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Biografia - Rinaldo Cardoso Ferreira, professor, mestre e militante, por Edval Cajá*

24/10/2024 -

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Epígrafe

Os senhores da terra e os senhores do capital sempre usarão seus privilégios políticos na defesa e perpetuação de seus monopólios ... Conquistar o poder político tornou-se, por tanto, o grande dever das classes trabalhadoras... Um elemento para o sucesso elas possuem - são maioria; mas a maioria numérica só pesa na balança se unificada pelo grupo e conduzida pelo conhecimento.
(Karl Marx - A doutrina da libertação da classe trabalhadora, Edições Manoel Lisboa, Recife, 2019).


Rinaldo Cardoso Ferreira é recifense da gema, nasceu numa família proletária, no dia 24 de maio de 1935, no bairro de São José, onde também nasceram o Batutas de São José e o Galo da Madrugada, os mais tradicionais blocos de carnaval do Recife. Enquanto seu pai dirigia caminhões de entrega da Souza Cruz, por longas décadas, sua mãe dedicava-se ao penoso e invisível trabalho de cuidar da casa e da família. Rinaldo casou-se em 1958, com Maria do Monte Sinai Caraciolo Ferreira, dessa união nasceram Liliane, Rinaldo Luíz e Lígia. Em 1991, realizou seu segundo casamento com Carol (Maria Carolina Bezerra Cavalcanti). Rinaldo foi historiador (1965) e economista (1971), as duas graduações foram na renomada Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), retornando àquela instituição como professor de economia, em 1972, já um professor de concepção marxista da história, chegando a exercer, inclusive, a coordenação do departamento dos cursos de economia e administração.

Estrada da vida

Antes de se consagrar como professor universitário, ele também trabalhou no Banco Nacional do Norte (BANORTE), na Texaco, Banco do Brasil, e lecionou história em colégios do Recife.
Rinaldo concluiu seu mestrado, em 1986, na UFPB, com uma primorosa dissertação “O Movimento de Cultura Popular de Recife - MCP - expressão educacional de uma proposta política de mudanças”. Rinaldo queria compreender a efervescente situação político-cultural na qual vivera a sua juventude, aqueles agitados e esperançosos anos que antecederam o golpe militar fascista de 1º de abril de 1964.
Ele tinha uma verdadeira paixão por aquele ambiente propício para o despertar de novas consciências, marcado pela ação dos governos municipais progressistas de Pelópidas Silveira (1955-1959) e Miguel Arraes (1960-1963) e do governo do Estado (31/01/63 a 02/04/1964) promovendo o Movimento de Cultura Popular (MCP), o Teatro Popular do Nordeste (TPN), o Ateliê Coletivo, com aulas regulares, incentivando as artes plásticas, a literatura, a música, a dança, o Cinema Novo. Para isso, foram construídos prédios-cineteatro no centro da cidade e nos maiores bairros, como Boa Vista, Casa Amarela, Afogados, entre outros, sempre lotados com exibições, espetáculos, assembleias populares, ou congressos, festivais e encontros locais e regionais, com esta motivação, tendo à frente, as figuras históricas da cidade, como Anita Paes Barreto, Abelardo da Hora, Germano Coelho, Paulo Rosas, Hermilo Borba Filho, Leda Alves, Iran Pereira, Naide Teodósio, Josué de Castro, Paulo Freire e seu famoso método de alfabetização e educação de adultos nos bairros populares de Recife.

Militância

Era comum Rinaldo se emocionar ao demonstrar a ideologia revolucionária dos comunistas voltando a contagiar o movimento de massas no final dos anos 50 e início dos anos 60, na cidade do Recife, como também em Jaboatão, Olinda, São Lourenço da Mata, Palmares e Caruaru, especialmente de sua juventude, seus intelectuais de formação marxista e políticos do campo da esquerda, como Amaro Quintas, Waldomiro Cavalcanti, Manoel Correia de Andrade, Paulo Cavalcanti, Miguel Arraes e Francisco Julião das Ligas Camponesas do Brasil, que estimulavam seu povo, a orgulhar-se das tradições de rebeldia e insurreições de seus ancestrais, desde Zumbi dos Palmares, passando por Gregório Bezerra, Amaro Luiz de Carvalho, entre outros.
Numa rode de conversa sobre o comunismo científico e seus fundadores Karl Marx e Friedrich Engels, no Centro Cultural Manoel Lisboa, há 30 anos atrás, aproximadamente, Rinaldo nos falou, com um orgulho danado, de ter se tornado comunista de forma natural. Como, assim, companheiro? Ele respondeu: “Ora, em Recife, no início dos anos 60, foi grande o impacto da revolução cubana de 1º de janeiro de 1959, a gigantesca desigualdade social reinante em Pernambuco e muitos livros publicados, a preço popular, objetivando despertar a consciência política dos jovens, dos trabalhadores, sobre a realidade social na qual se vivia, como as coleções Romances do Povo e Cadernos do Povo, tendo alguns destes chegado a vender cerca de um milhão de exemplares. Tudo isso tornava o socialismo e o comunismo algo próximo de nós”.

