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Entrevista do domingo - Este governo já começou velho, com Marcelo Tognozzi*

15/06/2024 -

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O Poder — No seu último artigo, para o Poder 360, o senhor afirma que o Governo Federal “queimou a embreagem” esta semana e que considera o período o pior destes 18 meses de Governo Lula. Por quais motivos?

MT — Embreagem permite a troca de marcha e de velocidades, reduzir nas curvas, acelerar nas retas. Lula teve de engolir a devolução da Medida Provisória do Pis-Cofins, contra a qual se rebelaram os que produzem, geram empregos e pagam impostos caríssimos com retorno pífio. No dia 28 de maio, o governo já sofrera derrotas com a derrubada do veto das saidinhas e a manutenção do veto de Bolsonaro à lei que criminalizou fake news. Isso, sem falar do marco temporal para demarcação de terras indígenas e da PEC das Drogas que avança no Congresso e irá endurecer a repressão ao porte e ao uso.

O Poder — Ao seu ver, isto pode ser perigoso ou também pode ter como ponto positivo o fato de ser um governo que ainda nem acabou o segundo ano do mandato?

MT — Este é um governo que já começou velho. Assumiu o protagonismo político antes de o anterior acabar e continua envelhecendo rapidamente, porque não oferece nada de novo, não tem plano econômico e fala mais de Bolsonaro do que de futuro. Enquanto isso, a inflação dá seus soluços. O ministro da Fazenda Fernando Haddad, desde a posse tratado a pão de ló pelo mercado, usou e abusou do velho truque indígena de mandar para o Congresso propostas indigestas e, depois, negociar para não sair de mãos abanando. Com a devolução da parte essencial da MP do Pis-Cofins, game over para Haddad. Vai ter de sacar outro truque da cartola. Se é que ainda existem truques e cartolas disponíveis.

O Poder — Em sua avaliação, quem foram os principais personagens que contribuíram para a devolução da MP?

MT — Rubens Ometo, da Cosan, já tinha dado o tom da orquestra, mas as figuras centrais da campanha pela devolução da MP foram dois baianos: Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e João Martins, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Afinadíssimos, Alban assoprou e Martins mordeu. Depois deram entrevistas juntos e misturados. O escândalo do leilão do arroz foi a crônica da alopragem anunciada. O ex-secretário do Ministério da Agricultura Neri Gueller, um ex-titular da pasta, perdeu o cargo depois de confirmada a sociedade do seu filho e um ex-assessor numa das empresas vencedoras do leilão de arroz. Era tudo o que não precisava acontecer. Até porque não falta arroz e nem faltará, garantem produtores e comerciantes. Mas o que esperar de um sujeito que já foi ministro e aceitou voltar ao ministério como assessor do ministro Carlos Fávaro? Deve ser um lugar muito bom para trabalhar este Ministério da Agricultura.

O Poder — O presidente Lula precisa fazer mesmo a tão falada reforma ministerial?

MT — É questão de sobrevivência. Sua articulação política é irrisória, o ministro Alexandre Padilha não fala com o presidente da Câmara e está à margem das negociações para a sucessão na Casa. O presidente, defensor da isenção de impostos para as comprinhas nos sites chineses, acabou tendo de aceitar a taxação de 20% sobre as compras até US$ 50. Ou seja: o que antes custava US$ 50, agora custará US$ 60. A sorte do governo é contar com gente competente e sóbria como o líder no Senado São Jaques Wagner, cuja especialidade tem sido milagres dos mais variados tipos e tamanhos.

O Poder — Quem são, na sua avaliação, o melhor e o pior ministro do Governo Lula?

MT — O melhor ministro do governo é José Múcio Monteiro, da Defesa. Leal, sério e competente, debelou a crise nas Forças Armadas. A ponto de ninguém mais lembrar os nomes dos comandantes militares. Ministro bom é ministro que não traz problema; traz solução. O ministro-problema é Juscelino Filho, das Comunicações. Foi indiciado num inquérito da Polícia Federal e é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Lula sabe que mais dia menos dia o pior vai acabar acontecendo. A ministra Nísia Trindade não soube lidar com a dengue, a doença desembestou e, registra a Agência Brasil, agora temos mais de 4 milhões de casos e 2 mil mortes. Nunca o time dos mosquitos tinha dado um baile assim no Ministério da Saúde, comandado por alguém que veio da Fiocruz, cujo fundador, Oswaldo Cruz, ficou famoso combatendo mosquitos há mais de 100 anos. Cento e tantos anos de experiência que de nada serviram.

O Poder — Pode-se considerar que esses fatos vão repercutir na popularidade do presidente?

MT — Uma hora a conta chega, como aconteceu esta semana. Nos últimos 18 meses, o que temos visto são impostos demais e governo de menos. Lula tem dito que equilibrará as contas arrecadando mais, baixando as taxas de juros e aumentando investimentos. Nem um pio sobre corte de despesas e desperdícios. O mercado entendeu que Lula tirou o urso para dançar, o dólar assanhou, a Bolsa amuou e o Real desvalorizou. A última rodada do PoderData mostrou Lula com uma desaprovação (47%) maior que a aprovação (45%) e não vai parar por aí. O presidente governa neste 3º mandato como se vivesse nos tempos dos seus dois anteriores. A situação era muito diferente, o mundo era diferente.

O Poder — O mundo era diferente, mas quais diferenças o senhor considera mais desgastantes para o Governo?

MT — Lula podia acordar e decidir - como fez - que era preciso tolerância zero na combinação álcool e direção e o teste de bafômetro veio para ficar. Não havia um Supremo sócio do governo e o PT e seus aliados tinham maioria. Agora é bem diferente. Este é um governo de minoria parlamentar. Governos deste tipo ou ganham no grito, ou ganham negociando. A realidade desta semana mostrou que no grito não vai e a negociação precisa de um up grade urgente. A necessidade de uma reforma ministerial tem sido tema de conversas entre petistas históricos, incomodados com a perspectiva de uma derrota acachapante nas eleições deste ano. Pensam na sobrevivência, mas o partido não tem candidatos fortes nas principais cidades.

O Poder — E como fica a situação do presidente da Câmara, Arthur Lira, nesse contexto?

MT — Não há sinais indicando uma possível derrota de Arthur Lira na disputa pela presidência da Câmara. Ele teve 302 votos na sua primeira eleição e 464 na segunda. Tenho 40 anos de Congresso e nunca tinha visto proeza parecida. A competência de Lira tem sido vencer e ocupar e nesta toada que ele deve eleger seu sucessor. A derrota do PT nas grandes cidades significa menos máquina para eleger deputados federais. Arthur Lira sabe disso. E há um detalhe, sempre lembrado por deputados veteranos e novatos: ele cumpre os acordos. Na hora de votar num candidato a presidente da Câmara isso vale muito. A embreagem do governo bichou e o cheiro de queimado só faz aumentar. Ao perceber que Lula tirou o urso para dançar, a oposição segue à risca o ensinamento de Napoleão: “Nunca interrompa seu adversário quando ele estiver cometendo um erro”. E segue o baile porque 2026 é logo ali.

*Marcelo S. Tognozzi é uma referência na imprensa brasileira contemporânea. Jornalista, consultor e profissional de Relações Inter-Governamentais - RIG. A partir de texto publicado no Poder 360.

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