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Confederação do Equador, 200 anos - Movimento foi ideológico e não separatista, ensaio por Josemir Camilo de Melo

09/11/2024 -

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A leitura destes ensaios já promete discussão não só historiográfica como ideológica (até nos níveis atuais). Alguma coisa lembra o retorno da discussão sob a égide de norte e sul, Luzias e Saquaremas, apelidos dos partidos Liberal e Conservador, no segundo Império.
O fato de a Proclamação da Confederação do Equador de 2 de julho ter-se referido só as províncias do Norte, tratava-se de uma questão de logística, que repetia a republicana de 1817. Esta não se chamou revolução pernambucana; foram os pernambucanos que sequestraram a herança para a construção de um sujeito histórico, cívico. Mas, para ser abraçada por outras províncias, havia que ter o caráter ideológico, super provinciano. No caso da Confederação, também.

Norte também

O antigo Norte delimitava os contatos imediatos, sendo o mais distante, o Pará que, à época, envolvia a Comarca do Rio Negro, depois província do Amazonas; e ao sul, a Bahia. Isso não implica que era separatista. Foi ideológica, ou seja, previa uma troca de sistema político: de monarquia absolutista e centralizadora para república confederada de províncias autônomas, para substituir o Império autocrata. E havia até quem pensasse numa monarquia confederada, como o baiano, autoexilado no Recife, Cipriano Barata. Se tivesse o eixo Rio-Minas-São Paulo feito a Confederação, teria sido separatista? Ultimamente, e contra um discurso recalcitrante, jogo a seguinte questão: sob o regime militar de 1964, em consequência do AI-5, a esquerda que pegou em armas – Guerrilha do Araguaia – era separatista?

Voltando à História

A Confederação do Equador, além de ideológica, era constitucionalista, o que, àquela altura, não éramos mais, pois a democrática Assembleia Constituinte, eleita pelos colégios eleitorais das províncias, é que tinha sido reprimida pelas forças armadas sob o comando do português D. Pedro. O fato posterior de dez pessoas escolhidas pelo Imperador ter elaborado uma nova constituição (com inicial minúscula mesmo!), não justifica o golpe armado contra a soberania popular, a Assembleia. E nem devia ter sido reconhecida, como apelava enfaticamente Frei Caneca.
Quanto à questão se a Confederação era ou não republicana, a própria dinâmica, a própria prática política e o discurso antiabsolutista, demonstram o caráter epistemológico de “república” (Ver a brilhante obra de Heloisa Starling!). Mas, isto não havia sido discutido, em absoluto, a ponto de os confederados pernambucanos jamais se chamarem de republicanos. Caneca que o prove, só os chamando de liberais e patriotas.

República como lastro

Embora não tivesse tempo para se discutir, o caráter dos esboços da Constituição, já trazia o ideal republicano como lastro.
Ao contrário do Ceará, onde só havia a concepção de República, principalmente a partir de 29 de agosto, quando se implanta um governo autointitulado de republicano, é que aparece, lá, oficialmente a expressão Confederação do Equador. O esboço constitucionalista apresentava o poder em sua forma republicana de presidente, os três poderes, a Assembleia como fiel do governo, eleições etc.
A Assembleia Constituinte ia se em Olinda, no palácio do Governo (hoje prefeitura). O Ceará foi a única província que chegou a mandar os novos deputados constituintes, eleitos. Até partiram para Pernambuco, mas, no meio da viagem, souberam que Manoel de Carvalho tinha caído em 12 de setembro de 1824.

Ceará e Paraíba

A partir desse fato, quem passou a sustentar a bandeira armada foram o Ceará e a Paraíba. Infelizmente, o caráter da luta foi perdendo a força ideológica, pois, em nessa atividade, só restou Caneca, porque até seu amigo, o jornalista português João Soares Lisboa, responsável por muita discussão naquela confecção do esboço de constituição, foi morto em combate, na altura de Limoeiro. A luta passara a ser não mais ideológica, no coletivo e, sim, meramente de sobrevivência.

