
O Triste Fim da República Confederada do Equador como de fato aconteceu dois séculos atrás, ensaio por Josemir Camilo de Melo*
30/11/2024 -
A República andina do Equador de hoje só começou em 1830, mas os pernambucanos foram criativos na incorporação desse nome, seis anos antes, em seu sonho de reunir as províncias; por isso, foram tidos como malditos e são até hoje por um grupo de historiadores que acusam aqueles republicanos de separatistas. Foi uma audácia de poucos, até certo ponto, que durou de 2 de julho a 12 ou 15 de setembro, cerca de 75 dias. Os historiadores pernambucanos criaram um mito, ou pelo menos um fato histórico, afirmando que a província que não aderiu ao 2 de julho (nada a ver com o 2 de julho baiano, de um ano antes) não lutou pela república, contra a tirania do Imperador português. A este curto período chamam de Confederação do Equador. “E assim se conta essa história/ que é (do povo) a maior glória...”.
Revisemos
O dia 29 de novembro vê passar o real bicentenário da Confederação do Equador como seu desfecho final, apesar de a grande data simbólica ser o 13 de janeiro, data do seu maior mártir, Frei Caneca. Mas queremos considerar a luta em si, a arregimentação das gentes liberais desde o 2 de julho de 1824. Fica difícil estabelecer um critério justo sobre esse fenômeno histórico, porque o que temos é o fato histórico, positivista, de “Confederação do Equador”. Por isso, tentando me desviar do fato construído pelos políticos e historiadores nessa longa jornada de discussão política (república e autonomia administrativa provincial) e jurídica (Constituição, federalismo).

Revisão
Antes de penetrar na senda do texto e para justificar esta revisão historiográfica, devo questionar o que vem sendo o fato histórico e discursivo Confederação do Equador, porque se se tomam unicamente os eventos a partir de 2 de julho de 1824, só teríamos pouco mais de 4 meses de agitação política e guerra e, mesmo assim de declaração da Confederação do Equador, para valer e só em Pernambuco teríamos 72 dias de comando carvalhista. A partir do dia 12 de setembro, foi de fuga desbaratada, alguns combates no porto e na Boa Vista e mortes, até o desaparecimento surpreendente de Manoel de Carvalho Paes de Andrade. De 12 de setembro em diante, com o general Lima e Silva já tomando conta do Recife, até o dia 15, foi de discussão diplomática com a Câmara da Capital, Olinda e com o escondido comandante das armas Barros Falcão. Quando a Câmara assinou a rendição, Barros Falcão, com ajuda de agentes consulares, tudo indica, saiu do Brasil.
Curta vida
Para Pernambuco acabava a flama da Confederação do Equador. Curta vida.
A Proclamação do Confederação do Equador não teve maiores atrativos nas outras províncias. Não foi um planejamento inter-provincial. Manoel de Carvalho agia, a partir de 13 de dezembro de 1823, como um ideal já confederado, ao que parece, mas na surdina, e foi assim que ele se comportou, como se fosse o presidente do Nordeste de então. Aí, teríamos 210 dias, até o 2 de julho. Somados aos 72 dias de ações já sem a sua liderança e a de Barros Falcão, teríamos 282 dias de discussões, planejamentos, perseguições, combates, conchavos, de cearenses, paraibanos e batalhões pernambucanos estropiados até o Ceará, sem, praticamente, usar a expressão Confederação do Equador.
Os pilares da campanha
Caneca que o prove, chamando a si e aos que marcharam de armas na mão para o Ceará, sempre de liberais ou patriotas. Repetindo, sem a ilusão de Manoel de Carvalho Paes de Andrade, todas as lutas, hoje encampadas pela historiografia sob o “logo” de Confederação do Equador, foram, isto sim, baseadas em dois lemas: rejeição ao fechamento da Assembleia Constituinte e, consequentemente, à Constituição outorgada; e a não aceitação dos presidentes nomeados. Esses dois foram realmente os pilares de toda a campanha política, inicialmente, e militar, posteriormente, desde 13 de dezembro de 1823 a 29 de novembro de 1824. Aí, sim, teríamos quase um ano do que a historiografia tradicional pernambucana chamaria de Confederação do Equador.

Tal não é!
No Ceará não teve disso, não. Lá a figura foi a República; na Paraíba, foram puramente os dois motivos acima descritos, sem rótulos de Republicana ou Confederação do Equador. Sem dúvida fica um ressaibo de que o incenso à Confederação do Equador foi marketing construído durante o Império e reforçado na República ou, e também, bairrismo de alguns historiadores pernambucanos. Volto a afirmar que me refiro à construção discursiva da Confederação do Equador, de tempo e espaço limitados pelos arroubos carvalhistas, embora de boa intenção, mas naufragado em Pernambuco, quando do embarque de Manoel de Carvalho, trocadilhos à parte, na fragata inglesa Tweed.
Em cada lugar, um tempo
Todo o movimento de rejeição às duas decisões do Imperador é que constituem, de fato, a luta do Norte, que teria terminado em 29 de novembro, com a rendição das tropas pernambucanas e paraibanas, comandadas pelo sargento-mor de Areia, Paraíba, Félix Antônio Ferreira de Albuquerque. Se contarmos o tempo deste comandante a partir de sua aclamação, em 5 de maio de 1824, na vila de Areia, como presidente temporário da Paraíba até sua rendição, em 29 de novembro, em terras cearenses, essa conflagração liberal demorou 182 dias. O “calendário” republicano cearense contaria muito mais, com cerca de 315 dias, o mais longevo destas batalhas pela república, a contar do 8 de janeiro de 1824, em Quixeramobim, quando o padre Mororó e o pernambucano Belarmino de Arruda Câmara condenaram a dinastia dos Bragança. Aí, soava contra o golpe na Assembleia. Em 29 de abril, novo grito de República, com e derrubada do presidente imposto por D. Pedro, não escolhido pelos eleitores provinciais.
Desfecho
Então chegamos ao 29 de novembro, na fazenda Juiz, no Ceará, com um exército caótico de liberais, pois a mistura de tropas de milícias, ordenanças e exército não dera segurança alguma na autodefesa. Os confederados (aqui, é o historiador que nomeia) praticamente sem pegar mais em armas, a não ser poucos tiros isolados de canhão que o comando da artilharia ainda tentou, esfomeados, ansiavam mais pela vida do por qualquer vitória ou política. Até dois animais de tração da carreta do canhão já haviam sido sacrificados para alimentar aquelas quatro centenas de soldados e paisanos.
A revolução meio que atropelada, e camuflada de confederação, teve três óbitos: um fictício, a desistência e fuga de Manoel de Carvalho Paes de Andrade, separada por três dias da ultima tentativa de rendição, com o comandante das armas confederado, José de Barros Falcão de Lacerda (12 a 15 de setembro de 1824); o assassinato em campo de batalha do presidente republicano cearense, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, em 31 de outubro, seguido da desistência e entrega do comandante das armas do Ceará, José Filgueiras; e rendição coletiva das tropas confederadas paraibanas e pernambucanas, do comandante em chefe e ex-presidente temporário da Paraíba.

