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Artigo - A derrota da Direita na França. Mas será que a esquerda venceu? Ricardo Rodrigues* analisa o resultado da eleição legislativa francesa

09/07/2024 -

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O resultado do segundo turno das eleições parlamentares na França pegou muita gente de surpresa. Certamente deixou perplexos os eleitores do partido de direita liderado por Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional. Afinal, a direita francesa já havia vencido as eleições para o Parlamento Europeu e tinha saído na frente no primeiro turno das eleições para a Assembleia Nacional francesa. Saliente-se que as pesquisas realizadas antes das eleições davam como certa a vitória da direita.
No segundo turno, contudo, a coalizão de esquerda, Nova Frente Popular, chegou em primeiro lugar, obtendo 182 assentos no Parlamento, seguida pelo Partido da Renascença e seus aliados de centro, comandados por Emmanuel Macron, com 163 cadeiras. O partido de Le Pen terminou o certame em terceiro lugar, com 143 deputados. Um resultado decepcionante para quem esperava uma virada para a direita no país.

A aposta de Macron

Essa reviravolta não aconteceu no vácuo. De fato, ela originou-se da estratégia colocada em prática por Macron para tentar frear a ascensão galopante da direita na França. Imediatamente após a divulgação dos resultados franceses na eleição para o Parlamento Europeu, Macron dissolveu o Parlamento, convocando novas eleições para a Assembleia Nacional em dois turnos. De acordo com o próprio Macron, essas eleições para o parlamento francês retratariam com “clareza” a real situação política do país.
Muitos analistas enxergaram a decisão de Macron como uma aposta perigosa. O tiro poderia simplesmente sair pela culatra. Até porque tudo indicava tratar-se de uma determinação impensada, tomada impulsivamente, no calor do momento.
Entretanto, não houve nada de impensado e impulsivo na decisão de Macron. De acordo com o Le Monde, um grupo de assessores próximos a Macron, incluindo aliados do ex-presidente Nicolas Sarkozy, trabalhou discretamente por meses na elaboração de uma estratégia arriscada, para o caso de a direita se tornar uma ameaça concreta. O cenário de alto-risco da estratégia previa precisamente a dissolução do parlamento e a convocação de novas eleições, em dois turnos. Os resultados da eleição para o Parlamento Europeu, com a vitória da Direita, foram o sinal verde para colocar o plano em ação.





A estratégia

Ao final do primeiro turno, a coalizão de esquerda francesa havia conseguido 9 milhões de votos, o que a deixava na frente da coalizão de centro liderada por Macron, mas atrás do partido de direita de Marine Le Pen. Era a hora de acionar o “cordon sanitaire”, através do qual os partidos tradicionais deveriam se unir para impedir a vitória da direita.
A operacionalização da estratégia envolvia evitar que a votação ficasse dividida entre três coalizões em centenas de distritos eleitorais. Toda vez que isso acontecesse, o candidato do centro ou da esquerda que ficasse em terceiro lugar deveria desistir do pleito em prol do candidato com maiores chances de vencer a direita. Segundo a BBC, foram registradas 217 desistências no total, sendo 130 de candidatos da Frente Popular e 81 de candidatos da coalizão de centro montada por Macron.
Ao unir forças, nos distritos eleitorais, contra a direita de Le Pen, esquerda e centro conseguiram o que parecia improvável, isto é, impedir que o partido Reagrupamento Nacional despontasse como a maior força política da França. Os principais líderes da direita no país, Marine Le Pen e Jordan Bardella denunciaram a trama como desleal e desonrosa. Mas, e daí? Na política, vale tudo.





Polarização política

O êxito da estratégia de Macron, no curto prazo, se fará acompanhar, nos médio e longo prazos, de consequências, no mínimo, desafiadoras para a democracia francesa. Em primeiro lugar, a estratégia introduziu o eleitor francês à polarização política. Se antes do segundo turno, havia terceiras vias de inquestionável viabilidade, essa alternativa foi negada ao eleitor, na medida em que ele se viu forçado a decidir entre somente duas opções, direta ou esquerda. A polarização que, em muitos países, aconteceu organicamente, na França de 2024 instalou-se artificialmente, por obra de estrategistas políticos.
Não é preciso uma bola de cristal para prever o encolhimento das forças políticas de centro no país. Direta e esquerda vão, com certeza, dominar o cenário político francês nos próximos anos. E, assim como aconteceu no Brasil, partidos de centro na França perderão a relevância que mantiveram enquanto grande parte do mundo era contaminada pela polarização.






Parlamento com mais poder

Em segundo lugar, o centro de gravidade do poder político na França migrará da presidência da República para o Parlamento. Os dias de poder quase absoluto de Macron estão contados. Seu estilo centralizador de governar, indiferente às vontades dos parlamentares, não terá mais espaço na Assembleia Nacional. Cabe lembrar que, antes da eleição, a coalizão partidária de Macron dispunha de 250 deputados, uma maioria robusta. Hoje esse número está reduzido a 160, insuficiente para lhe garantir a liberdade de ação de antes.
Como seu mandato somente se expira em 2027, Macron continuará no cargo, mas terá que se adaptar a uma nova realidade. Como bem colocou Raphael Glucksmann, dirigente do Partido Socialista francês, todos têm que aderir ao diálogo e aceitar a Assembleia Nacional como o “coração do poder”.

Situação de Impasse

Por fim, tudo indica que um cenário de impasse deverá se instalar na França nos próximos meses. O líder da esquerda, Jean-Luc Mélenchon já afirmou categoricamente que não negociará com outros partidos a formação de uma coalizão de governo que implique qualquer mudança no programa de seu partido. E aqui, tem-se um recado dirigido ao próprio Macron, já que, tirando o objetivo de bloquear a direita, suas coalizões guardam muito pouco em comum. Enquanto Macron aumentou a idade mínima de aposentadoria para 64 anos, a Nova Frente Popular, de esquerda, pleiteia reduzi-la para 60 anos. Se, para Macron, a prioridade é reduzir o déficit fiscal, a proposta de Mélenchon é aumentar o salário-mínimo e congelar as tarifas de energia e gás. Os dois também se desentendem quanto à política de imigração, com Macron pleiteando regras mais rígidas e Mélenchon prometendo um processo mais generoso de asilo.

Parlamento dividido

A Assembleia Nacional que emergiu das urnas no domingo passado é um parlamento dividido. Sozinha, a esquerda não tem os votos suficientes para alavancar sua ambiciosa agenda de reformas. No máximo, vai conseguir aprovar um ou outro projeto menos ambicioso. A situação é ainda pior para o centro e a direita. Sozinhos, não podem governar, e são antagonistas demais para trabalharem juntos. Portanto, haverá mais impasse do que progresso na governança francesa.
O que deve acontecer é o que os franceses chamam de coabitação. Trata-se de um fenômeno que se observa quando o presidente do país não pertence a um partido majoritário, sendo forçado a nomear um primeiro-ministro de um partido rival. Caso não o faça, terá que enfrentar votos de desconfiança sucessivos dirigidos aos seus escolhidos. Este é um cenário marcado por instabilidade e problemas de governabilidade, nada confortável para um presidente acostumado a tomar as rédeas de seu governo.

Autor

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional às terças.

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