
Nicolau Martins Pereira, herói e poeta
01/09/2024 -
Josemir Camilo de Melo
Permanece meio escondido o único mártir paraibano executado devido à participação na Confederação do Equador. Não marchou léguas, nem combateu no sertão; seu chão, sim, foi o Recife, como bravo capitão de artilharia do forte do Brum, Nicolau Martins Pereira. Quase só, resistiu aos ataques das tropas imperiais e conseguindo fugir do cerco, se apresentou depois ao general Lima e Silva, e este o mandou aguardar, em casa, o andamento da guerra. Logo depois foi preso, julgado e fuzilado, no Recife, em 2 de abril de 1825. Dado a recitar e escrever poemas, deixou escrito um soneto, pouco antes de sua execução!
Só três autores citam alguma notícia de Nicolau, a começar por Pereira da Costa (Anais Pernambucanos, 1965, p.148, V. IX.) que diz ser ele paraibano. Alcides Bezerra Cavalcanti, quando dirigia o Arquivo Nacional (1925, p. IV) também o diz, indiretamente, talvez bebendo em algum artigo, já, de Pereira da Costa. Diz este antigo sócio do IHGP que o papel da Paraíba na Confederação do Equador não deve ser desprezado, por não ter grande número de mártires, mas teve a execução do “bravo” Nicolau Martins Pereira. Recentemente uma dissertação de mestrado, de Tatiane Maria Barbosa Oliveira “Abreu e Lima, o escritor público: estudo e antologia” (2018), faz referência a Nicolau.
Sua curta história é um tanto confusa devido à desinformação até da época de sua prisão, julgamento e fuzilamento, pois alguém acrescentou a seu nome, no manuscrito sobre sua execução, o apelido “Carne-viva”. O registro anônimo apôs direto no manuscrito, entre parênteses, o nome “Carne viva”, quando este apelido pertencia a outro militar da mesma arma, mas de patente acima, o sub-comandante do Regimento de Artilharia, major Wenceslau (sic) Miguel Soares Carneviva. Nicolau era capitão de artilharia.
Há um manuscrito, da Biblioteca Nacional (II 32,1,1) intitulado “Pernambuco, 1824”, em que não se deve acreditar tanto, por ser apócrifo e que descreve o depoimento de Nicolau. Esta desconfiança vem da própria escrituração do texto, quando cita o executor da pena de morte, major José Joaquim Coelho, que o documento coloca entre aspas e parênteses (“depois Barão da Vitória”). Ora, esse baronato só lhe foi concedido por volta de 1870; logo, o escritor não é contemporâneo aos fatos descritos e pôde ser traído pela memória “Carne-viva”. Em todo caso, vamos ver como descreve a execução de Nicolau:
“Capitão de artilharia Nicolau (Carne-viva). Nomeado pelo governo da Confederação comandante do Forte do Brum, quando atacado pelas forças legais resistiu com grande valor, e mesmo depois de ter a guarnição debandado, continuou o fogo, que não podendo ser animado, permitiu a invasão do forte. Nicolau então fugiu pela praia embarcou em uma canoa e foi se entregar ao general Francisco Lima e Silva. Este mandou que ele se recolhesse a sua casa, onde permaneceu, sem querer fugir, até que a revolta foi sufocada. Foi então preso e processado. Condenado à morte foi executado com mais dois, o capitão Antônio do Monte Rodrigues e um americano por nome Diogo. Foram os três fuzilados. Nicolau depois das manobras com a escolta encarregada da execução que estava ao mando do major José Joaquim Coelho (depois Barão da Vitória) para colocar mais perto e de maneira que não ofendesse o povo, fez uma fala, mostrando aos seus companheiros que havia sido enganado, que entrara na revolução para defender ao Imperador, a que só depois foi que descobriu o engano e já não havia que retroceder, que necessitasse (?) a sua sorte como exemplo, e virando-se para a escolta pediu que lhe despejassem a carga aos peitos e cabeça. Deu ele mesmo as vezes de carregar, apontar, e sem lenço (venda?) assumiu o lugar, dá voz de fogo. Este infeliz só recebeu os ferimentos nas pernas, com elas quebradas, rolara no chão e pedia que o matassem: um soldado se aproximou e deu-lhe o tiro no ouvido. (Pernambuco, 1824. Mss da Biblioteca Nacional (codificado como “II 31.1.1.”).
