão João Batista Viana Drummond, para salvar seu jardim zoológico particular. Localizado no bairro de Vila Isabel, o empreendimento sofre quando a República corta os antigos subsídios imperiais aos animais. O negócio do bicho dá tão certo que logo vira febre na capital federal. E, pelo visto, não só por lá. Tanto que, em 1900, o chefe de polícia pernambucano Leopoldo M. de Paula Lins expede circular ao Recife e demais cidades do estado, ordenando cessar o jogo do bicho com prisão dos delinquentes e objetos constitutivos do crime. A ordem do chefe de polícia não resolve o caso. Nas festas juninas de 1900, papelotes intitulados de ‘palpite do dia’ animam os recifenses que pagam 200 réis escolhendo seu bicho nas casas de fogos de artifício. Também faz sucesso o livro ARTES DO DIABO, com dicas para adivinhar o bicho do dia, tipo dormir de pés amarrados.





Felismino e Dantas Barreto

O primeiro grito contra o jogo do bicho em Pernambuco ocorre em 1896. O Senado Federal está prestes a votar a proibição da loteria oficial e os jornais locais já anunciam o jogo do bicho como o grande inimigo que chega da capital federal. Porém, ao mesmo tempo, os jornais também discutem a ironia de se proibir um jogo enquanto não se proíbe a loteria oficial. Pelas ruas do país, cartelas, apostas, bilhetes são oferecidos em grande quantidade. Em 1897, o sargento Candido Pereira de Souza prende Felismino dos Santos Silva que se recusa a parar de vender pules dos animais. Felismino é dos primeiros anotadores recolhidos na Casa de Detenção pelo delito. As prisões vão se sucedendo. E o jogo do bicho é cada vez mais forte. As tirinhas de 200 réis com os bichos ganham o poético nome de ARROZ DOCE. O governador Dantas Barreto começa a fazer vista grossa. O povo gosta e esquece da política. Em 1899 cessam as prisões. Os anotadores do jogo do bicho começam a ser multados.

João Pessoa

João Pessoa era o presidente, hoje seria governador, da Paraíba em 1929, quando inicia violenta caça ao jogo do bicho. O jogo do bicho no estado vizinho deu o pontapé inicial pouco depois de sua chegada em Pernambuco. Uma parte da sociedade e dos jornais, principalmente aqueles ligados a João Pessoa, tece elogios à ação saneadora da moral e bons costumes do mandatário. Um ano depois, João Pessoa cai morto em Recife, assassinado por questões políticas e amorosas. O jogo do bicho prossegue e deixa a República Velha para trás.

Barbosa Lima Sobrinho

Corre o ano de 1949, a Loteria Estadual de Pernambuco foi regulamentada por lei em 22 de dezembro de 1947. Pelo artigo único da lei, 5% de toda jogatina no estado deve ser recolhida ao tesouro federal. Durante o ano de 1948, 6 milhões de cruzeiros escapam do tesouro por absoluta falta de fiscalização e cobrança governamental. Até que em 1949, o governo estadual firma contrato com a Loteria Estadual para correr o jogo do bicho e recolher os impostos. Das 53 casas de apostas do estado, 49 concordam pagar os 5% ao estado, mas 4 das casas, A FAVORITA, MONTE DE OURO, CASA DA FORTUNA e A FEDERAL dizem não. Como estas casas de apostas não pagam os 5%, os prêmios delas se torna muito mais atrativos que os dos demais 49 estabelecimentos. O governador Barbosa Lima Sobrinho diante do impasse e da impossibilidade de fiscalizar o jogo, bate o martelo e decreta o fim do jogo do bicho. Que como sabemos nunca acabou.





Cassinos

A Segunda Grande Guerra trouxe ao Recife tropas norte-americanas e cassinos. O Cassino Americano foi instalado no Pina e permitia apenas a presença de norte-americanos no recinto, mas mulheres brasileiras devidamente cadastradas poderiam também o frequentar. O fato não diminuiu a animosidade dos rapazes pernambucanos com os galanteadores estrangeiros, fato que ocasionou muita briga pelas ruas da cidade. Na esteira do Cassino Americano, o luxuoso Grande Hotel instalou outro famoso estabelecimento para apostas e shows na capital pernambucana. O cassino do Grande Hotel fez sucesso até que o presidente Gaspar Dutra mandasse fechar os cassinos pelo Brasil. Pelo menos oficialmente.

O bicho no futebol pernambucano

Logo após o título estadual de 1958, os jogadores do Sport, comandados pelo uruguaio Carlos Morel, reclamam o não pagamento do bicho pelo título aos dirigentes. Adelmar da Costa Carvalho, presidente do Sport rebate dizendo que não havia prometido bicho pelo título, mas que concordaram com pagamento de bicho pelas vitórias no campeonato. Somente isso. O bicho era um prêmio criado pelos dirigentes do futebol carioca nos anos 1920, quando ainda reinava pretenso amadorismo no futebol brasileiro. Cada animal representava uma quantia paga aos atletas após as vitórias. A premiação fez escola no futebol brasileiro e ganha as manchetes pernambucanas no final dos anos 1950 e anos 1960. De repente, tudo era bicho nas quatro linhas do gramado

Nilo Coelho

No dia 6 de janeiro de 1970, o governador Nilo Coelho acordou e disse que não ia ter mais jogo do bicho em Pernambuco. Nilo mandou a polícia fechar todas as bancas e a polícia com o poder do governo militar nas mãos obedeceu. Muita gente duvidava daquilo dar certo, cerca de 50 mil pessoas estavam desempregadas no estado do dia para a noite não era brincadeira, mas durante meses, Nilo Coelho foi o primeiro governante estadual a experimentar um gostinho de vitória - tanto que a loteria estadual triplicou seu faturamento. Nilo só não contava com um detalhe. O vizinho estado da Paraíba não proibiu o jogo do bicho e os pernambucanos começaram a fazer sua fezinha por aquelas bandas. Na esteira das medidas de Nilo Coelho, o ministro Delfim Neto anuncia a Loteria Esportiva no dia 25 de março de 1970. No embalo da Copa de 70, com a paixão do futebol rivalizando com a paixão pelo jogo do bicho no século XX, muito bicheiro sentiu faltar seu chão. Até que jogo do bicho e futebol também se deram as mãos com bicheiros botando dinheiro nos clubes de futebol.

Bets

Hoje, Bets são os novos bicheiros do futebol, com uma diferença. O governo Lula agiu mais rápido que Venceslau Brás em 1892. Taxou as Bets. Virou sócio da dinheirama. Porque quando se tem alguém que não se pode vencer, muito melhor é jogarmos no time dela. Para quem só curte apostas, tudo bem. Para quem ama o futebol, mais uma pulga atrás da orelha. Ou não. Porque desde que algum ser humano praticou esporte em nosso planeta pela primeira vez, outros seres humanos apostam no resultado. Em Pernambuco, no Brasil e no mundo. Mudança mesmo, tivemos apenas em nossa maneira social e política de encararmos o jogo. Até o final dos anos 1960, jogar era uma atividade que atentava contra a moral e os bons costumes. Hoje, o jogo é atividade socialmente aceita. Paga impostos. Gera receitas. Como proclamava o político francês George Pompidou, existem três maneiras de a pessoa se arruinar na vida. A mais agradável é com mulheres; a mais rápida, com o jogo; e a mais segura, com a economia. Parece que os governos compreenderam bem essa mensagem e fizeram sua fezinha.

Autor

*Roberto Vieira é médico e cronista
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