
Privatização fraudulenta da Sabe-se, por Virginia Pignot*
31/07/2024 -
A Empresa de saneamento de Água e de esgotos de S. Paulo, empresa estatal competente e lucrativa, foi dada de presente pelo governador Tarcísio de Freitas por um valor bem abaixo do mercado, em um leilão sem concorrência, deixando nas mãos de um grupo do Mercado Financeiro a gestão da água e saneamento de S. Paulo. Há suspeitas de ilegalidades, visto que serviços essenciais são função do Estado. Antes da privatização da Sabesp, representações e denúncias foram enviadas ao Ministério Público Estadual, para que avaliassem danos prováveis para o Estado e para o contribuinte e usuários dos serviços da empresa, assim como para o Tribunal De Justiça de S. Paulo. Ninguém moveu um dedo para investigar a venda suspeita. Vamos explorar neste artigo o debate envolvendo os interesses em jogo, as informações falsas da imprensa corporativa, vamos ouvir aqueles que denunciam a privatização como “o escândalo da década”. Boa e esclarecedora leitura.
O blablablá da mídia e os efeitos das privatizações
Já temos anos de experiência nesta área. Na hora de vender, seja anos atrás com a companhia siderúrgica nacional, a Light do Rio, a Enel em S.Paulo, ou mais recentemente, com a privatização de ativos da Petrobras, com a Brasil Distribuidora de combustíveis, com a Sabesp, os jornais vêm sempre com a “lenga-lenga” que é bom enxugar o estado e sua burocracia, que empresas privadas seriam mais eficientes. Depois, quando há demissões em massa sob protesto dos trabalhadores, apagões, enchentes e queda de barreiras de resíduos por falta de manutenção e de investimentos por parte das empresas privadas, elevação de tarifas, a imprensa é bem mais discreta ou cúmplice na hora de denunciar negligências e crimes das empresas privadas.
Aspectos jurídicos
Marcos José, mestre em Direito Administrativo, evoca os dois pilares do Direito Administrativo, que não foram respeitados na privatização “a toque de caixa”, da Sabesp:
-A Supremacia do interesse público, que deve prevalecer sobre o Direito particular
-A Indisponibilidade do Interesse Publico. Um bem publico não pode ser disponibilizado pelo poder federal, estadual ou municipal. Existe a possibilidade do Estado fazer concessão de um bem publico a uma empresa privada, mas serviços essenciais não podem ser concedidos, e esta não foi a opção utilizada pelo governo de S. Paulo. Cada deputado que aprovou a lei 17853 que permitiu a privatização recebeu 20 mil reais de emendas, além da escolha estranha do governo de oferecer um lote único, fazendo que só a empresa Equatorial tivesse condições de compra.
Estes e outros aspectos da privatização abrem espaço a contestações, segundo o advogado: ação direta de inconstitucionalidade, mandato de segurança, e por aí vai.
A privatização da Sabesp e Tarcísio de Freitas: ligações perigosas?
A Sabesp é a maior empresa de saneamento do Brasil e da América Latina, e a segunda maior do mundo. Trata-se de uma empresa lucrativa que tem baixo endividamento. Ela vinha sendo namorada há muito tempo pelo setor privado, e agora, com apoio da imprensa, Tarcísio conseguiu privatizá-la sem concorrência, por menos da metade do preço de mercado da empresa. Deveria ter incorporado 30 bilhões de reais para os cofres públicos, mas a venda só rendeu 14 bilhões. Nessas condições, o sigilo bancário do governador de S. Paulo não vai ser levantador? E se Tarcísio de Freitas não lucrou economicamente, a venda de patrimônio publico 'de graça' para ganhar o apoio do mercado financeiro e da mídia para as eleições de 2026, não é fraude?
Histórico sombrio e Escândalo
O grupo Equatorial que adquiriu a Sabesp, já comprara a empresa de eletricidade do Amapá, e foi responsável lá pelo apagão de 22 dias que maltratou o Estado em 2020. A intervenção da Eletrobras, então empresa estatal, foi necessária na época para resolver o problema.
O ano passado, os acionistas receberam 25% dos lucros da Sabesp. O resto foi para investimento, para pagar fornecedores. Este ano, com a privatização, os acionistas recebem 100% dos lucros, e as tarifas subiram 6,4%. “Quando eu privatizo o monopólio, só tem uma pessoa que perde: o consumidor”, afirma Amauri Pollachi, no GGN justiça “Sabesp, O Escândalo Da Década”. Com o monopólio, só tem uma pessoa que perde: o consumidor.
*Virgínia Pignot é médica e articulista. Mora em Toulouse, França, desde a década de 1980.