
É Findi – Cultura e Lazer – O pesquisador Carlos Bezerra Cavalcanti, sócio benemérito do IAHGP, em suas andanças pelo Recife fala hoje da rica história do bairro de Afogados, na zona oeste da Capital – Primeira Parte
14/06/2024 -
Um dos poucos redutos que o Recife dispunha para ajudar Matias de Albuquerque, durante a Invasão Holandesa, foi construído pelo próprio General, no passo do Rio dos Afogados, na passagem da ilha de André de Albuquerque, atual Bairro de São José. O local era de grande relevância estratégica, uma vez que, próximo a ele, bifurca o Rio Capibaribe, possibilitando ao invasor, fácil penetração na região açucareira da Zona da Mata.
Importância tática
Os batavos, preocupados com a importância tática da localidade, construíram, o FORTE PRÍNCIPE GUILHERME, cujo nome homenageia o Príncipe de Orange, parente de Nassau, que reinava entre os holandeses. Para dar-lhe acesso a quem vinha das Cinco Pontas, os batavos construíram mais uma ponte que ficaria conhecida como: PONTE DOS AFOGADOS.
Acesso à produção de açúcar
Esta ponte feita sobre o braço do rio Capibaribe, denominado dos Afogados, servia ao Forte Príncipe Guilherme e era estratégica por ser o único acesso importante para Zona da Mata onde se produzia grande quantidade de açúcar. Foi construída por Herman Hegenau e tinha trinta braças de comprimento pois esta era a largura do rio entre o dique e o Forte Guilherme. Ao que tudo indica, foi feita em menos de cinco meses. Iniciados os trabalhos em 4 de julho de 1644, em 3 de dezembro do mesmo ano estava concluída. Seis anos depois (1650) foi arrastada por uma grande cheia que estourou o dique. Logo providenciaram sua recuperação sendo encarrega-do dos serviços o major Cornelis Beijar e Wonter Faloo. “ Nova Ponte dos Afogados – informa ainda José Antonio Gonsalves de Mello, em Tempo dos Flamengos, - que deveria medir 120 pés, foi aumentada pelo construtor, passando a ter 134 pés”
Afogados ou Piranga
D. Pedro II, em sua visita a Pernambuco (novembro de 1859), relata que o mencionado Forte era também chamado dos Afogados ou do Piranga (Barro Vermelho), cuja origem vinha de um lugar assim denominado. Segundo documento Flamengo de 1637, identificado por Pereira da Costa ( ob. cit. Vol. VII) “constava o Forte de 4 pontas, com outros tantos bestiais e se localizava numa excelente posição, que assim, não só ocupava o livre trânsito para a Várzea e toda a terra do interior, como defendia a passagem da ilha de Santo Antônio, para os Afogados”.

Situação do forte
O referido documento diz ainda o seguinte sobre o Forte Príncipe Guilherme ou dos AFOGADOS, como chamava nossa gente (ob. cit.). “O Forte está situado em uma planície, na sua parte mais elevada, dominando assim o campo, até onde o canhão pode alcançar. Para o lado do nordeste, tem fossos fundos e o solo é mais alto, pelo que o inimigo pode aproximar-se por meio de aproches. É necessário que esse Forte seja cercado de uma contra escarpa, pois não sendo assim, falta-lhe a fortaleza. É construído de uma terra singular que no verão, quando seca, é tão dura como pedra e no inverno, como hoje, é mole como argamassa, sulcando-o às águas de modo que é necessário grande dispêndio para repará-lo e conservá-lo”.
Terra doada por Jerônimo de Albuquerque
Conforme ainda Pereira da Costa (ob. cit.) na sua origem as terras dos Afogados estavam compreendidas na sesmaria de uma légua de terra doada a Jerônimo de Albuquerque pelo Donatário Duarte Coelho.
“...no começo do século XVII, contava, já a povoação, com várias casas de habitação e em meados do mesmo século era esta a sua feição, de acordo com Loreto Couto, escritor coevo: “para a parte sul se alargaram os moradores do Recife, em uma deliciosa planície chamada o lugar dos Afogados ( grifo nosso), a que se vai por uma formosa calçada (estrada empedrada), que principia aos pés da fortaleza das Cinco Pontas, onde fundaram um arraial que se compõe de trezentas e tantas moradas com uma igreja dedicada ao Espírito Santo e um recolhimento de donzelas ...” Na mesma época havia na povoação um curtume de sola, ou fábrica de atanados, que funcionava já em 1746.
Desmembrada de Olinda
Por provisão régia de 6 de dezembro de 1817 foi desmembrada a povoação dos Afogados do termo e jurisdição da cidade de Olinda e que ficasse pertencente a Vila do Recife. A este tempo já era a Igreja de N. S. da Paz capela curada, vinda dos anos de 1785, quando foi substituída a Irmandade da sua invocação até que teve o predicamento de Matriz com a criação da Paróquia, em 1837.

Tradição histórica
Afogados tem também sua tradição histórica sendo palco de memoráveis episódios na Guerra dos Mascates, na Convenção de Beberibe, na Revolução de 30 e na Intentona Comunista de 1935. Em sua importante obra “Pernambucanidade” Nilo Pereira assim se reporta a esse último acontecimento:
“Uma página de heroísmo pernambucano foi a resistência à Intentona Vermelha em 1935. Foi simplesmente indescritível o heroísmo com que agiu a Polícia Militar de Pernambuco que honrou as suas tradições lutando de peito aberto obstinadamente, sobre tudo no Largo da Paz, até a total rendição dos Revolucionários”.
Povoado movimentado
Afogados, no início deste século, como nos diz Pereira da Costa (ob.cit.) era uma grande e bela povoação de vida animadíssima e recursos próprios, com duas estações de caminho de ferro e uma linha de bonde elétrico e com grande população...”
A origem da denominação dessa localidade é a mais remota entre os arrabaldes recifenses uma vez que, antes mesmo da presença Duartina em Pernambuco, o colonizador Pero Vaz Couto escrevia em seu diário de navegação em 7 de fevereiro de 1531 que sete homens tinham se afogado na barra do Recife. Já na época holandesa essa parte do Rio Capibaribe ou dos Ce-dros, era registrada na cartografia como : “Fluvius Afogado-rum” (Rio dos Afogados).
Vila popular mais antiga
É nesta localidade que se encontra a vila popular mais antiga do Recife, a Vila de São Miguel, (Liga Mista dos Proprietários), construída em 1934, por iniciativa no Interventor Carlos de Lima Cavalcanti. A medida daquele administrador visava inibir e, em longo prazo, extinguir a mocambaria (casebres) da capital pernambucana, proibindo a construção, reconstrução e até a licença para consertos de mocambos, uma vez que esse tipo precário e insalubre de moradia havia se tornado verdadeiras fontes de renda para pessoas que cobravam aforamento da terra e de aluguéis de mocambos por elas construídas para exploração imobiliária.
Por volta de 1797, no Governo de D. Thomas José de Melo, eram concluídas as obras do aterro dos Afogados que ligava a Campina do Taborda a essa promissora localidade, próximo a atual Fábrica da Alimonda Irmãos, na cabeceira da Ponte de Afogados.