Projeto nacional

Vale verificar que as convocatórias dos confederados sempre culminavam com um chamamento com o termo “Nacional”. Não era a Confederação um novo país, era um prognóstico para se tornar nacional, com a adesão de Minas, Rio e São Paulo. O tempo todo da emissão de documentos oficiais de Manoel de Carvalho fala-se em nacional, como no inciso 6º do Art. 15°, em que o projeto diz que a Assembleia constituinte da Confederação decretará em nome da soberania nacional. Essa é a visão: a Confederação será nacional, quando ocorrer a adesão das demais províncias ao regime federativo e constitucional com liberdade, segundo Caneca de escolher o sistema político: monarquia constitucional etc. Faltou tempo para se aprofundar a discussão ideológica do projeto. E faltou vida!
Manoel de Carvalho nunca se despregou da bandeira do Império, não porque ser referisse ao Imperador, mas à Nação. Todas as embarcações do Império de que ele se apossou sempre mantinham a bandeira nacional. Toda a campanha armada pelos sertões até o Ceará só havia esta bandeira.
Não é meramente pelo nome inicial do movimento, Confederação do Equador, que será regionalista, separatista.

A tese de Frei Caneca

Caneca já expunha (no plano ideal): "extraindo do Typhis: “Quando aqueles sujeitos do sítio do Ipiranga, no seu exaltado entusiasmo, aclamaram a s.m.i. (em minúsculas: sua majestade imperial), e foram imitados pelos aferventados fluminenses, Bahia podia constituir-se república; Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Ceará, Piauí federação; Sergipe, reino; Maranhão e Pará, monarquia constitucional; Rio Grande do Sul, estado despótico” (CANECA, p.464).
Outro que mostra o caráter nacional é o militar paraibano, o major José Maria Idelfonso Jácome da Veiga Pessoa, comandante do Forte do Brum, que rejeitara a bandeira da Confederação, mas teve total engajamento na luta armada até ser preso. Ainda não se escreveu sobre o quanto Veiga Pessoa tinha de ideológico, como se revelou numa carta que escreveu, de Recife, em 7 de junho de 1824, ao amigo “A. Queroga”. Fala da mobilização de um Conselho de Estado para chamarem tropas, citando nomes incompletos e até a presença do general Labatut que fora contratado por Manoel de Carvalho, oferecendo seus serviços por “4$ mil contos de réis, (que é) um grande número de contos e (já) era uma facção (ou seja, já tinha seus homens); então bastava vir só o armamento”. E acrescenta “José Maria Ildefonso” (como ele se assina nesta carta): “Ora, como toda a tropa de Pernambuco não chegava a isso, ficaram muito zangados do Labatut” que foi demitido. A certa altura, o missivista descreve o Imperador como aquele que disse “que enquanto tivesse chaves e fitas, havia de ter amigos”. Dizia que a “a causa de Pernambuco, no Rio é exaltada pelo povo e liberais do Rio. A comarca de S. João d´El Rei, que consta de sete vilas depois de terem jurado o Projeto (da Aclamação da Constituição), levantaram-se. Em São Paulo foi o projeto cortado (sic) por muitos liberais, e por isso foram presos, e já ficara solto um deles, o padre Feijó, pela atitude em que se foi pondo pela prisão desses homens. Requisitou-se dinheiro e 3.000 homens de Minas, tudo foi negado”. Em seguida, fala do entusiasmo do povo que “enquanto tiverem braços, o Carvalho não sai do Governo e que desejam que venham mais tropas do Rio e que enquanto houver munições ninguém morre a fome; enfim nunca vi tanto entusiasmo e falam do Imperador, como duro. Isto até as mulheres” (Publicações do Archivo Nacional, V. XXIII, 1925, p.143-144).
Para fechar este arrazoado, Barata, em 1823, em seu Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, já avistava o olhar desviado: “As províncias do Sul parecem descobrir um caráter de aversão e domínio sobe as províncias do Norte, as quais procuram enganar, e a soberana Assembleia parece dominada por uma facção, cujos chefes são os ministros deputados animados pelo Imperador. O sistema predominante parece ser tornar todo o Brasil um estado colonial, muito mais subdivido e tirano do que o antigo” (2008, p. 504).

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