
O último Natal no parque - Tragédia que matou 8 crianças completa 50 anos em Campina Grande
17/12/2024 -
Por Severino Lopes
Vidas marcadas por uma tragédia. Memórias que não se apagam. Sonhos interrompidos. E um dia que nunca chegou ao fim. O que seria para ser uma noite de alegria, celebração e encontro, se transformou em uma grande tragédia. A explosão de um cilindro de oxigênio na rua Campos Sales, no bairro de José Pinheiro, em 25 de dezembro de 1974, produziu uma tragédia sem precedentes na história de Campina Grande, e transformou o Natal daquele ano no mais triste da Rainha da Borborema.
A noite da tragédia
O cilindro de hidrogênio usado para encher balões estava instalado no começo da rua Campos Sales, em frente a Igreja de São José, explodiu no meio da multidão. Naquela noite, a tragédia matou pelo menos oito crianças que estavam no parque, próximas do cilindro, e deixou dezenas feridas. Algumas delas não resistiram à gravidade dos ferimentos e morreram dias depois. As cenas chocaram toda a cidade.

O cilindro
O artefato era responsabilidade do ambulante Adval Argemiro da Silva, natural de Macaparana, Pernambuco. Ele foi preso dois dias após o acidente, mas acabou liberado pela Justiça meses depois. Adval, que chegou a ser chamado de ‘garrafeiro da morte’ pela imprensa local, teria se mudado para São Paulo e nunca mais foi visto em Campina Grande.
Voltou ao local
Esta semana, a reportagem do O Poder voltou à rua Campos Sales, 50 anos depois, para ouvir relatos de testemunhas que viveram aquele momento e que guardam na memória as cenas de uma noite que ficou marcada por dor, tristeza e sangue.

A garrafa
Segundo um dos bombeiros que participou da operação de resgate, a garrafa havia sido comprada por Adbal em um ferro velho e reprovada no teste hidrostático, que é um procedimento que verifica a resistência e a estanqueidade de equipamentos e sistemas que funcionam sob pressão .
O cheiro das pipocas
Naquela noite, o cheiro das pipocas e do algodão-doce quentinho se misturava à beleza das luzes coloridas e dos balões listrados. O cilindro de oxigênio explodiu no meio da multidão por volta das 17h em um momento em que a rua estava repleta de crianças e dos fiéis que saíam da igreja. O estrondo foi ouvido longe.
O descuido
Por descuido ou desinformação o garrafeiro, que enchia balões durante a festa, imprimiu uma alta pressão durante a recarga do do equipamento provocando o rompimento do equipamento em vários pedaços. O resultado foi trágico.
Seres humanos
Com a explosão do artefato, vários pedaços de seres humanos foram arremessados em casas e na Igreja de José Pinheiro. Durante dias, o mau cheiro foi predominante naquele local, chegando a ser comum, pessoas encontrarem nos tetos de suas casas, restos de gente.
O parque
O parque de diversões estava instalado na Rua Campos Sales, próximo à Igreja de São José. Após a missa, as crianças foram brincar no parque. Algumas, não voltaram para casa. Outras, tiveram partes do corpo mutiladas. Nos hospitais de Campina Grande, o cenário era de caos.

