
Artigo – As eleições na Venezuela: crônica de uma fraude anunciada. A análise é de Ricardo Rodrigues*
30/07/2024 -
O resultado oficial das eleições venezuelanas ocorridas anteontem não deveria ter surpreendido a ninguém. Desde janeiro, quando Nicolás Maduro repudiou o Acordo de Barbados, sabíamos que ele recorreria à fraude, caso não saísse vitorioso no pleito. Para quem não se lembra, o Acordo de Barbados, mediado pela Noruega, foi assinado por Maduro e pelos principais líderes da oposição na Venezuela para garantir a realização de eleições livres no país em julho de 2024.

Intimidação e perseguição
Talvez embalados pelo acordo e seu respaldo internacional, os partidos de oposição conseguiram se unir em torno do objetivo comum de derrubar, democraticamente, a ditadura chavista. O rápido crescimento da popularidade da principal liderança da oposição, Maria Corina Machado, logo passou a incomodar o regime. Como resposta, o governo de Maduro fez de tudo para inviabilizar a sua candidatura, como também a de qualquer outro opositor.
Para início de conversa, uma decisão da Suprema Corte deixou Maria Corina inelegível por 15 anos. Ela havia vencido as primárias para representar a oposição nas eleições, com 93% dos mais de 2 milhões de votos contabilizados na ocasião. Em seguida, a sucessora por ela escolhida para figurar nas cédulas de votação, Corina Yoris, foi impedida de se registrar como candidata.
Além disso, a coordenadora da campanha de Maria Corina, Magalli Meda, e mais 8 outras pessoas ligadas ao comitê eleitoral de Maria Corina foram presas, acusadas de conspirar contra o governo. Desde o começo do ano, mais de cem pessoas ligadas à campanha eleitoral da oposição já haviam sido presas.

Edmundo Gonzalez
O discreto, ex-embaixador Edmundo Gonzalez terminou granjeando a confiança dos partidos oposicionistas para se tornar o candidato da oposição na corrida presidencial venezuelana. Aos 74 anos, aposentado do serviço público, ele nunca havia se candidatado a qualquer cargo. Mas com o apoio da Maria Corina Machado, disparou nas pesquisas de intenção de voto.
Sabendo dos riscos que corria seu candidato caso tivesse uma forte exposição na mídia, a coalizão oposicionista deliberadamente manteve-o fora dos holofotes, ficando Maria Corina com a missão de viajar pelo país, pedindo votos para Gonzalez. A estratégia deu certo, livrando Gonzalez da perseguição política empreendida por Maduro. Afinal, ninguém no atual governo da Venezuela poderia imaginar que um aposentado, sem qualquer experiência política, teria condições de bater, nas urnas, um presidente incumbente.
“Banho de sangue”
Mas o desempenho de Gonzalez nas pesquisas durante a campanha assustou Maduro. Algumas sondagens colocaram o ex-diplomata à frente no pleito por 40 pontos percentuais. Segundo a Folha de São Paulo, uma projeção feita por um instituto de pesquisa brasileiro apontava a vitória de Edmundo Gonzalez com 66,7% dos votos contra 30,7% de Maduro.
Não foi à toa que, faltando duas semanas para a eleição, Nicolás Maduro apelou para a violência em seu discurso. Ameaçou os eleitores com um “banho de sangue” e uma “guerra civil fraticida”, caso não o elegessem.

Fraude eleitoral
Terminada a apuração, o Conselho Nacional Eleitoral, equivalente ao nosso Tribunal Superior Eleitoral, rapidamente declarou a vitória de Nicolás Maduro por 51,2% contra 44.2% de Edmundo Gonzalez.
O problema é que esses percentuais divergem radicalmente dos percentuais verificados em pesquisas de boca de urna. Realizada pelo Edison Research, um instituto norte-americano de grande credibilidade, que costumeiramente faz pesquisas para as redes de televisão dos Estados Unidos, a pesquisa apontou uma vitória acachapante de Gonzalez, com 65% dos votos, contra apenas 31% de votos recebidos por Maduro. Segundo o instituto, a pesquisa foi realizada com 6.846 eleitores, em 100 diferentes seções eleitorais espalhadas pelo país, com uma margem de erro de 2%. Para o vice-presidente da Edison, os resultados oficiais não passam de uma piada. De muito mal gosto, eu diria.
Não bastasse a boca de urna, a oposição contestou o resultado oficial, com base em provas documentais. Maria Corina explicou para a imprensa que a oposição tem em mãos 73% das atas de votação e que mesmo que o Conselho Eleitoral concedesse a Maduro a totalidade dos votos das atas restantes, não chegaria nem perto de Gonzalez.
Desgaste do regime
Muito embora Nicolás Maduro tenha definido o resultado proclamado pelo Conselho Eleitoral como irreversível, não há como varrer para debaixo do tapete o desgaste do regime chavista. A magnitude dos números verificados tanto pelas pesquisas de boca de urna quanto pelas atas coletadas pela oposição manifesta o declínio considerável do apoio popular sofrido pelo governo de Maduro. Tudo leva a crer que Maduro tenha perdido até o apoio de eleitores filiados ao seu próprio partido, muitos dos quais votaram pela sua saída.
Cabe lembrar que ditaduras precisam do respaldo de pelo menos uma parte da população para dispor de algum semblante de legitimidade e para ter estabilidade. Sem isso não se sustentam. No caso do regime de Maduro, essa base de apoio parece ter ruido sob o peso da corrupção, estando hoje em escombros.
As multidões venezuelanas que foram às ruas para protestar contra a fraude eleitoral são um reflexo inconteste desse desgaste do regime. Nem mesmo as ameaças do “banho de sangue” intimidaram as manifestações populares contra Maduro.
Não sabemos qual será o desfecho dessa crônica de uma fraude anunciada. Sabemos, contudo, que não há como reverter a severidade do desgaste amargado pelo regime ao longo deste processo eleitoral.
Autor
*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional às terças.

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