Megalomania e estupidez: A história se repete, por Emanuel Silva*
28/11/2024 - Jornal O Poder
Na mitologia grega, Ícaro é o filho de Dédalo, um artesão brilhante que cria asas de penas e cera para escapar de um labirinto. O pai o avisa: "Não voe alto, ou o calor do sol derreterá a cera, e você cairá." Mas Ícaro, embriagado pela euforia e arrogância juvenil, ignora o alerta. O resultado? A cera derrete, e ele despenca no mar. Essa metáfora sobre os perigos da ambição desmedida encontra paralelo em uma praça central da República, onde os Ícaros velhos, acreditando serem obreiros do universo, brincam de desdenhar das forças maiores que eles.
Levantando voo em suaves parcelas
Como Ícaro, o Brasil sempre sonhou alto, mas com asas frágeis. Em 1822, nossa independência foi financiada por empréstimos ingleses para pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas a Portugal. A N M Rothschild & Sons, liderada por Nathan Mayer Rothschild, intermediou um empréstimo de um milhão de libras em 1824 e organizou uma segunda operação de dois milhões de libras em 1825. Desde então, estivemos atrelados ao sistema financeiro internacional. Apesar disso, seguimos ignorando as lições de prudência econômica, acumulando carnês metafóricos que nos remetem a sucessivas quedas.
O descrédito no voo dos velhos Ícaros
Quase 200 anos depois, seguimos na mesma fórmula de Ícaro, agora com toques modernos de prepotência. Nossas excelências na capital da República proferem fanfarrices, desafiando o mercado global como se pudessem reescrever as regras do jogo. Regulamentações erráticas, discursos inflamados e ativismo jurídico desconectado da realidade consolidam o descrédito. Basta verificar a série histórica do Índice de Confiança Social (ICS): todos os três poderes estão reprovados. Investidores fogem, o dólar dispara, o pão encarece e o caos se instala. Assim como Ícaro, voamos alto com asas de cera, esquecendo que o mercado não perdoa tolo.
Empréstimo até para a cera
Para financiar saneamento básico, passamos o pires junto aos bancos internacionais. Para proteger a floresta, pedimos dinheiro aos fundos e governos do hemisfério norte. Até os encontros dos "Ícaros de capa" acontecem fora do Brasil, em templos do sistema financeiro global. De cuia na mão, o Brasil tenta convencer investidores estrangeiros de sua viabilidade enquanto ignora os fundamentos básicos da política e economia. Um choque de realidade? O ‘BlackRock’, fundo de investimento americano, tem mais capital que o PIB do Brasil. Com o dólar passando R$ 6,00, Selic rumando a 15% ao ano e a inflação estourando a meta, Dédalo teria dificuldade até para conseguir crédito para a cera das asas do seu filho.
Asas no chão
Os discursos populistas, apoiados por folhetins travestidos de noticiário, embalam uma completa insanidade de reinterpretação das regras na instância superior pelos velhos Ícaros, segundo o humor do dia. A história de Ícaro se repete. O mercado global não se sensibiliza por retórica, mas por credibilidade, regras claras e perenes. Ignorar a confiança e as regras básicas da economia tem um destino previsível: o colapso. Exemplos? Venezuela, Nicarágua e Cuba mostram o que não se deve fazer. No Brasil, seguimos insistindo em asas de cera, enquanto o sol financeiro nos observa com o calor impiedoso da realidade.
Lúcio Costa projetou a capital federal em forma de asa de avião. Mas, no fundo, será que ele não estava alertando, especialmente os velhos Ícaros do eixo monumental, sobre a extraordinária fragilidade dessas asas de cera?
A única solução sensata é criar juízo, estabelecer regras claras e aterrissar antes que as asas derretam, mais uma vez.
Como disse James Carville, assessor de Bill Clinton: "É a economia, estúpido."
*Emanuel Silva, é professor, engenheiro, agrônomo, administrador, economista, executivo e filósofo.
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