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Delfim Neto nem foi santo nem fez milagres, entrevista com Cristovam Buarque*

29/08/2024 -

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O Poder - Como o senhor resume o perfil de Delfim Neto, recentemente falecido?

Cristovam - A contribuição como analista de problemas herdados e formulador de estratégias coloca Delfim Netto entre os mais importantes economistas e mais influentes políticos de nossa história. Nos dias seguintes à sua morte foi louvado por sua inteligência e seu papel no salto do PIB brasileiro, na década de 70; também por sua versatilidade em apoiar os militares em um momento, e, em outro, ser guru do PT. Assumiu-se que seu único pecado teria sido político, assinar o AI-5; mas seu grande pecado foi econômico, ter procrastinado o pagamento das dívidas da economia com o povo e a nação do Brasil.

O Poder - Mas ele foi o autor do 'Milagre Econômico', o maior salto do PIB em todos os tempos...

Cristovam - Ele foi realizador de curto milagre econômico, não foi promotor das reformas estruturais que o Brasil precisa.
Apesar de sua competência, Delfim trabalhou com a mesma miopia dos economistas que buscam crescimento sem sustentabilidade nem justiça. No Correio Braziliense, no dia seguinte à morte de Delfim Netto, André Gustavo Stumpf lembrou a frase “Dívida não se paga, administra-se” dita pelo ex-ministro mas que caracteriza o pensamento econômico brasileiro.
Esta visão tem sido usada para adiar o pagamento de dívidas que amarram o Brasil. Adotam medidas para reduzir a penúria, mas sem estratégias para superar a tragédia da pobreza e a vergonha da desigualdade. Ignoram que a educação de base com qualidade e equidade é o vetor fundamental tanto para o aumento da renda social quanto para sua distribuição. Criaram o Real, mas não reduzimos e até aumentamos os gastos e a ineficiência do Estado. Mantemos a dívida da baixa produtividade, dando isenções e subsídios que às vezes agravam os gargalos e há décadas emperram nossa economia.

O Poder - A visão de Delfim sobre a pobreza era equivocada?

Cristovam - Ele via a pobreza como falta de crescimento econômico, não como um dos impedimentos ao crescimento econômico. Ao dizer sua famosa frase “é preciso fazer o bolo do PIB crescer, para depois dividi-lo”, escondeu que a pobreza é hoje, como a escravidão foi no passado, instrumento para promover o aumento do PIB ao concentrar a renda e baixar salários como forma de criar demanda dos produtos caros e forçar poupança para induzir o crescimento no curto prazo.

O Poder - Ele não tentou superar a pobreza?

Cristovam - Delfim e muitos economistas não perceberam que a superação da pobreza só se consegue pela acessibilidade de todos aos serviços sociais básicos, porque a renda criada pelo crescimento econômico não se distribui espontaneamente, nem seria capaz de permitir a compra de todos estes serviços no mercado. Tampouco viu que a permanência da pobreza leva ao apodrecimento moral do bolo do PIB, à instabilidade da democracia, além de limitar o crescimento no médio prazo devido à baixa produtividade da mão de obra; não percebeu que crescer sem distribuir é não apenas imoral, é também ineficiente e insustentável. Ele não viu que não é a falta de crescimento que provoca pobreza, é a pobreza que impede o crescimento sustentável.

O Poder - E sobre a educação?

Cristovam - Apesar de sua genialidade, Delfim e demais economistas “de direita” consideram que a baixa qualidade de nossa educação é consequência do subdesenvolvimento e não que o subdesenvolvimento é consequência da baixa qualidade e da desigualdade como a educação é oferecida; por sua vez, os economistas “de esquerda” consideram que a educação de base só será bem distribuída quando a renda for bem distribuída, não que a boa distribuição de renda depende do acesso isonômico de toda população à educação de qualidade, independente da classe social da criança.

O Poder - O Senhor admite que Delfim produziu um 'Milagre Econômico'?

Cristovam - Foi a influência política de Delfim sobre os ditadores que levaram o país ao milagre econômico com taxas de crescimento que nunca mais voltamos a ter, sem pagar e até agravando as dívidas social, fiscal e ecológica. Sua influência acadêmica formou uma geração de procrastinadores de dívidas especialmente com a educação. Por isto, nossos milagres se esgotam rapidamente. Delfim é o símbolo da genialidade de nossos economistas com táticas para administrar dívidas sem enfrentá-las; adiando os problemas sem construir um país eficiente, justo, rico, sustentável e democrático. Sob esta cegueira, ele foi um dos melhores: colocou nossa economia entre as maiores do mundo, mas fez do Brasil o que, já no início dos anos 70, Edmar Bacha chamava de “Belíndia”, injusta e insustentável.

*Cristovam Buarque é um dos principais pensadores do mundo. Apóstolo da educação, é ex-reitor da UNB, ex-governador do DF e ex- senador.

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