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Artigo - O dilema de Kamala Harris: o voto judeu ou palestino? O articulista Ricardo Rodrigues* relata os desafios da concorrente de Donald Trump

20/08/2024 -

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O crescimento vertiginoso da candidata Democrata Kamala Harris nas pesquisas de intenção de voto parecia indicar que o céu seria o limite para sua campanha à presidência dos Estados Unidos. E que, além disso, esse também seria um céu de brigadeiro, sem o menor indício de turbulência. Contudo, o primeiro dia da convenção nacional do Partido Democrata, ontem, na cidade de Chicago, demonstrou que talvez não seja bem assim. O evento, que tinha tudo para ser uma grande festa de coroação de sua candidatura, está sendo marcado por manifestações contra a política do atual governo relativa à guerra em Gaza. É a realidade batendo na porta. Como qualquer pretendente à chefia do Poder Executivo norte-americano, Kamala terá à frente um caminho tortuoso, cheio de solavancos.






Protestos

Não foram os discursos proferidos por Joe Biden nem por Hillary Clinton durante o primeiro dia da Convenção democrata, ontem, que monopolizaram as manchetes dos jornais americanos. As notícias sobre o que se passou dentro do Centro de Convenções da United tiveram que competir por espaço na mídia com as manchetes sobre as manifestações pró-Palestina que aconteceram do lado de fora.
Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Chicago para protestar sobretudo contra a política do governo de apoio irrestrito a Israel no conflito em Gaza. Os manifestantes representam mais de 200 organizações e têm como principal pleito o fim da guerra de Israel contra o Hamas e da ajuda norte-americana à defesa de Israel. Exigem que os Estados Unidos parem de enviar armas para Israel.
Para a coalizão que organizou as manifestações, Biden tem as mãos sujas com o sangue de mais de 40 mil palestinos mortos, assim como Kamala Harris e todos os principais líderes do Partido Democrata, que são, cúmplices do genocídio que acontece em Gaza. Pelo menos quatro pessoas foram presas durante as manifestações de ontem.





Semelhança com a convenção de 1968

As manifestações que ocorreram ontem durante a convenção do Partido Democrata lembram muito os protestos que tiveram lugar na mesma cidade de Chicago, durante a convenção nacional do mesmo Partido, em 1968. Em ambos os casos, se tratavam de manifestações contra uma guerra em terras estrangeiras. Em 1968, os manifestantes protestavam contra o envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Vietnam enquanto agora os protestos são contra o apoio americano a Israel na guerra em Gaza.
Mas as semelhanças não acabam por aqui. Nos dois casos, os protestos aconteceram na esteira de centenas de manifestações de menor escala que tomaram de surpresa os campi de universidades por todo os Estados Unidos. Além disso, agora, como em 1968, a convenção tinha como objetivo homologar a candidatura de um vice-presidente após a desistência do incumbente. O Joe Biden de hoje foi o Lyndon Johnson dos anos sessenta.





Reação das autoridades

A diferença entre as manifestações de ontem e das que ocorreram há mais de cinquenta anos fica por conta da reação das autoridades. Em 1968, as manifestações surpreenderam lideranças políticas, inclusive o então prefeito de Chicago, gerando um verdadeiro caos na cidade, com os episódios de violência policial dominando tanto o noticiário nacional quanto os discursos dos convencionais. Conscientes da repercussão negativa do enfrentamento aos manifestantes em 1968, as autoridades locais em Chicago e os próprios organizadores da convenção se prepararam para uma abordagem mais diplomática. Os policiais agiram sem excessos para impedir que os protestos saíssem do controle. Há relatos de policiais que não reagiram sequer a ataques com spray de pimenta de alguns manifestantes. Por sua vez, os atuais convencionais estão fazendo questão de ignorar o assunto em seus discursos no palanque oficial. Não querem repetir os erros do passado, quando, a discussão interna sobre o que se passava do lado de fora acirrou as divisões dentro do próprio partido. De uma certa forma, estão fazendo valer o ensinamento de Edmund Burke, segundo o qual “aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la”.

Prisioneira das circunstâncias

A julgar pela fria recepção que deu a Benjamin Netanyahu, quando da visita deste a Washington, não tenho dúvidas de que, no íntimo, a vontade de Kamala é atender prontamente as exigências dos manifestantes. Segundo a agência de notícias Reuters, o encontro de Kamala com Netanyahu foi concebido pela vice-presidente como uma oportunidade para pressionar o primeiro-ministro israelense a negociar um cessar-fogo. Kamala não foi à sessão do Congresso que recebeu Netanyahu para não sinalizar qualquer apoio a Israel na guerra em Gaza. Se pudesse, sairia em defesa dos manifestantes. Não pode. É prisioneira das circunstâncias.
O Partido Democrata não pode se dar ao luxo de ignorar a força do voto da comunidade judaica e nem a importância de suas doações de campanha. Por esse motivo, os democratas precisam demonstrar apoio incondicional a Israel, como fez Biden.

Dificuldade de repudiar o governo do qual faz parte

Em uma teoria elucidativa, o cientista político Stephen Skowronek apontou para a dificuldade que têm candidatos que ocuparam o cargo de vice-presidente de se distanciarem das políticas e dos legados de seus antecessores. Para Skowronek, não há como candidatos afiliados a um regime escaparem do contexto político herdado. Segundo a teoria, caso repudiem suas heranças se isolam dos seus aliados naturais, e flertam com a impotência política.
A teoria explica bem os dilemas enfrentados pela campanha de Kamala Harris no momento. A candidata não pode se distanciar da política do governo ao qual ainda está ligada como vice-presidente, sob pena de perder apoio partidário. Ao mesmo tempo, não repudiar a política do governo em questões como o conflito em Gaza equivale a alienar os eleitores progressistas que estão na vanguarda de sua base eleitoral. O desafio para Kamala será precisamente equilibrar-se na corda bamba entre a defesa de causas minoritárias dentro do partido e a sua vontade de se eleger presidente.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional às terças.
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