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É Findi – Cultura e Lazer – O Contador de Lorotas, Crônica, de Valéria Barbalho*

21/09/2024 -

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Todas as cidades têm seus tipos populares. Para o meu pai, Nelson Barbalho, caruaruólatra de carteirinha, os da sua terra eram especiais. Considerava tais figuras parte importante do Patrimônio Cultural de Caruaru e fez questão de registrar em livros suas histórias.

Um desses tipos foi o cidadão Manuel José Pereira da Silva. Em 1913, com apenas treze anos, fabricou sua primeira caixa de trabalho, em madeira, e saiu pelas ruas do centro engraxando sapatos. Com o tempo, o criativo caruaruense Mané Engraxate, como era conhecido, fixou-se no Beco do Major Sinval, próximo à Livraria de Sêo Galvão, conquistando grande clientela. Com um linguajar próprio e original, ficou famoso porque conversava com os fregueses mais do que o homem da cobra. Falava sobre tudo e todos: das novidades da Capital do Forró, às notícias do Brasil e do Mundo, que ouvia no rádio; receitava meizinhas e simpatias inusitadas e contava lorotas fantásticas, seu forte.

São suas as seguintes pérolas que li em um dos inéditos do meu pai:

- Sem nunca ter saído da Terra de Vitalino, relatava: “Quando eu era moço e taludo, me deu um fogo da moléstia e eu botei na cabeça que devia correr o mundo. Ia por que ia! Era aquela imbibidica tão grande que pai ficou agoniado e me levou num brejo e lá me mostrou um riachinho bem fininho com água cristalina. O veio encheu a mão no riacho e disse, me olhando nas fuças: Oia Mané, vá largar os pés no mundo, queime o chão e conheça todos os lugar. Onde você encontrar água como essa, fique que a terra é boa... Mas porém, se você nunca encontrar dessa água, vorte, meu fio, que o melhor lugar do mundo é aqui, adonde você nasceu! Aí, o veio chorou e ali mesmo eu pedi a benção a ele e me danei. Bati séca e méca, varei o oco do mundo, cruzei todos os sete mares, andei nos passos do cão e não achei a ta água. Por isso, vortei e digo: a gente deve é morrer na terra que viu a gente nascer. Não tô com o juízo aprumado?”.

- “Tomara que Deus dê um jeito do dotô Getúlio virar mudo pra ver se as coisas melhora pros pobres! Um dia ele fez um discurso, aí a carne verde subiu de nove pra dez cruzeiro o quilo; ele fez outro discurso prometendo que ia dar um jeito de baixar os preço de tudo, aí a carne subiu de dez pra doze; aí ele falou outra vez e a carne foi pra quinze. Desse jeito, se ele falar mais, a carne vai pra vinte. Agora só tem um remédio: é ele tapar a boca e virar mudo. Tarei errado?”.

- Durante a festa do primeiro centenário da Capital do Agreste, em 1957, ele trabalhou muito. No dia seguinte, lhe perguntaram a se o movimento tinha sido bom. Sem se fazer de rogado, disse: “Ôxe, foi danisco de bom! Engraxei pra me danar! Engraxei tanto, mais tanto que gastei o cabelo de duas escova novinha em folha. Foi uma engraxada em regra!”
Por fim, Mané comentando com um freguês sobre uma enchente: “Viu que cheia danada deu lá pras bandas da Paraíba?” O cliente respondeu que não. O engraxate continuou: “Foi uma cheia da gota! Tão braba, mas tão braba que levou uma cidade inteirinha: levou casa, árvore, gente, poste, boi, vaca, cavalo... levou tudin, tudin!” Perguntado sobre qual o nome da cidade, na bucha, ele respondeu: “Ôxe, e quem sabe? A cheia levou...”.

Pena, mas parece que a cheia de Mané também levou esses impagáveis contadores de lorotas!

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Essa foto é do meu pai - Nelson Barbalho - com "Mané Engraxate"


*Valéria Barbalho, médica e cronista

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