Filme
O professor de Arte e Mídia da Universidade Federal de Campina Grande e cineasta Luciano Mariz contou a tragédia no documentário “Os Balões de 74”. Luciano conversou com O Poder e falou da emoção de ter produzido o curta.
Depoimentos
No filme, Luciano Mariz ouviu depoimentos de pessoas que estavam no Parque e sentiram de perto os efeitos da tragédia. No curta-metragem, Luciano conversou com vítimas da tragédia, que escaparam mas ficaram com sequelas para o resto da vida. Os depoimentos de médicos, jornalistas e vítimas foram chocantes. Dramáticos.
Sentimento
Gravar os Balões de 74 e sentir, mesmo tantos anos depois, o sentimento dessas pessoas, foi uma experiência marcante para Luciano Mariz. O filme foi lançado em 2008 e reúne relatos de sobreviventes e testemunhas da tragédia.
“Era uma loucura. Gente correndo, enfermarias lotadas… parecia uma guerra. Eu vi médicos chorando”, recorda o repórter fotográfico Nicolau de Castro Souza, em depoimento ao documentário Balões de 74.
O bombeiro
Esta semana, 50 anos depois, O Poder voltou ao local com um dos bombeiros que participou dos resgates das vítimas para reconstituir parte do acidente fatídico. As lembranças do 25 de dezembro de 74 ainda estão vivas na memória do tenente reformado José Barbosa da Silva. Ele se emocionou ao voltar ao local onde testemunhou umas das cenas mais tristes de sua carreira.
Estilhaços
Para ele, o matou as crianças não foram os estilhaços do cilindro, mas o deslocamento de gás. Ao relembrar a explosão, ele conta que os Bombeiros da cidade trabalharam exaustivamente no socorro às vítimas. Testemunhas da tragédia, o então cabo José Barbosa da Silva,relatou que nas horas que sucederam a explosão, o telefone não parava de tocar.
O desespero
“Muita gente, quase que ao mesmo tempo, ligou desesperado pedindo socorro. Nós estávamos passando pelas margens do Açude Velho quando fomos informados que havia muitas vítimas fatais e que muitas pessoas estavam feridas. Eu estava há pouco tempo no Corpo de Bombeiros, tinha feito o curso de formação de oficiais em João Pessoa e nunca tinha visto uma coisa daquelas. Era muito grito, pessoas chorando em total desespero. Sangue por toda parte, pedaços de gente pelo chão. Cabeça esbagaçada, pedaço de gente em cima de casa. Tudo foi chocante. Foi um estrago muito grande ", recordou.
Lembra
Em uma volta no tempo, 50 anos depois, o tenente José Barbosa lembra de cada detalhe da tragédia. As pessoas feridas, foram para os hospitais Antônio Targino e Pedro I. Aqueles que morreram, foram para a denominada “pedra”, que funcionava ao lado da Central de Polícia.
Sobrevivente
Um dos sobreviventes da tragédia foi Marcelho Felipe, que ao lado de seus amigos, se aproximaram do cilindro. Felipe chegou a tocar no objeto: "Quem primeiro tocou nele foi Damião que era um amigo. Depois eu toquei nele e logo tirei a mão. Estava muito quente", contou ao Diário da Borborema.
Viu o garrafeiro
Marcelho falou também, que viu o garrafeiro pouco antes da explosão sair muito depressa.
Após isso, só escutou o grande estrondo, sendo Marcelho arremessado para longe.
Segundo outra testemunha da explosão, Givanildo Pereira da Silva, o garrafão estava vazando desde o momento que foi instalado a alguns metros da Igreja de José Pinheiro.
O culpado
Passados 50 anos, a pergunta que ainda não teve resposta é de quem foi a culpa. Para alguns, o responsável direto pela tragédia foi Adbal que ficou conhecido como o garrafeiro da morte. Ele chegou a ser preso quando tentava fugir do local da tragédia, mas depois foi solto, e “sumiu de vez”. Nunca mais foi visto.
O responsável foi o garrafeiro
O tenente José Barbosa também entende que Adval foi o culpado, visto que comprou o cilindro em um ferro velho. Meio século depois, o tenente aposentado revelou que o artefato não teve autorização do Corpo de Bombeiro e estava funcionando de forma irregular e clandestina. Para algumas pessoas, o proprietário do parque teve parte de culpa, visto que permitiu a presença do garrafeiro na área da festa.
“Agora ninguém do parque teve culpa. Hoje a garrafa quando é vendida tem que ser serrada para vencer no ferro velho. Não pode mais ficar para não ser reaproveitada. O rapaz comprou a garrafa em Pernambuco e trouxe para aqui. Ele trouxe a garrafa para reaproveitar. A explosão foi causada pelo excesso de pressão. Além disso, a válvula de segurança dela não prestava ", contou.
Um dos primeiros
O cabo José Barbosa foi um dos primeiros bombeiros a se aproximar do local onde o garrafão estava instalado. Ele chegou a pegar o pedaço do cilindro que depois foi usado na perícia. O oficial recolheu o material e posteriormente doou ao Museu Histórico de Campina Grande.
Recorda
Ele recorda que quando todas as vítimas estavam recebendo atendimento nos hospitais e os mortos já tinham sido levados para o necrotério público, os bombeiros começaram a fazer o trabalho de levantamento dos nomes dos parentes das vítimas. Pr volta das 20 horas, três horas após iniciar a operação de socorro às vítimas, os bombeiros deixaram o cenário da tragédia exaustos.
A tragédia poderia ter sido maior
Cinquenta anos depois, o tenente reformado José Barbosa revelou que se o cilindro tivesse explodido mais tarde, a tragédia poderia ter sido maior, já que se tratava do dia de Natal. Naquele ano, o movimento do parque de diversões aumentava depois de 19 horas.
O nome
Ele lembra do nome de toda equipe comandada pelo então tenente Severino Aguiar da Costa que faleceu no ano passado. Integraram ainda a equipe, conforme recorda o tenente José Barbosa que era o chefe da guarnição, o cabo Manoel Salvador, o Nascimento, Manoel Alves de Sena e Francisco Pinto.
O relato de um sobrevivente
Foi por pouco. O aposentado Pedro Belo da Silva, (80), por pouco não se tornou uma das vítimas da explosão. Ele contou ao O Poder que momentos antes da tragédia chegou a conversar com o garrafeiro Adval e só não comprou uma bola para o filho Antônio Nazareno da Silva, a época com 4 anos, porque a fila estava grande. Seu Pedro preferiu esperar um pouco.
Passear no parque
Ele saiu do local para passear para o parque na intenção de voltar depois para comprar a bola. Quando andou alguns metros só ouviu o estrondo. Um menino vizinho de seu Pedro morreu tragicamente na roda gigante.
"Eu andei alguns metros e só escutei um estrondo muito forte. Um grande estrondo. Depois era muita gritaria e gente correndo. O meu vizinho morreu na roda gigante. Imagens muito fortes que nunca esqueci ", relatou.
Os números oficiais
Oficialmente, foram oito crianças mortas, além de centenas de feridos. Em 2007, a triste história foi resgatada em curta-metragem chamado “Os Balões de 74”, do diretor de cinema Luciano Mariz.
A tragédia foi amplamente divulgada pela imprensa da época. A manchete na primeira página do dia 27 de Dezembro de 1974‘Garrafão explode e enluta Campina nas festas natalinas’, chamava atenção para o tamanho da explosão.
Busca por reparação histórica
Passados 50 anos, muitas vítimas ainda buscam uma reparação histórica e convivem com as lembranças de uma noite de Natal que nunca será esquecida.
Severino Lopes é editor regional de O Poder

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