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Artigo – O que está por trás da entrada da Turquia nos BRICS

10/09/2024 -

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Ricardo Rodrigues*

A comunidade diplomática foi surpreendida na semana passada com a notícia de que a Turquia havia formalmente apresentado seu pedido para integrar o grupo de países dos BRICS. O anúncio, confirmado pelo porta-voz do Partido do Presidente Erdogan, pôs fim às especulações que antecederam essa decisão. Saliente-se que, desde julho de 2018, quando Erdogan participou, como convidado, da 10ª Conferência de Cúpula dos BRICS, os rumores acerca da adesão da Turquia ao grupo não pararam de circular. Com o passar do tempo e com a demora na concretização da adesão turca aos BRICS, alguns analistas chegaram a cogitar que a Turquia havia simplesmente desistido da ideia. Os relatos da terça-feira passada mostraram que eles estavam equivocados.

Acontecimento nada trivial

Em termos diplomáticos, a decisão da Turquia tem uma importância descomunal. A Turquia será o primeiro país membro da OTAN a ingressar nos BRICS. Isso, por si só, já sinaliza uma reviravolta no tabuleiro de xadrez das relações internacionais contemporâneas. Afinal, os BRICS têm empunhado bandeiras, como a desdolarização do comércio mundial, que vão na contramão dos interesses dos Estados Unidos e da União Europeia. Ademais, na percepção das lideranças ocidentais integrantes da OTAN, juntar-se aos BRICS equivaleria a se alinhar com potências adversárias, como China e Rússia. Algo inconcebível para um membro da OTAN.





Importância estratégica da Turquia

Além disso, a Turquia ocupa uma posição geográfica estratégica, tanto militar como economicamente. Situada na intersecção entre a Ásia e a Europa, a Turquia controla os estreitos de Bosporus e de Dardanelles, entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo, que estão entre as mais importantes rotas marítimas do comércio mundial.
Do ponto de vista militar, sua localização sempre constituiu um ativo vantajoso para a OTAN. Durante a Guerra Fria, por exemplo, era na Turquia que ficavam os mísseis balísticos americanos “Jupiter”, com ogivas nucleares, apontados para alvos na União Soviética. Inclusive, quando eclodiu a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, a retirada dos mísseis americanos instalados na Turquia foi a moeda de troca diplomática que permitiu a retirada dos mísseis instalados em Cuba, encerrando, assim, um dos episódios mais tensos da história do século XX.
Por essa e outras, não interessa a OTAN perder um aliado tão estratégico quanto a Turquia. Lembremos que a Turquia faz parte da OTAN desde 1952, apenas 3 anos após sua fundação em 1949. O país também ostenta o segundo maior exército da OTAN e é sede do seu Comando Aliado de Forças Militares Terrestres. Não é pouca coisa.

O que motivou a Turquia a pleitear seu ingresso nos BRICS?

Apesar de ser membro da OTAN e da União Alfandegária Europeia, a Turquia não conseguiu se tornar um estado membro da União Europeia. E não foi por falta de esforço da parte de seus governantes. O país foi oficialmente reconhecido como candidato a membro da União Europeia em 1999, mas as negociações para concretizar sua condição de membro efetivo somente tiveram início em 2005. A partir de então, foram só frustrações para o povo turco. Em 2019, uma comissão do Parlamento Europeu votou a favor da suspensão das negociações que estavam em curso para alçar a Turquia à condição de membro da União Europeia. Ou seja, o sonho dos turcos de se tornarem europeus acabou morrendo na praia.
Enquanto isso, o governo da Turquia constatava a diferença de tratamento do Bloco para as repúblicas do Leste Europeu, inclusive as antigas repúblicas da União Soviética. Esses países tiveram sua ascensão coletiva à União Europeia facilitada por meio de um processo de ampliação do Bloco. Um total de 10 países se beneficiaram de um processo célere de ascensão em 2004, seguidos de mais 2 países, em 2007.
Para os turcos, a gota d’água aconteceu quando, em meia à guerra na Ucrânia, lideranças europeias passaram a envidar esforços para fazer da Ucrânia o próximo estado europeu. E, com um processo ainda mais célere do que aquele empregado em 2004 e 2007. Para se ter uma ideia da celeridade a que me refiro, a Comissão Europeia recomendou a abertura de negociações com a Ucrânia para seu acesso à União Europeia em novembro de 2023. Em dezembro de 2023, o Conselho da Europa já havia decidido abrir tais negociações. Em junho de 2024 foi a vez da própria União Europeia iniciar as negociações, propriamente ditas, para tornar a Ucrânia um estado membro do Bloco.






Política identitária

Para o Ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hardan Fidan, seu país foi impedido de se tornar membro da União Europeia devido a “política identitária” defendida por algumas lideranças do Bloco. O argumento de Fidan faz todo sentido. Afinal, 99% da população turca é islâmica. Será que a União Europeia aceitaria um país islâmico como membro? A população dos países que se tornaram membros do Bloco durante todo o processo de ampliação é predominantemente cristã. Em nenhum caso, o percentual de mulçumanos passa de 10% da população.
Na percepção do povo turco, houve discriminação. A maioria dos turcos já se conscientizou de que a União Europeia prefere tê-los como vizinhos, mas não como membros da família. Eles sabem que suas chances de se tornarem europeus são remotíssimas.

Versão oficial

Na versão oficial do governo da Turquia, o pleito para ingressar nos BRICS deve-se à pretensão do país de ampliar seu acesso a mercados alternativos. De acordo com o Ministro Fidan, a Turquia não enxerga “os BRICS como uma alternativa à União Europeia ou à OTAN. Entretanto, a suspensão do processo de ascensão à União Europeia nos encoraja a explorar outras plataformas econômicas”. Não se trata, pois, de voltar as costas para o mercado europeu, mas de ampliar opções.
Oficialmente, não vão admitir que sua entrada nos BRICS se deva, sobretudo, à suspensão de seu processo de ingresso na União Europeia e ao tratamento discriminatório de que supostamente foram vítimas.
Na minha opinião, não foi por acaso que a Turquia levou seis anos para formalizar seu pedido de ingressar nos BRICS. Erdogan queria oferecer aos europeus a oportunidade para mudarem sua posição relativa ao processo de entrada da Turquia na União Europeia. Ocupados com as consequências da guerra na Ucrânia e com seus próprios contratempos políticos e econômicos, não deram ouvidos às ameaças veladas de Erdogan. Ou acharam que ele não teria tal audácia. Agora, tudo indica, Inês é morta.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional em O Poder às terças-feiras.




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