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Mundo – O triste fim da presidência de Joe Biden por Ricardo Rodrigues*

03/12/2024 -

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Se o mandato de Joe Biden na Casa Branca já capengava para um final melancólico, o próprio Biden cuidou de antecipar o fim de sua presidência neste domingo. Ao conceder o perdão “total e incondicional” ao seu filho, Hunter Biden, o atual presidente norte-americano descarregou uma pá de cal na sepultura de seu mandato. Com o gesto, Joe Biden livrou seu filho da prisão, dada como certa, mas jogou na lama o legado de uma longa carreira dedicada ao serviço público.

Conversa para boi dormir

O curioso é que, desde que começaram os problemas de Hunter Biden com a justiça, Joe Biden vinha se comprometendo publicamente a não usar suas prerrogativas como presidente para perdoar o filho. Em coletiva de imprensa durante a reunião do G7, em junho deste ano, por exemplo, Biden afirmou categoricamente que aceitaria a decisão do júri e não perdoaria Hunter. Na ocasião Biden afirmou que aceitaria qualquer que fosse o resultado e que continuaria a respeitar o processo judicial americano. Em novembro, a porta-voz da Casa Branca repetiria essa ladainha, insistindo que o presidente não tinha qualquer intenção de perdoar seu filho. A decisão de domingo demonstrou que tudo não passou de conversa para boi dormir. Hipocrisia, na mais precisa acepção da palavra.

Perdão para parentes

Não é de hoje que presidentes americanos usam o perdão previsto na Constituição para livrar parentes de processos judiciais. Em 2001, Bill Clinton usou do mecanismo para perdoar seu meio-irmão, Roger, condenado por tráfico de drogas em 1985. Mais recentemente, Donald Trump concedeu o perdão a Charles Kushner, pai de seu genro, Jared Kushner, condenado por violações à Lei de Financiamento de Campanhas e evasão fiscal. Entretanto, em ambos os casos, o perdão somente veio depois de os perdoados haverem cumprido tempo de prisão.

Inédito

Esta é a primeira vez na história dos Estados Unidos que um presidente concede o perdão a um filho. Trata-se de um gesto que compromete a ideia de que presidentes priorizam as questões públicas, de estado, relegando a família a um segundo plano. Biden provou que isso é mera ficção. Seu compromisso público de jamais interferir na administração da justiça e sua crença “inabalável” nas instituições americanas, no final das contas, eram balela.
Saliente-se, ainda, que o perdão foi concedido a Hunter Biden antes dele receber sua sentença condenatória, prevista para ser anunciada este mês. De acordo com o Ministério da Justiça americano, é muito incomum para um presidente perdoar um condenado antes que ele receba sua sentença por um crime federal cometido.
Além disso, o perdão que o Presidente Biden concedeu a seu filho abrange um período de 11 anos, de janeiro de 2014 a dezembro de 2024. O objetivo, claro, é livrá-lo de quaisquer outros processos que possam surgir durante a gestão de Donald Trump. Novamente, trata-se de uma concessão totalmente fora dos parâmetros.




Ford e Nixon

A iniciativa de Joe Biden me lembra muito o perdão concedido pelo Presidente Gerald Ford ao ex-presidente Richard Nixon, por ocasião do escândalo do Watergate. Em 8 de setembro de 1974, Ford concedeu a Nixon um perdão total e incondicional por crimes que seu antecessor houvesse por acaso cometido contra os Estados Unidos durante sua gestão como presidente da República. Ou seja, como no caso de Hunter Biden, o processo judicial contra Nixon não havia ainda chegado ao fim quando ele foi agraciado com o perdão.
Ford justificou sua decisão como uma forma de “exorcizar” o fantasma de Watergate que impedia o país de virar a página e seguir em frente. Segundo o biógrafo de Ford, “o perdão foi negociado em segredo, elaborado com o auxílio apenas dos assessores mais próximos, e produzido claramente para favorecer Nixon”.
Desde então, a suspeita de que o perdão fora negociado por Nixon como o preço para renunciar e entregar a presidência, de mão beijada, a Gerald Ford nunca deixou de ser ventilada. A decisão de conceder o perdão a Nixon acabou inviabilizando a presidência de Gerald Ford e aniquilou suas chances de reeleição. O perdão a Nixon manchou, para sempre, o legado de Ford.

Preço a pagar

Em sua análise sobre o assunto para a BBC, Anthony Zurcher afirma que, como a carreira política de Biden estava no fim, o preço a pagar por sua decisão seria mínimo. Eu discordo. Nos Estados Unidos, presidentes se esforçam para deixar legados. Pleiteiam inscrever seus nomes nos anais da história política do país de forma memorável. Como bem colocou o cientista político Stephen Skorownek, presidentes bem-sucedidos não necessariamente fazem mais do outros fizeram; “presidentes bem-sucedidos conseguem controlar a definição política de suas ações, e os termos com os quais o seu lugar na história é compreendido”. Com o perdão de seu filho, Biden inscreveu o seu nome no lixo da história da presidência. Ele protagoniza um dos mais deploráveis capítulos da história política dos Estados Unidos. Esse é preço a ser pago.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Escreve sobre política internacional em O Poder às terças.



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