
Mercado – Coluna Diária por Antonio Magalhães* - A quem interessa uma nova reserva de mercado de informática?
31/07/2024 -
O Brasil volta no tempo. A proposta da ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos (PCdoB) de criar uma “nuvem brasileira” para armazenar dados cibernéticos nacionais e não depender das “nuvens” de empresas internacionais é vista como uma grande sacada do nacionalismo caboclo extemporâneo do governo Lula. E para elevar os dados brasileiros à “nuvem soberana”, como está sendo chamada, a administração federal deve contar com o módico investimento de R$ 1 bilhão, certamente vindo da fábrica governamental de bilhões.
Primeira reserva de mercado defendida pela esquerda
Por que a volta no tempo? Em 1984, no último ano do regime militar, uma lei popularmente conhecida como Reserva de Mercado de Informática no Brasil tinha como objetivo fomentar a indústria tecnológica nacional através da reserva do mercado às empresas de capital nacional. Só que, como em quase tudo no Brasil, a lei valeu só no papel e propiciou o contrabando e uma série de ilegalidades. A lei “nacionalista”, defendida até pela esquerda, só fez atrasar a atualização tecnológica do país, resultado semelhante que Luciana Santos pode esperar com a “nuvem brasileira”.

Tivemos o PC Corisco, símbolo da era de restrição
Livres dos concorrentes externos os fabricantes nacionais acabaram se acomodando, limitando-se basicamente a lançar clones de computadores estrangeiros. E ao invés de buscarem um desenvolvimento tecnológico pelo pioneirismo, as empresas brasileiras acabaram tornando-se especialistas em engenharia reversa. Isto acarretou inúmeros protestos na comunidade internacional pelas contínuas quebras de patentes - até o governo americano acabou entrando na jogada e em 1985 acusou formalmente o Brasil de práticas desleais de comércio internacional, passando a aplicar retaliações comerciais que duraram até 1988 e contribuíram para a crise do modelo da Reserva de Mercado no final desta década.

Clones nacionais defasados e caros
O maior problema, contudo, residia no fato de que os clones nacionais estavam defasados em vários anos se comparados ao mercado mundial. Enquanto que o resto do mundo (principalmente americanos, europeus e japoneses) curtia os últimos lançamentos da IBM, Intel, Apple e companhia, nós ficávamos relegados ao que estava disponível no mercado interno. E além de defasados, os clones nacionais não eram nada baratos: por exemplo, o preço de um Scopus Nexus 1600, clone do PC-XT, passava facilmente dos 10 mil dólares em valores da época. A Política Nacional de Informática (PNI) da época só foi modificada pelo presidente Fernado Collor em 1991, registra o Blog de Michael Rigo.
Serviço púbico emparedado na velharia
Outro reflexo da PNI na sociedade foi o desenvolvimento de um forte mercado cinza durante a década de 1980, impulsionado pela desatualização tecnológica e preço dos equipamentos nacionais, com componentes trazidos irregularmente sobretudo do Paraguai. Muitos se valiam de "meios alternativos" para comprar no país vizinho um "386 turbinado" que custava muito menos do que os obsoletos dispositivos brasileiros. Para empresas, porém, por motivos óbvios as coisas não eram tão simples, ainda mais no caso de empresas públicas, concessionárias ou autarquias ligadas às esferas municipal, estadual ou federal: para estas não havia como escapar dos caros e defasados equipamentos do mercado interno, anota op mesmo blog.
Luciana quer a volta do serviço público ao setor
Para a ministra Luciana Santos, nos dias de hoje, a criação da “nuvem soberana” vai exigir que serviços públicos se mobilizem, porque dentro das iniciativas que têm impacto imediato, estão envolvidos ministérios, “porque vamos precisar garantir que o governo brasileiro lidere um processo que vá além do serviço público, que vá para iniciativa empresarial, para geração de emprego", disse.

Defesa dos interesses nacionais
A proposta de plano brasileiro de inteligência artificial, apresentado na terça-feira (0/07), de autoria do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e intitulada "IA para o Bem de Todos", prevê R$ 23,03 bilhões de investimentos nos anos de vigência, entre 2024 e 2028. A representante do MCTI destacou que durante quatro meses de construção do plano participaram mais de 300 pessoas “para que o Brasil possa garantir sua autonomia, sua soberania”, ressaltou a ministra. A mesma conversa anterior à reserva de mercado da informática de 1984: a suposta defesa dos interesses nacionais.
Autor
*Antonio Magalhães é diretor de redação de O Poder