Construção

Rinaldo foi se fazendo militante: “Ler A Concepção Materialista da História, de George Plekhanov e a Contribuição à Crítica da Economia Política, de Marx, logo ao chegar à universidade, significou uma redescoberta do mundo, da sociedade e da possibilidade de transformá-la”. Assim ele se expressou, maravilhado com a teoria marxista.
A sua longeva amizade com a direção do PCR e com o professor Waldomiro Cavalcanti, na Universidade Católica (Unicap), o levou a estudar praticamente toda a obra de Marx, especialmente O Capital. A sua consciência passou a exigir coerência entre teoria e prática. Como transformar a sociedade capitalista em sociedade socialista sem a organização e a militância da classe trabalhadora, sem sua vinculação orgânica com a teoria e o movimento comunista? Estas grandes indagações o levaram a envolver-se na luta concreta contra a ditadura militar e pelo socialismo. Assim, procurou cuidadosamente aliar sua confortável atividade profissional de professor universitário com a realização de tarefas da resistência armada clandestina à ditadura. Dois exemplos concretos, relatados a seguir, são suficientes para comprovar o tamanho do seu compromisso e de sua capacidade. Ele tinha plena consciência do risco que corria, seja pela ameaça de um flagrante da Polícia do Exército (PE), a patrulha de choque do Exército, seja pela possibilidade de uma delação arrancada nas câmeras de torturas, no que pese sua grande confiança na formação ideológica dos militantes do Partido e na política de segurança do Partido, no caso de prisão.



Manoel

Manoel Lisboa de Moura (o companheiro Celso), fundador do PCR, em maio de 1966, em Recife, e seu principal organizador, seguia militando na clandestinidade, em Recife, entretanto, precisava ir a uma reunião rigorosamente clandestina do Partido em Maceió. O Partido sondou Rinaldo sobre a possibilidade transportá-lo, examinou os riscos desta viagem interestadual, e ele prontamente se colocou à disposição para levá-lo em seu carro, tendo como cobertura sua própria família - seu irmão Cézar Romero, no volante, e sua esposa, Maria Monte Sinai, saindo às 20h, com previsão de chegada às 24h. A esta altura, 1970, Manoel, era um dos homens mais procurado pelo Doi-codi, o mais violento órgão da repressão política da ditadura militar. A missão foi cumprida exitosamente, e às 4h, sua família estava de volta ao Recife, sã, salva, e transbordando felicidade. Às 8h daquela segunda-feira, Rinaldo chegou ao seu trabalho de fisionomia cansada, mas só transmitia alegria, sem poder dizer o porquê.
Valmir Costa, (o companheiro Nivaldo), também fundador do Partido e principal dirigente do nosso trabalho para juventude e o movimento estudantil, cassado em 1969, procurado pela repressão como se procura uma agulha no palheiro, o médico veterinário ingressa na luta clandestina como um organizador profissional do Partido.




Resistência

Nesta condição de luta, torna-se obrigatório pelas “normas de segurança” do Partido, a mudança de “aparelho” de tempo em tempo, como forma de driblar a polícia fascista. Na impossibilidade de um novo aparelho, no prazo estabelecido, o companheiro Nivaldo recebeu abrigo seguro na casa de Rinaldo e Sinai, ao lado das três crianças do casal, por longos seis meses, com direito a uma visita semanal do camarada Celso, e uma saída por semana para dar assistência ao coletivo da juventude do Partido, quando, finalmente, foi localizado e alugado um “aparelho” seguro, adequado às necessidades do trabalho do Partido.
A ditadura Militar sequestrou Manoel Lisboa no dia 16 de agosto de 1973, na praça Yan Fleming, no bairro do Rosarinho em Recife e seguiu torturando-o até sua morte, no dia 04 de setembro de 1973, na sede do 4º Exército, na praça 13 de Maio, sem arrancar uma única informação sua. Valmir Costa foi sequestrado do apartamento onde morava, na Estrada do Arraial, no dia 04 de abril de 1978. Dois duros golpes da repressão, duas árduas experiências de resistência à ditadura.

