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Leitura de Domingo - Manifesto de mulheres em torno da Confederação do Equador, por Josemir Camilo*

27/07/2024 -

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O historiador paraibano Josemir Camilo inicia seu artigo deste domingo com carta divulgada aos Compatriotas Cachoeirenses e faz considerações sobre o texto, divulgado em 1824:

“Queridas Compatriotas Cachoeirenses”
Remetendo-vos um exemplar de cada impresso que tem aparecido nesta Vila, chamamos mui particularmente a vossa atenção à Proclamação assinada por um amigo impertérrito da Justiça, e inimigo implacável de Tiranos; pois que ela descreve ao vivo a sorte que nos espera, se deixando de fazer um digno uso do ascendente, que a natureza, e a virtude nos dão sobre o coração dos homens na qualidade de mães, de esposas, e de amantes, não inflamarmos seus ânimos no santo amor da Pátria, e da liberdade, influindo-os para enérgica, e denodadamente as defenderem, e repelirem com as Armas se tanto for preciso, os ataques da opressão, e do despotismo.

Arte de iludir

O Imperador que soube de tal arte iludir-nos, que chegamos a adorá-lo como Fundador, e Defensor da liberdade, e independência do Brasil, traindo nossa confiança, e ingrato a tudo quanto em seu favor temos feito, tirou finalmente a máscara hipócrita com que se disfarçava, e fez ver em toda a claridade, que se nos embalava com a Independência, era para mais facilmente nos adormecer sobre a suas verdadeiras intenções de nos escravizar, deslumbrados por aquela palavra mágica que de tão grande fanatismo encheu nossas cabeças. A dissolução da Augusta Assembleia Nacional à força de artilharia, e baionetas, e a prisão do nosso imortal compatriota o senhor Barata, são atentados de tal ordem, que nenhuma dúvida deixam quem aquele que se atreveu a cometê-los, nenhum constará. Todos os seus atos posteriores o confirmam, e tendem ao mesmo fim, o de escravizar-nos.

“Servis estúpidos”

Os homens que têm escolhido para Presidentes das Províncias tais como por exemplo nessa Francisco Vicente Viana, e nesta o Morgado do Cabo (Francisco de Paes Barreto), são publicamente reconhecidos por servis estúpidos, perdidos de reputação, e de dívidas, ou Aristocratas ambiciosos, e egoístas mercenários, que só aspiram pela sua cega submissão às ordens da Corte, a restabelecer suas estragadas fortunas, e obter títulos, foros e comendas. Queridas Compatriotas; pudéramos acrescentar um sem-número de reflexões sobre os projetos do Imperador, e sobre a situação de nossa Pátria; mas além de recearmos abusar da vossa paciência, estamos certas de que elas não vos escaparão.

Amor à Pátria

Alguém poderá tachar-nos de nos intrometermos em política, por ser matéria alheia do nosso sexo: a isto respondemos, que o amor da Pátria tem nele produzido atos de heroísmos tais, que os homens o não podem apresentar mais sublimes. Demais não somos nós mães e esposas? E queremos acaso ser mães e esposas de escravos! Mostremos queridas Compatriotas, que as Brasileiras desprezando os objetos frívolos, e ridículos que em geral ocupam a atenção do nosso sexo não são sensíveis senão à honra, e virtude, e à glória de concorrerem para a liberdade, e salvação da Pátria, pelas quais não duvidam arriscar as próprias vidas, preferindo a morte à escravidão.
Goyana 10 de fevereiro de 1824. Ao Patriota Goyanense. (Publicações do Archivo Nacional. Vol. XXII, 1924, p.91-92).

Quem seria?

