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Artigo – Nas eleições americanas deste ano, os partidos políticos já não são mais os mesmos

03/09/2024 -

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Ricardo Rodrigues*

A mudança foi acontecendo de forma tão tênue e sútil, ao longo de algumas décadas, que poucos eleitores americanos se deram conta do que havia ocorrido. De fato, muita gente ainda enxerga os dois maiores partidos dos Estados Unidos à luz do legado de seus mais notórios líderes. O Partido Democrata é visto como uma herança de Franklin Delano Roosevelt e John Kennedy, e o Partido Republicano, por sua vez, é lembrado como um patrimônio conferido por presidentes como Dwight Eisenhower ou Ronald Reagan. Quem pensa assim não poderia estar mais equivocado.

Virando de ponta-cabeça

Os dois maiores partidos americanos viraram de ponta-cabeça. Em alguns pormenores de suas respectivas plataformas políticas, pode-se até dizer que houve uma completa inversão de valores. Hoje, o Partido Republicano acolhe alguns setores e interesses que antes eram considerados vacas sagradas do Partido Democrata, enquanto os Democratas passaram a defender interesses que sempre foram associados aos seus rivais.
Deixe-me explicar. Os partidos Democrata e Republicano emergiram do New Deal de Roosevelt para combater a Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial com linhas programáticas bem distintas. Enquanto o Partido Republicano era o partido do empreendedorismo e da livre iniciativa, da desregulamentação, e da menor possível intervenção do estado na economia, o Partido Democrata tornou-se o partido liberal, por excelência, defensor de uma maior intervenção do governo na economia, da ampliação dos direitos dos trabalhadores, e da regulamentação das empresas, sobretudo no que dizia respeito à proteção do meio-ambiente. Associar republicanos à defesa da classe patronal e os democratas à defesa dos sindicatos tornou-se, assim, lugar comum. Desde a década de 1930, por exemplo, o Partido Democrata e os sindicatos mantinham uma relação simbiótica, na qual um ajudava o outro. Já os laços mais fortes do Partido Republicano eram com as grandes empresas, com a siderurgia, com a indústria bélica e com o setor de energia, entre outros.

O novo perfil dos partidos

Essa descrição, tão bem caricaturizada por charges políticas publicadas na imprensa americana por décadas a fio, já não retrata a realidade política dos Estados Unidos. E isso ficou escancarado durante as convenções que ambos os partidos realizaram recentemente para formalizar as indicações de seus respectivos candidatos à presidência da República. Nelas, o desfile de apoiadores convidados para falar a favor dos programas partidários oficializou a mudança de postura dos partidos.
Na cidade de Milwaulkee, a convenção republicana foi dedicada “aos homens e mulheres esquecidas da América”. A convenção foi concebida como um evento no qual o partido anunciaria, juntamente com a indicação de Donald Trump como candidato, sua plataforma de defesa da classe trabalhadora. A presença do presidente do sindicato dos caminhoneiros, Sean O’Brien, como um dos principais oradores, serviu para atestar que o partido levava tais propostas à sério.





J. D. Vance

Se não bastasse, a escolha do candidato a vice-presidente e companheiro de chapa de Trump serviu para fechar com chave de ouro a plataforma pró-trabalhador do partido. O escolhido, J. D. Vance é um jovem senador republicano cuja base eleitoral é oriunda do operariado. De origem humilde, da região mais pobre dos Estados Unidos, as montanhas do Appalachia, Vance é protagonista de uma história pessoal de superação, graduando-se em uma universidade de prestígio e tornando-se um investidor de sucesso. Sua história, inclusive, é contada em livro e em filme da Netflix. Ele construiu sua carreira política empunhando a bandeira da defesa dos interesses de operários.





Convenção do Partido Democrata

A convenção democrática, por sua vez, reuniu celebridades, ex-presidentes e atores famosos de Hollywood. Também se fizeram presentes lideranças sindicais. Não podiam faltar. Fazem parte da história contemporânea no partido. Além disso, o partido não podia ficar atrás dos republicanos no tema da defesa dos trabalhadores, tema que sempre teve destaque na plataforma da agremiação.
Assim como fizeram os republicanos, a escolha do candidato a vice-presidente de Kamala Harris teve como objetivo valorizar um segmento de eleitores que vinha se distanciando no partido. Refiro-me, nesse caso, à classe média. O escolhido, Tim Walz, ex-governador de Minnesota, é um político que incorpora os valores da classe média em sua trajetória pessoal e seus posicionamentos políticos. Fez carreira militar, foi professor de escola secundária, foi treinador de futebol americano etc.






Uma questão de dinheiro

A despeito da retórica que repetiu dezenas de vezes a importância da classe média, o Partido Democrata é hoje o partido do dinheiro. É o que mais recebe doações de grandes investidores e das grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos. Tanto assim que candidatos republicanos à Câmara e ao Senado estão em verdadeiro pânico com a escassez de recursos para suas campanhas, que acontece concomitante à eleição para presidente. Enquanto candidatos republicanos estão praticamente raspando o tacho, os candidatos democratas estão nadando em recursos.

Realinhamento partidário

As mudanças no perfil de cada partido não aconteceram por acaso. São frutos dos novos tempos. Do advento de novas lideranças empresariais e de setores que inexistiam vinte anos atrás. Teóricos americanos, como James Sundquist, chamam essa dinâmica de adaptação dos grandes partidos políticos a novas circunstâncias de “realinhamento partidário”. Ocorreu após a Guerra Civil, durante a Grande Depressão, e durante a ascensão de Ronald Reagan à presidência. Talvez esteja acontecendo neste momento, nessas eleições de 2024.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional em O Poder às terças-feiras.
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