Titular

O companheiro Rinaldo, apesar da proximidade do perigo, posto que estes dois companheiros sequestrados e torturados anteriormente frequentavam sua residência e eram testemunhas da sua contribuição regular e de seu apoio e logístico à organização, os algozes queriam saber onde antes moraram e com quem conviveram, e, absolutamente nada informaram, apesar, do suplício das torturas. Rinaldo e sua família não sofreram qualquer indiciamento pela polícia política da ditadura.
Porém, a realização de Rinaldo como professor universitário acontece quando ele se torna Professor Titular de Economia na famosa Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco (FCAP), a partir de 1º de abril de 1978, chegando a ser Chefe de Departamento de Ciências Econômicas e Administração daquela conceituada instituição da Fundação do Ensino Superior de Pernambuco (FESP), que com a Escola Politécnica de Engenharia e a Faculdade de Ciências Médicas constituíram o berço materno da atual Universidade de Pernambuco (UPE).

Sindicato

Nessa instituição, Rinaldo tomou consciência da necessidade de se transformar num sindicalista classista, com o objetivo de sensibilizar os colegas professores da necessidade histórica de se fundar o sindicato da categoria para lutar por melhores condições de trabalho da categoria e de toda a classe trabalhadora do Brasil. Aqui ele fez um trabalho de vanguarda, obtendo como resultado a construção do sindicato dos docentes após várias assembleias, com a ativa participação de um núcleo mais consciente e organizado até conseguir fundar a Associação dos Docentes da FESP(ADUFESP), em 20 de março de 1990. Assim, não foi surpresa a categoria o eleger por unanimidade como o primeiro presidente do Sindicato dos docentes de sua universidade. Pouco tempo depois, ele também conseguiu por unanimidade em assembleia a aprovação da filiação da ADU-FESP ao Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN).
Em decorrência de sua militância política na luta contra a ditadura, Rinaldo foi convidado para exercer vários cargos de confiança, com funções executivas na administração pública, como diretor comercial e financeiro da COMPESA (Companhia Pernambucana de Saneamento), empresa do Estado de Pernambuco, no segundo governo de Miguel Arraes, na volta do exílio, em 1986; também assumiu a função de diretor financeiro na Empresa de Urbanização do Recife (URB), quando Jaime Gusmão foi seu presidente, em 1986; foi Secretário de Administração da Prefeitura de Olinda, na gestão de Germano Coelho. Rinaldo foi coordenador do Instituto General Abreu e Lima de Amizade Pernambuco-Venezuela, instituído por Coromoto Godoy, Cônsul Geral da Venezuela em Pernambuco, em 2010.

Internacional

Rinaldo torna-se um ativo participante da solidariedade militante com a revolução socialista em Cuba, participa da luta contra o criminoso bloqueio imperialista dos EUA contra Cuba. Torna-se diretor do Centro Cultural Manoel Lisboa e um entusiasta dos cursos de iniciação à Teoria Marxista do CCML, nos anos 80, 90 e 2000. Os cursos ocorreram em dezenas de sindicatos, faculdades e colégios por meio das lideranças das entidades dos estudantes em Recife, Caruaru, Garanhuns, João Pessoa, Maceió e Fortaleza. Rinaldo coordenou também, e, o fez com maestria, o curso de leitura de O Capital; enfim, ele contribuiu enormemente com o trabalho da Escola de Formação Política Marxista do CCML ajudando na formação de toda uma nova geração de militantes e quadros revolucionários marxistas em quase toda região nordeste. Presidiu o Seminário do centenário de Gregório Bezerra, no dia 13 de março de 2000, por quem tinha uma grande admiração política.




Tributo

Estas linhas representam um tributo à memória do companheiro Rinaldo. Com elas, pensando na publicação de um livreto, pelas edições Manoel Lisboa, iniciaremos a coleta de testemunhos por escrito de amigos, colegas de magistério e ex-alunos que queiram contribuir com a construção da memória histórica deste combatente da luta pela derrubada da ditadura, pela conquista anistia, pela punição dos torturadores e golpistas de 1964, pela liberdade e pelo socialismo.
Companheiro Rinaldo! Presente, agora e sempre!

*Edival Nunes Cajá foi membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, quando presidida por Dom Helder Camara, foi preso político, é sociólogo, presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa de Pernambuco, coordenador do Comitê Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia – (CMVJRD-PE) e membro do CC do PCR.
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