
Canadá – A renúncia de Trudeau, primeira vítima de Trump, por Ricardo Rodrigues*
07/01/2025 -
Era uma questão de tempo. Não havia mais como Justin Trudeau se sustentar na chefia do Governo no Canadá. De fato, ele já sequer tinha as condições de manter a liderança de seu partido, o Partido Liberal. A renúncia era esperada desde que as ameaças de tarifaço feitas por Trump deixaram o país em polvorosa e que sua Ministra de Finanças, Christya Freeland, se demitiu por discordar de suas ideias para enfrentar a ameaça trumpista. A formalização da renúncia, ontem, equiparou-se a uma admissão pública de que o programa de governo que levou Trudeau a gerir o Canadá por nove anos já não mais refletia os interesses do eleitorado canadense. E a alarmante queda de sua aprovação está aí para comprovar esse fato.
Aprovação em queda
De acordo com o Instituto Angus Reid, o governo de Justin Trudeau encerrou o ano de 2024, com 76% de desaprovação e apenas 22% de aprovação. O resultado mostrava que em apenas um mês, a aprovação do governo despencara em seis pontos percentuais. Além disso, a pesquisa apontava claramente para uma tendência de piora na avaliação do desempenho do governo.
Pressão do Partido Liberal
Não foi por outra razão que o Partido Liberal pressionou Trudeau para renunciar. Como que por osmose, o mal desempenho de Trudeau vinha afetando a viabilidade eleitoral do próprio partido. Saliente-se que, entre 2019 e 2021, o partido registrava o maior percentual de intenção de votos para as eleições canadenses, com índices sempre superiores a 30% nas pesquisas da Angus Reid. Desde 2022, contudo, o desempenho do partido começou a descer ladeira abaixo, perdendo eleitores, insatisfeitos com Trudeau. Terminou 2024 com o apoio de apenas 16% de eleitores.
Os caciques do partido decidiram que, com o atual primeiro-ministro fora, haveria melhores chances para a agremiação apanhar os cacos, e tentar reverter a situação até as eleições federais marcadas para outubro. E não tomaram esta decisão no vácuo. A pressão veio de baixo, com 85% dos parlamentares do partido pedindo a saída de Trudeau.
Com a renúncia, o partido realizará uma eleição intrapartidária, de abrangência nacional, para escolher seu novo líder e Primeiro-ministro em 24 de março. Até lá, Trudeau permanecerá no cargo.
Desconexão entre o governo e os eleitores
Atualmente, a situação no Canadá não é muito diferente daquela que determinou a derrota do Partido Democrático nas últimas eleições americanas. O bolso anda falando muito alto para os canadenses. Os eleitores no Canadá estão mais preocupados com a crise habitacional, com os aumentos no preço de imóveis, do que em políticas, de longo prazo, que visam diminuir emissões de carbono e combater mudanças climáticas. Eles estão mais preocupados com o aumento no preço dos alimentos nos supermercados do que com as políticas de Trudeau visando aumentar o número de imigrantes no país. Inclusive, para muitos eleitores canadenses, foi precisamente o aumento no número de imigrantes que levou o país a um déficit habitacional e a uma crise, sem precedentes, no sistema de assistência médica universal.
Assim como aconteceu com o Partido Democrata nas eleições americanas de 2024, Trudeau e o Partido Liberal canadense parecem não ter se dado conta dos anseios de seus eleitores. A desconexão entre governo e eleitores atingiu, assim, patamares insustentáveis. E, antes que os partidos de oposição impusessem o fim do governo do Partido Liberal, com um voto de desconfiança que certamente viria no início do ano legislativo, Trudeau se antecipou, anunciando sua renúncia. Pelo menos assim exerceria algum controle sobre a transição de sua saída.
Trump: ameaça e piada
A última gota d’água para Trudeau foi, sem dúvida, a ameaça que Trump fez de sobretaxar em 25% os produtos canadenses comercializados nos Estados Unidos. A princípio, tratava-se de uma medida voltada a estimular um controle mais rígido da fronteira canadense com os Estados Unidos. Mais recentemente, porém, Trump tem falado em usar a tarifa para diminuir o déficit norte-americano na balança comercial com o Canadá. Ou seja, segundo as bravatas de Trump, de uma forma ou de outra, um tarifaço virá.
A tarifa de 25% quebraria a indústria canadense, muito dependente do mercado consumidor americano. Analistas da Oxford Economics estimam que tal tarifa pode gerar uma queda de 2.5% do PIB nacional, além de elevar, e muito, a inflação e o desemprego. Não foi por outra razão que Trudeau correu para se encontrar com o Trump em Mar-a-Lago, e tentar dissuadi-lo da decisão. Em vão. Trump terminou fazendo piada com o Canadá ao comentar sobre a possibilidade de transformar o gigantesco país no 51º estado americano e Trudeau em seu governador. No mínimo, um toque de ironia para aludir ao que Trump considera a irrelevância no atual cenário geopolítico de um Canadá legado por Trudeau.
*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional para O Poder às terças.