Havia a incógnita de quem seria este “Patriota Goianense”. Atentei que fosse o padre João Barbosa Cordeiro, de Goiana mesmo, mas que vivia na Paraíba. Havia sido preso como revolucionário em 1817; vinha sendo secretário da Junta Provisória da Paraíba, até 8 de abril de 1824, quando a Junta teve que entregar o cargo ao presidente nomeado por D. Pedro, Felipe Neri Ferreira. Revoltado, em maio, ele tinha ido a Goiana para imprimir um Manifesto Aos Liberais Paraibanos, contra o presidente. Segundo a historiadora Serioja Mariano, da UFPB, e doutora pela UFPE, esse padre imprimiu o manifesto liberal, em 18 de maio e, lá, escreveu: "(...) até os belos indivíduos do delicado sexo, quais outras guerreiras espartanas, desejam marchar com a espada em punho a nosso favor". Está, pois, matada a charada.

Perigo do gesto

As mulheres goianenses se antecipavam em gesto político perigoso, daí o anonimato. Isso deve ter provocado reações em outros lugares. Mas antes, na Paraíba, na vila do Brejo de Areia, mulheres se reuniram e escreveram uma carta ao jornalista liberal baiano, radicado no Recife, Cipriano Barata, como ele registrou em seu jornal Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco: “As Heroínas do Brejo de Areia (...) Aquelas Nobilíssimas Matronas, remeteram-me seguinte carta com 100 assinaturas”, (escrita em 14/6/1823 e publicada em 17 de agosto de 1823). Nesse caso, as mulheres de Areia não tiveram medo nem vergonha, pois a carta era de elogio à independência do Brasil, mas pelo lado liberal, de que aquele jornalista era o guardião, segundo elas. Contamos 92 nomes femininos ao todo. Em outro momento, Barata divulgou também uma lista de 22 admiradoras paraibanas, vinda de “Rio de Santa Rosa”.

Preocupação dos historiadores

Uma coisa, nesses documentos preocupam os historiadores mais céticos. É que aparecem as mulheres falando o termo “sexo”, tanto no Manifesto das goianenses, como na carta de Areia. Nesta, elas teriam escrito: “Nós, posto que conheçamos a fraqueza do nosso sexo, contudo não cedemos nem em valor, nem em patriotismo, ao mais intrépido e guerreiro cidadão: pois estamos na firme resolução (se preciso for) de unida aos nossos esposos, pais, filhos e irmãos lançarmos mão das armas e fazermos a mais cruenta guerra aos acérrimos sectários do nefando despotismo” (BARATA, 2008, p.389).

Dicionários e licença

É bem possível que sim, pois licença já havia, em termos discursivos, pois já constava “bello sexo”, no Dicionário do padre Bluteau, atualizado por Antônio Moraes Silva. E arrematava Barata “Em todas as histórias de Pernambuco e Paraíba, Alagoas etc., achamos modelos do heroísmo das Donas que não têm coisa alguma cedido em patriotismo aos valorosos campeões da nossa Liberdade”.

Vingança da viúva

Tivesse Barata conhecimento da neta de uma goianense dos Lins, nascida no Brejo de Areia, mulher de nome simples, Maria Joaquina de Sant´Anna, poderia reescrever sobre a saga de uma heroína. Montada e conduzindo duas crianças (uma ia na garupa do pai) saiu de Areia em maio de 1824, acompanhando seu esposo, Félix Antônio Ferreira de Albuquerque, eleito, então, presidente temporário da Paraíba. Havia este, por consenso confederado, sido eleito comandante de todas as tropas confederadas, de Pernambuco e Paraíba, pelos sertões até Caicó (RN), onde Maria Joaquina ficou com as crianças, enquanto a tropa foi para o Ceará. Encurtando a história, rendidos os confederados, presos Félix e Caneca, secretário da campanha, foge em Goiana, o paraibano. Como havia uma recompensa imperial para quem matasse qualquer cabeça da Confederação, Félix foi traído por um suposto amigo que o matou. Dez anos, após sua morte, a viúva descobriu o assassino de seu esposo e o matou com um tiro certeiro na cabeça. Aí estava uma das heroínas que, embora, não tivesse assinado aquela carta-manifesto, assinava, com sangue, sua história.

*Josemir Camilo de Melo é historiador e professor paraibano

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