imagem noticia

O Sesquicentenário do movimento Quebra-Quilos, ensaio por Josemir Camilo de Melo*

30/10/2024 -

imagem noticia
O governo imperial do Brasil adotou, em 28 de junho de 1862, o Sistema Métrico Decimal francês, numa tentativa de atender ao mercado internacional, como fornecedor de produtos agrários, dentro do laissez faire, laissez passer. Nossos produtos andavam em grande oscilação de preços por não haver padronização, devido a uma grande diversidade de volumes, pesos e preços.
Deu-se o prazo de uma década para a adaptação da economia. Em 18 de setembro de 1872, outro decreto obrigava o uso do sistema a nível nacional, a partir de 1 de janeiro de 1874.




Como era

As medidas usadas até então eram variadíssimas, com peso e denominações medievais, como peças, corte, varas e alguns que tomavam como parâmetro o corpo do rei medievais, como côvados (a medida entre o cotovelo e a ponta do dedo médio de reis), pés, braça, polegada etc. Usava-se a libra para pólvora e similares e até mesmo com produtos como café, açúcar. Líquidos eram medidos em ancoreta, pipas, canadas, barril, galão etc. Para objetos, usavam-se a grosa e a dúzia; para extensão e área, a braça, como para lenha, cerca de terreno; pesos maiores iam em arroba de minério de algodão, de carne; barrica de açúcar etc.

A rebelião dos Quebra-Quilos

Foi espontânea, feita por uma população rural, existente na faixa do Agreste da Borborema, entre a zona da mata canavieira e o sertão da pecuária. Era, sem saber, uma reação à modernidade capitalista. Essa região conformava sua atividade econômica não só no algodão, mas e prioritariamente, na produção de subsistência com excedente mercantilizável.
A mentalidade do camponês já tinha um universo de preços a respeito de pesos e medidas que se arrastava desde o início do colonialismo português. Mudar o sistema, sem uma educação cidadã a respeito da novidade, não adiantava nem estender o prazo. Com a imposição da lei em janeiro de 1874, começou a desconfiança no novo sistema a respeito de valores a se pagar em vendas e compras.

Como foi

No dia 31 de outubro de 1874, estourou, na feira da vila de Fagundes, município de Campina Grande, o movimento popular contra a implantação do Sistema Métrico Decimal. No sábado seguinte, foi a vez dos camponeses e feirantes de Campina Grande se rebelarem contra tal modernidade e o imposto. Estas revoltas atingiram cidades pernambucanas e se espalharam da Paraíba para o Rio Grande do Norte.
No caso específico do movimento na Paraíba, a revolta foi também alimentada pela cobrança do imposto do chão, que atingia diretamente o camponês que vinha à rua, à feira, vender seu excedente de farinha de mandioca, feijão, milho e alguma criação. Os impostos e sua maneira de serem cobrados se tornavam extorsivos. Além disso, havia a imposição de os feirantes usarem uma peça ou medida da municipalidade, pela qual se pagaria alguma taxa.
Daí que a revolta consistiu em quebrar as peças de madeira e os pesos, no caso de Campina Grande, jogando-os no Açude Velho. Cenas de invasão a cartório e cadeias aconteceram, paralelamente, queimando-se documentos criminais e libertando-se parentes ou amigos presos em ocasião de crimes.

Alas

O clima político-social gerado pela rebelião dos Quebra-Quilos, em Campina Grande, como ficou conhecido, teve três alas: a dos feirantes revoltados cujo líder foi um preto, João (Carga d’Água) Vieira; a dos “cangaceiros” de Alexandre de Viveiros e Neco Barros, que se aproveitaram da rebelião para libertar parentes e parceiros; e a dos escravos que se rebelaram contra seus senhores, provavelmente acerca da lei do Ventre Livre, de três anos antes, buscando sua liberdade.
A rebelião da feira propriamente dita, foi comandada por João Carga d’Água, um conhecido aguadeiro da cidade que, junto com muitos outros camponeses e feirantes em geral, reagiram à tropa da polícia que os atacara de sabre em punho.

A rebelião

Os rebeldes atiravam tudo que lhes vinham à mão, inclusive verdadeiros tijolos de rapaduras, um dos quais atingiu o Comandante da tropa, Capitão Peixoto, que ficou desacordado por algum tempo, sendo recolhido à Casa comercial do “gringo” Cristiano Lauritzen, um comerciante dinamarquês. Em seguida a tropa e as autoridades abandonaram a cidade, restando ao Juiz de Direito recém-empossado, Dr. Antônio da Trindade Meira Henriques apelar até para grupos armados, como os Irmãos Gatos, em Fagundes, mas até estes fugiram dos rebeldes. Foi aí que o ‘criminoso’ Manoel de Barros (Neco Barros), com seu grupo, invadiu a cadeia para tirar seu pai, soltando todos os demais detentos. Outro líder, Alexandre de Viveiros, com um grupo armado, reuniu-se aos rebeldes e atearam fogo ao cartório, ao arquivo municipal, tentando destruir processos em que estavam indiciados.





Escravos

A população de escravizados, em Campina Grande com a deflagração da rebelião, na feira, e a cidade sem autoridades, se rebelou. Liderado por Manoel do Carmo, se dirigiram à fazenda Timbaúba, do Presidente do Conselho, Bento Gomes Pereira Luna e lá exigiram, aos gritos, liberdade. Pediam, inclusive, o livro do Fundo de Emancipação, onde estavam registrados “os escravinhos”. O Presidente do Conselho tentou enganá-los, entregando um livro qualquer. Não acreditando nos brancos, prenderam todos que estavam na casa, entre eles, o secretário do Conselho Municipal, Estevam Alexandre d’Ornellas, o procurador Raymundo Alexandre d’Ornellas e o escrivão da Coletoria Imperial, Francisco de Paula Barreto. Os escravizados levaram os brancos à presença do vigário, o pernambucano Calixto Correia da Nóbrega, que os desanimou, explicando que não competia àqueles senhores suas liberdades. Dispersaram-se ao saber que um fazendeiro vizinho, vinha para a cidade com um grande contingente armado.

Julgamento e punição

Em 1875, foi nomeado Juiz de Direito de Campina Grande para julgar os processos dos revoltosos, o Dr. Antônio da Trindade Meira Henriques, do partido conservador. O advogado Irineu Joffily, formado uma década antes, no Recife e que havia abdicado do cargo de juiz municipal de Campina Grande, passou a defender os “matutos” e o Vigário Calixto. Chegou à cidade uma tropa do exército sob o comando do General Severiano da Fonseca e José Longuinho da Costa Leite, que não encontrando mais vestígios do levante, começou agindo arbitrariamente, prendendo políticos liberais, o vigário Calixto e João Vieira. Outros foram enviados à capital da Paraíba, para embarcar para a Corte, vestidos num colete de couro cru, amarrado pelas costas, que eram molhados, durante a caminhada, causando grande sofrimento, e morte, no que foi até criticado pelo consulado inglês em Pernambuco e pelo vice-cônsul, na Paraíba.



Deseja receber O PODER e artigos como esse no seu zap ? CLIQUE AQUI.

Confira mais notícias

a

Contato

facebook instagram
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site.
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Jornal O Poder - Política de Privacidade

Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos projetos gerenciados pela Jornal O Poder.

As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas apenas para fins de comunicação de nossas ações.

O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar diretamente o usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como geolocalização, navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações sobre hábitos de navegação.

O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a confirmação do armazenamento desses dados.

O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus formulários preenchidos.

De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados pessoais.

Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a Jornal O Poder implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.

fechar