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Leitura de Domingo — O primeiro presidente do Brasil: Manoel de Carvalho

17/08/2024 -

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Josemir Camilo de Melo*

Ao ler o clássico ‘A Confederação do Equador’, de Ulysses de Carvalho Brandão (1924), passei a considerar que Manoel de Carvalho, o presidente de Pernambuco, trabalhou o primeiro semestre de 1824 como se fosse presidente da república do Equador, cooptando todas as províncias do Norte. O problema do projeto não era pernambucano, era a ambição de Manoel de Carvalho. Ele tinha os Estados Unidos na cabeça, tudo dele girava em função de sua vivência lá, onde, abandonando a esposa brasileira e se casando com uma americana, teve três filhas batizadas com nomes de estados de lá: Pensilvânia, Carolina e Filadélfia. Carvalho interessava-se pela constituição de lá, se julgava um político esclarecido. No Brasil, em 1824, chegou a escrever sobre Constituição e mandou publicar na Corte, “nas ventas” do imperador, como se dizia antigamente. Até nos navios que incorporou à armada confederada ele mandava usar, além da bandeira imperial (nacional), a americana, principalmente quando estourou a revolução da Confederação.

Ordens militares

Este detalhe de sua paixão pela democracia dos Estados Unidos está num ofício dirigido ao comandante da Divisão Constitucional do Sul, tenente-coronel José Antônio Ferreira, ao encomendar ao militar para usar todos os meios para a pacificação entre Pernambuco e Alagoas: “O brigue há de aparecer com bandeira Imperial no penol da mezena, e a bandeira americana no tope de proa; este sinal ficará servindo para V.S. conhecer as embarcações de guerra que daqui forem às ordens de V. S. 13 de julho de 1824” (Pereira da Costa, p.339-340). Cercado de poucos idealistas, Caneca à frente, dispunha do apoio e incentivo de Natividade Saldanha, secretário do seu governo, e do jornalista português, João Soares Lisboa, auto exilado em Pernambuco, recém perdoado pelo Imperador do degredo a que fora condenado.

Dois comandos

O governador das armas, Barros Falcão de Lacerda, vacilava entre os dois comandos, pois, nomeado por D. Pedro e até amigo do Morgado do Cabo, buscava um equilíbrio duvidoso, que até Manoel de Carvalho desconfiava dele. O presidente, buscando aglutinar apoios, ouvia críticas e buscava contemporizar com seus apoiadores críticos, como fez com o comandante do Forte do Brum, o major paraibano José Maria Idelfonso Jácome da Veiga Pessoa. Este, ao aderir ao movimento confederado, disse que a bandeira da Confederação não seria arvorada em seu quartel, enquanto ele comandasse o Brum (Barbosa Lima Sobrinho, p. 213/4).

Jornais da época

O imaginário do historiador não pode ficar restrito à documentação e à bibliografia que incensam o seu objeto de pesquisa. Pode-se descobrir informação de adversários, mesmo após o episódio; o mesmo também pode ser aferido em gêneros da escrita. Tomo como referência um jornal “imperialista” (como também se dizia à época), relatos dos adversários comandantes ingleses e uma sátira produzida na Inglaterra. Nestas três fontes, Manoel de Carvalho sai mal na foto. Tomo o jornal mineiro Abelha do Itaculumy (de Minas Gerais), que reproduzia notícias oficiais do governo Imperial. Em sua edição de 24 de setembro de 1824, publicava um comentário desairoso contra Manoel de Carvalho Paes de Andrade, dizendo “que desde o princípio da rebelião até hoje, expediu para Europa, o prudente, e avisadíssimo Carvalho, cinco navios carregados com belo pau brasil, a ser vendido por sua conta; de modo que com o produto destes carregamentos, ser-lhe-á fácil passar boa vida na França ou Inglaterra.” (p.2). O comandante da esquadra brasileira, Lord Cochrane também registrou que, ao saber de um navio carregado de pau brasil, que se encontrava na Ilha de Itamaracá, pertencia a Manoel de Carvalho, mandou apreender, para não fugir.

Gozação

Muitas vezes é lendo documentos posteriores que se obtêm análises sobre certos períodos. Por exemplo, entre 1831 e 1835, muita roupa suja de 1824 foi jogada na cara da sociedade pernambucana acerca do movimento confederado, principalmente de seu líder maior Manoel de Carvalho, chamado de fujão e covarde (pelos Carneiro Machado Rios, perseguidos por Carvalho, em 1830-35), no jornal Bússola da Liberdade, do padre João Barbosa Cordeiro. Este, antigo aliado e que fora preso e condenado a desterro, é outro que não poupa o Carvalho. Novamente a temática da gozação é que o homem na Inglaterra vivia do negócio do pau brasil. O redator dessa folha, o goianense Padre João Barbosa Cordeiro, escreveu em 31 de março de 1835: “Desculpe-me o Grande Mestre da Confederação do Equador, por cuja causa sofri 3 anos e meio de rigorosa prisão, e outros tantos de assustada fuga por evitar uma sentença de longo degredo, que tive por haver sido partidista, desculpe-me, digo que eu me envergonhe dessa loucura, e que hoje faça ver ao público que ainda sou o mesmo e Velhaco de fábrica coberta (itálico no original) tem sido ele, por haver iludido a tantos pernambucanos sinceros” (p.1).

