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A vitória de Trump consolida um realinhamento partidário nos EUA? Análise de Ricardo Rodrigues*

12/11/2024 -

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Enquanto os republicanos comemoram sua vitória avassaladora nas eleições e os democratas buscam culpados pela derrota de sua candidata, poucos americanos estão se dando conta de que podem estar diante de um fenômeno raro na política dos Estados Unidos. Refiro-me ao processo de realinhamento político e partidário que, naquele país, costuma se seguir a eleições críticas.

Eleições críticas

Assim são chamadas as eleições que têm o potencial de abalar as estruturas do sistema partidário, alterando as composições demográficas do eleitorado de cada partido e viabilizando novas coalizões entre os vários segmentos da sociedade.
A história política dos Estados Unidos foi marcada por poucas, mas decisivas eleições críticas que propiciaram realinhamentos partidários. Isso aconteceu, por exemplo, após a Guerra Civil, em 1896, e no período da Grande Depressão, em 1932. No primeiro caso, o realinhamento alçou o Partido Republicano a uma condição quase hegemônica no sistema político, e no segundo, o Partido Democrata pode instituir e surfar na onda do New Deal, de Roosevelt, por muitas décadas. De fato, o sistema político americano ainda hoje é muito influenciado pelas mudanças introduzidas por Roosevelt.





Realinhamentos políticos

Em geral, diz-se que um realinhamento acontece quando eleições críticas balançam o coreto das instituições políticas e é identificado pela magnitude da vitória eleitoral, pelo escopo geográfico de seu alcance, e pelas mudanças no comportamento do eleitorado. Todos esses elementos estiveram presentes na vitória de Trump na semana passada.

Cabelo, barba e bigode

Sob todos os pontos de vista, a vitória de Donald Trump foi incontestável. Ele ganhou no voto popular, ganhou no colégio eleitoral, e, contrariando todas as expectativas, ganhou em todos os estados pêndulos. Além disso, na esteira do desempenho de Trump na eleição presidencial, o Partido Republicano conseguiu fazer a maioria no Senado Federal, e tem tudo para manter a sua maioria na Câmara dos Deputados. Como se diz no popular, nessa eleição, Trump fez barba, cabelo e bigode.
No voto popular, a diferença entre a votação de Trump e Harris não foi grande. Ele ficou com 50,3% enquanto Harris contabilizou 48,1%. Mas foi uma diferença significativa. Saliente-se que nenhum candidato republicano ganhava no voto popular desde 1988.
Já, no colégio eleitoral, a vitória do candidato republicano foi bem mais contundente: 312 votos a 226. Embora derrotado nos estados mais populosos, como California e Nova Iorque, Trump abocanhou nada menos do que 30 dos 50 estados da federação.
Nos estados pêndulos, onde a disputa seria mais acirrada, Trump ganhou em todos, quando até os republicanos mais otimistas previam ganhar 4 dessas 7 unidades da federação.





Transformação do eleitorado de cada partido

Por sua vez, a vitória de Trump revelou mudanças significativas na composição do eleitorado de cada partido. Mudanças inconcebíveis até uns anos atrás.
O esforço de campanha dos republicanos no interiorzão do país aumentou, e muito, sua competitividade nesta eleição. Estimulado pelo próprio Trump em seus comícios e propaganda, eleitores das áreas rurais compareceram às urnas em grande número. Já com relação aos eleitores dos grandes centros urbanos, tendentes a votar no Partido Democrata, o comparecimento caiu. Isso aconteceu em cidades como Filadelfia e Detroit. O resultado foi a melhoria do desempenho dos republicanos em todos os estados, mesmo estados eminentemente democratas, como California e Nova Iorque.

Republicanos como partido dos trabalhadores?

No final, os republicanos saem dessa eleição como o partido da classe trabalhadora, reunindo homens sem educação superior, homens e mulheres das áreas rurais, e jovens subempregados. Muitos dos eleitores latinos, antes vistos como democratas fiéis, preferiram votar em Trump. Para se ter uma ideia, Biden ganhou de Trump em 2020 com 65% a 32% dos votos latinos. Na eleição de 2024, os democratas viram essa vantagem diminuir consideravelmente. Harris obteve 52% contra 46% obtidos por Trump. Entre os homens latinos, entretanto, Trump ganhou de lavada, ficando à frente de Harris por mais de 12 pontos percentuais.
O veredito de Bernie Sanders em relação ao fraco desempenho do Partido Democrata nas eleições é emblemático. Ele talvez seja o mais progressista dos senadores americanos, sendo um democrata histórico que deixou o partido para se tornar independente. Para ele, o Partido Democrata se afastou da classe trabalhadora, e não foi por outra razão que a classe trabalhadora se afastou do Partido Democrata.
De fato, com base nos resultados obtidos por Kamala Harris, os democratas se tornaram o partido dos universitários e das pessoas com ensino superior completo, o partido da elite intelectual e o partido das mulheres. Trata-se de uma coalizão que tem pouco a ver com a conformação montada desde a época do New Deal, na qual os trabalhadores, sobretudo os sindicalizados, ocupavam lugar de destaque.
Sinais de que essa mudança estava em curso já tinham sido emitidos. Na Convenção Nacional do Partido Republicano, por exemplo, o presidente do sindicato dos caminhoneiros fez um discurso em prol de uma política de defesa do trabalhador americano. Algo simplesmente inimaginável. O sindicato, diga-se de passagem, decidiu não apoiar a candidatura da Kamala Harris.
A escolha do Senador J.D. Vance como vice na chapa de Trump foi outro indício importante da virada dos republicanos em direção à classe trabalhadora. Oriundo da região mais pobre dos Estados Unidos, Vance tem sua base eleitoral entre os trabalhadores e operários de seu estado.

Acontecendo

Tudo levar a crer, pois, que um realinhamento político está em processo de consolidação após as eleições de 5 de novembro nos Estados Unidos. Se haverá a consolidação ou não, somente o tempo dirá. O cientista político James Sundquist nos lembra que, sendo o realinhamento uma mudança duradoura, não poderemos ter certeza de estamos diante de um realinhamento, e não apenas de um ajuste, até que o processo se complete. E só poderemos ter essa certeza com o passar do tempo. É esperar para ver.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Escreve sobre política internacional em O Poder às terças-feiras.



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