Testemunhos
A descrição da derrota dos confederados teve uma testemunha ocular, e vítima ao mesmo tempo, Caneca. No entanto, pelo lado do Ceará, o cronista francês, P. Théberge, radicado no Ceará, na segunda metade do século XIX, reuniu a documentação que encontrou sobre a República de 1824. Estas duas fontes, além dos documentos oficiais produzida pelas forças imperiais, sob o comando do general Lima e Silva, publicada pelo Arquivo Nacional, sob a gestão do paraibano João Alcides Bezerra Cavalcanti, por ocasião do Centenário da Confederação, é o que consultamos.
Vejamos a narrativa dos últimos acontecimentos da campanha confederada na descrição do francês, em seu “Esboço Histórico sobre a Província do Ceará”, em dois tomos.
“Depois de uma marcha mui penosa, em virtude da indisposição dos povos que embarcavam-lhes cada vez mais a passagem pelas estradas, chegou este exército (dos confederados) a um lugar denominado Juiz, onde fez alto no montículo situado ao sul do riacho; e o mesmo praticaram as tropas (imperiais) do Icó no da parte do norte, à vista uns dos outros, sem todavia se atacarem mutuamente. Neste sitio, distante dezenove léguas do Icó, e treze do Crato, foram informados do debandamento da expedição de Pernambuco, da retirada de Filgueiras e dos outros chefes, da ocupação do Crato por grande número de tropas Imperialistas, que para lá tinham marchado de todos os pontos circunvizinhos, e finalmente da marcha delas a seu encontro, achando-se já em pequena distância e reunidas às de João André e Pastorinha (militares imperiais)”. Talvez quisesse, com o termo debandamento, se referir às tropas que seguiram separadamente Francisco de Arruda Câmara (o quarto homônimo) com o irmão ou primo Belarmino de Arruda Câmara, e José do Rego Cazumbá.
“Esta notícia desanimou-os completamente; e vendo que não lhes era mais possível fazer cousa alguma a sós, sem munições, sem soldo e sem víveres, num país desconhecido, cuja população lhes era infensa, e cercados além disto por toda a parte de tropas em grande número, resolveram-se por fim entregar-se às forças do major Lamenha, e assim estacionaram neste ponto até sua chegada”.
Acrescenta o cronista que as lideranças de ambas as partes “dois dias gastaram na discussão destas condições, às quais (os republicanos confederados) foram obrigados a anuir, por não lhes ficar outro recurso, no dia 29 de novembro”.
Como se denota desta redação, o comandante maior de toda a marcha confederada foi o (ex) presidente temporário da Paraíba e sargento-mor, Félix Antônio Ferreira de Albuquerque! Deve ter sido auxiliado pelo frade Caneca, o secretário daquela Divisão Constitucional, através de seus conhecimentos de jurisprudência e política, provavelmente, mas com um pé atrás, como ele declarou, por desconfiar das propostas do comando imperial, de que seriam perdoados. Assim como criticou, nos escritos, a debandada de todo um batalhão confederado, só com o anúncio de que os soldados seriam todos incorporados às tropas imperiais. Falsidades no ar.
A crônica de Théberge precisava de informações recentes (por volta de 1860), mas ainda nos deu que “No número dos prisioneiros, além de Félix Antônio, que logrou fugir nessa marcha e escapar assim à morte que o esperava, iam frei Caneca, que expiou a sua rebelião no patíbulo: o padre Damas(?), o tenente-coronel Agostinho Bezerra, o major Emiliano, e ainda outros cujos nomes nos escapam”. Théberge, até a altura de sua escrituração, ignorava onde se deu a fuga de Félix e Emiliano, e que Caneca não morrera no patíbulo, mas fuzilado.
Último suspiro
Mas seu fecho continua válido: “(...) no dia 29 de novembro, Félix Antônio e suas tropas, pois, depuseram as armas e se entregaram prisioneiros a Lamenha (...) aí exalou o último suspiro a malfadada república do Equador”.
*Josemir Camilo é historiador. Com este artigo encerra uma série de ensaios onde apresenta a 'Confederação do Equador' sem ufanismo nem romantismo. Os fatos como ocorreram, vividos por seres humanos com coragem, honra, traições, medos e sofrimentos.

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