No Ceará

Apesar de a Proclamação Confederação do Equador ter sido em 2 de julho, durante todo o primeiro semestre de 1824, Manoel de Carvalho já se portava como presidente desta “república”, (embora nunca use esta palavra), como se pode inferir de Brandão. Para o caso de adesão do Pará, até a data para esta província do Norte proclamar Confederação já estava prevista, seria o 1º de maio (BRANDÃO, p.201). Para o Ceará havia mandado material para instalar uma tipografia (republicana), do que tinha tomado do antigo aliado e agora inimigo, o português Felippe Menna Callado, sob a alegação que estava em dívidas com a província. Deve ter mandado em embarcação com bandeira do Império. Não sei se seria fácil tornar-se o primeiro presidente Confederado, porque o Ceará também já se antecipava ao 2 de julho, com a Proclamação (republicana) de Tristão Araripe, em 22 de maio, convidando todo o Ceará a se unir a Pernambuco e demais províncias sob a bandeira republicana desfraldada por Manoel de Carvalho Paes de Andrade. Ora, desde 8 de janeiro daquele ano, que em Quixeramobim, a dinastia dos Bragança havia sido deposta em “efígie”. Em 29 de abril, os liberais cearenses tinham derrubado o presidente nomeado por D. Pedro. E, mais ainda, em 26 de agosto, tornou-se o Ceará decididamente republicano, tendo, como presidente, Tristão de Alencar.

Viagens para o Norte

Voltando ao presidente Manoel de Carvalho Paes de Andrade, em abril, tinha enviado a escuna de guerra Camarão para o extremo Norte, com exemplares da constituição da Colômbia (BRANDÃO, Op. Cit., p.201). Para o Piauí havia mandado o padre Francisco de Paula Barros, de passagem para o Maranhão. Para o Ceará enviou como emissário o vigário de Itamaracá, padre Luiz Carlos, com documentos e, provavelmente, com cópias da constituição colombiana. Nas viagens para o norte, os navios de guerra usavam a bandeira imperial (nacional). Desde março, as aspirações de Manoel de Carvalho por uma união das províncias, o fizeram enviar um emissário ao Rio Grande do Norte, Januário Alexandrino, cirurgião militar sob a capa de divulgação da vacina. Pelo sobrenome deste, “da Silva Rabelo Caneca”, devia ser irmão do frade Caneca e seu editor, antes de este vir a ser polemista político famoso? (BRANDÃO, (p.202).

Atitudes acaloradas

A sua ação em administrar a (hipotética) República, o levou a tomar atitudes com províncias vizinhas, algumas tomadas sob o calor de um Conselho que o aclamava, mais (talvez) pela audácia de dizer e fazer na cara de D. Pedro, embora não tão direto, como a decisão de atacar Alagoas. O motivo poderia ter ficado no nível das exigências de cargo para cargo, como até tentou. Mas, chegar quase às vias de fato por 30 soldados de cavalaria que haviam desertado de suas tropas, poderia ser negociado, como propunha o presidente de Alagoas. Claro, havia o homizio de Paes Barreto em terras alagoanas. Manoel de Carvalho pressionou o presidente do Rio Grande do Norte, Thomaz de Araújo Pereira que vinha sendo pusilânime diante do clima político interno e do quadro regional, e por não ter aderido à Confederação do Equador. Convidou-o a enviar uma delegação ao Recife, para um acordo político entre as duas províncias, o que se deu em 3 de agosto de 1824.

RN rejeitou

O Rio Grande do Norte não só rejeitaria a Constituição outorgada, como pressionaria a Paraíba à adesão, vigiando os limites nortes desta, sustentado financeiramente por Pernambuco, dizia, mas que, posteriormente, seria pela Confederação. A presidência da Paraíba, aliada ao Imperador, ainda chegou a receber uma delegação potiguar, mas quando a presidência “tabajara” viu suas intenções, a expulsou. Para a Paraíba já bastavam o desgaste e a tensão em seus limites ao sul com tropas pernambucanas até dentro do seu território, em Alhandra e em parte da antiga Serrinha, hoje, Juripiranga. Convocou as províncias confederadas e comarcas pernambucanas para que elegessem seus representantes, para, em meados de agosto daquele ano, se reunirem em um Congresso Constituinte da Confederação a ser realizado em Olinda, para o que mandou reformar o prédio sede do governo. Os do Ceará chegaram até a partir, mas não se sabe se deram meia volta.

Sonho desfeito

O sonho maior de Carvalho se desfez quando soube da tropa imperial, sob o comando do general Lima e Silva, no terreiro da propriedade de sua genitora, em Santana, subúrbio recifense. Deu algumas ordens e saiu sozinho. Tomou uma jangada e buscou asilo numa corveta de guerra sob o comando do inglês Frederick Hunn, autoexilando-se o republicano sob as asas da monarquia inglesa. Em 1829, o Diário de Pernambuco, de 25 de junho de 1829, publicou na Seção de Correspondências: “Que seria da revolução de Carvalho, sem Frei Caneca? Responde-se: o Carvalho iria abaixo mais cedo! ”

*Josemir Camilo de Melo é historiador e professor paraibano

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