Disponível em https://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/cmc_ms618_12_20/cmc_ms618_12_20.pdf
O funcionário que registrou esta execução, escreveu fora do texto e um pouco acima do título do manuscrito, “Wencesláo” e sublinhou o nome Nicolau, logo depois da abertura “Capitão d`Artª Nicoláo (Carne viva)”. Não satisfeito, voltou a “corrigir” o Nicolau do primeiro verso “Não tenhas Nicoláo menos saudade”, escrevendo, ao lado, “ou Wencesláo?”. Ainda no fim do soneto, deixou a seguinte observação: “Wencesláo antes de morrer pediu que encobrissem de sua velha mãe (moradora no interior da Província) a sua desgraçada sorte” (fls.2).
O que comprova que Nicolau não era Venceslau, como também aparece em documentos impresso, é que outros documentos da época listam os dois militares da Artilharia, com patentes diferentes. Um terceiro documento, uma lista da Sociedade Patriótica Harmonizadora para ajudar os filhos dos patriotas ou liberais que morreram em 1817 e 1824, mostra que Venceslau deixou mulher e filhos, enquanto a mesma lista, apesar de citar Nicolau, nada diz sobre esposa e descendentes. Se levarmos em contar que Nicolau pedira que sua mãe não soubesse de sua sina, e não esposa e filhos, era que fosse solteiro, ao contrário de Venceslau.
Há, ainda, uma história anterior de Nicolau, através de outro manuscrito anônimo, da mesma Biblioteca. Narra a sagacidade de Nicolau, quando assentava praça na Corte. Esta novidade nos vem da mestra em Letras, pela USP, Tatiane Maria Barbosa Oliveira, analisando os escritos, também apócrifos, do general Abreu e Lima, porque se baseia na cópia de uma cópia. A autora cita um manuscrito em que este autor descreveu os passos dos condenados da Confederação do Equador, narrando a execução de vários liberais, entre eles, Nicolau. Dois anos antes, no dia 12 de abril, segundo esta autora, Nicolau “tinha no Rio de Janeiro, em 1822, salvado a vida do mesmo Imperador, na ocasião em que Jorge de Avilez resistia, impugnando sair daquela Praça a tropa lusitana” (2018, p.81). Vejamos este registro acerca da atitude de heroísmo de Nicolao (sic):
“(...) na ocasião em que as tropas portuguesas pegaram em armas nesta Corte, para obrigarem o sr. D. Pedro, então Príncipe Regente, a embarcar para Portugal, achando-se o dito Nicolao na Corte, como sargento de uma companhia de artilharia de Pernambuco que aqui se achava, tendo-se vestido de galé figurando de conduzir água para o arsenal do exército, a fim de trazer para o acampamento da tropa brasileira dentro da pipa, as munições que lhe faltavam, e passando pela frente da divisão portuguesa, postada no Largo do Moura, estratagema que não teve efeito, por que o diretor do Arsenal Brigadeiro Raposo, se havia bandeado para a divisão portuguesa, escapando Nicolao pelas diligências do vice-diretor o capitão José de Meneses” (fls.15).
De qualquer maneira, Nicolau parecia não só ter consciência de seus atos, como de registrar suas emoções em versos, sendo louvado por outro grande patriota, o padre confederado, goianense João Barbosa Cordeiro, ex-secretário da Junta provisória da Paraíba. O padre deve ter tido acesso a um dos poemas de Nicolau que mesmo na prisão, não se deixou abater e era dado a uns sonetos, embora pouco clássicos, mas o que demonstra um certo grau de educação. O padre lhe retribuiu com um soneto impresso. Nicolau, no Oratório (lugar de reclusão antes de morrer) fez muitos sonetos, que distribuiu com os amigos que o iam visitar e despedir-se, (fls.2) e este que também recitou antes da execução
Soneto
Não tenhas Nicolás (?) menor saudade
Desta vida deixar na flor dos anos,
Heróis houveram gregos e romanos
Que, entretanto, fizeram por vontade.
Catão, antes que perca a liberdade
Em si crava o punhal, previne danos.
Sócrates, desprezando seus tiranos
Bebe cicuta e voa à eternidade.
O heroísmo é virtude requintada
Que pelo extremo oposto combatida
Faz preferir à vida, a morte ou nada.
Eis pois, segue a estrada conhecida
Pelos nossos patrícios já trilhada
Que só as almas fracas intimida.