Saúde Suplementar no Brasil. Usuários dos planos, hospitais e entidades de defesa, uni-vos. – Por Antônio Campos*
09/01/2025 -
1. Cenário preocupante atual, mesmo com a recente Resolução Normativa da ANS.
Embora tenha havido alguns avanços com a entrada da Resolução Normativa 585 da ANS, que entrou em vigor, recentemente, o cenário da saúde suplementar no Brasil é preocupante.
A saúde suplementar está na UTI.
O cartel de preços dos planos de saúde e abuso de posição dominante com eliminação de concorrência precisa ser combatido.
A Rede D’Or – São Luiz S.A/Sulamerica Saúde se aliaram em joint venture ao Bradesco para criar a Atlântica D’Or, nova rede de hospitais.
É a Saúde Suplementar cada vez mais nas mãos de poucos, ante a inércia da ANS. Usuários dos planos, hospitais e entidades de defesa, uni-vos.
2. Medidas dispostas na Resolução Normativa 585 passam a valer em 31/12/2024.
Passaram a valer as novas regras que regulamentam a maneira como as operadoras de planos de saúde podem alterar sua rede credenciada — ou seja, os hospitais, clínicas e serviços disponíveis nos planos.
As novas normas, estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), permitem que os clientes mudem de plano antes mesmo do prazo de carência. Isso poderá ocorrer em situações em que um hospital for excluído ou substituído da rede credenciada.
Também de acordo com as novas regras, qualquer mudança da rede credenciada precisa ser comunicada pelas operadoras com antecedência — e individualmente — a cada beneficiário do plano de saúde Redução da rede hospitalar A ANS também passou a avaliar o impacto da retirada de hospitais aos beneficiários do plano.
Quando a exclusão de um determinado hospital tiver um impacto muito importante para os clientes do mesmo plano, essa decisão deverá ser avaliada pela agência.
A regra diz que se o hospital a ser excluído for responsável por até 80% das internações dos clientes do plano, ele não poderá ser simplesmente descredenciado: terá de ser substituído por outra unidade que ofereça os mesmos serviços.
Essa substituição também passa a ter regras próprias.
Estaremos analisando as alterações da Resolução Normativa da ANS e os impactos para os usuários de planos de saúde, em múltiplos aspectos.
3. Aumentos abusivos
Publiquei um texto, no ano passado, sobre os aumentos abusivos dos planos de saúde.
Em 2023, os planos tiveram reajustes em torno de 25%, bem superior a uma inflação que fechou em 4,62%.
Sete em cada dez usuários de saúde suplementar comprometem até um terço com despesas médicas da sua renda mensal, segundo recente pesquisa.
4. Concentração econômica no setor da saúde já é uma realidade e não é saudável.
A realidade atual é a oligopolização da cadeia econômica de saúde e não apenas a concentração no mercado securitário de planos de saúde, também englobando seguros e serviços de saúde privados.
A estratégia é a verticalização de clínica, laboratório, hospital e farmácia, numa cadeia societária interligada, gerando uma oligopolização do setor de saúde privado no Brasil.
Tal fenômeno, se não acompanhado pelas entidades reguladoras para coibir os excessos vai deixar o sistema complementar de saúde na UTI, mas com paciente fora dela, quando precisar.
Tal oligopolização passa também por uma combinação tácita ou combinada pelos preços, numa tabela geral para os planos no Brasil. É um cartel.
Tenho defendido que as entidades busquem o CADE e o TCU para discutir a cartelização dos planos de saúde, além de outras práticas contra a concorrência e cobrar da ANS, através do TCU, uma atuação maior da ANS.
5. A fusão da Rede D’Or e Sulamerica pelo CADE, algo emblemático. Agora, faz joint venture com o Bradesco Seguros e cria a Atlântica Hospitais.
O CADE aprovou sem restrições a fusão entre a Rede D’Or e a Sulamerica, com 5 conselheiros e o presidente a favor, contra 1 voto com pedido de imposição de remédio.
Um grande número de entidades questionaram o negócio, uma vez que a legislação não permite que operadoras de planos de saúde e administradoras de benefício façam parte de um mesmo grupo econômico. O CADE considerou que seria apenas preocupante concentrações acima de 30%, e que a união dos 2 teria um market share apenas de 20%. Ora, de 20% para 30% é um pulo. Já ultrapassou tal patamar.
A Rede D'Or São Luiz, a maior rede de hospitais privados do Brasil, pertence majoritariamente ao empresário Jorge Moll Filho e sua família. Ele é médico cardiologista e um dos fundadores da empresa. A Rede D'Or foi criada em 1977, no Rio de Janeiro, e ao longo das décadas cresceu significativamente, tornando-se líder no setor de saúde privado no país.
Além da Família Moll, tem o poderoso Fundo Carlyle e desde de 2020 a Rede D’or é uma empresa de capital aberto, listada na B3 (Bolsa de Valores do Brasil), sob o ticker RDOR3. Isso significa que parte das ações está disponível para investidores no mercado de ações.
A Rede D'Or opera mais de 70 hospitais em diversas regiões do país. Ela também possui clínicas oncológicas e laboratórios, além de investimentos em inovação e pesquisa na área da saúde.
Coube a ANS se debruçar sobre a questão societária da Rede D’Or na Qualicorp, que é algo importante.
Esse modelo de negócio tem levado a uma concentração econômica que gera oligopólio, fixação de preço, eliminação de concorrência, entre outras práticas que prejudicam a livre concorrência.
O esperado em uma fusão desta natureza com severas repercussões diretas sobre a assistência à vida seria a imposição de restrição de práticas a tal grupo econômico, o que além de não acontecer serviu de um incentivo a mais para que agora a Rede D’Or-Sulamérica criasse a Atlântica D’Or, nova rede de hospitais, juntamente com o Bradesco, ampliando a já grande concentração operada no setor.
Segundo informações do mercado financeiro, a Sulamérica, agora parte da Rede D’Or seria um grande aplicador do mercado de títulos públicos, onde estaria ganhando rios de dinheiro, daí a sua menor preocupação com o número de usuários, mas com a qualidade financeira, e força para grandes aquisições.
6. O caso Amil
A Amil tinha um passivo de mais de 20 bilhões. Tentou vender o grupo para um plano inexpressivo de São Paulo, que foi vetado, na última hora, pela ANS, ante iniciativas do Tribunal de Contas da União.
Agora, está sendo vendida ao empresário José Seripieri Filho, que fundou a Qualicorp e a Qsaúde. É um assunto que merece um acompanhamento especial, quanto a capacidade financeira do adquirente.
7. Unimed – Ferj
Oito meses depois da migração dos usuários da Unimed - Rio, que havia incorporado a Golden Cross, a Unimed – Ferj acumula dívidas com clínicas e hospitais que passam de 2 bilhões de reais.
A Rede D’or já anunciou que deixará de atender clientes da Unimed – Ferj a partir de fevereiro do corrente ano de 2025, estando o assunto no auge da crise.
É uma situação grave, que impacta vários usuários de planos de saúde, que certamente irá resvalar em várias medidas judiciais e administrativas.
8. Hapvida NotreDame Intermédica
O plano de saúde Hapvida juntou-se ao NotreDame Intermédica, aumentando a rede. Contudo, o endividamento chegou a 7 bilhões e estaria atualmente em cerca de de 4,4 bilhões.
Teria saído de um prejuízo de 342 milhões para um lucro de 83,4 milhões.
Está numa transição.
9. ANS omissa
Cabe a ANS regular e fiscalizar como os players estão se comportando no mercado. A recente Instrução Normativa tirou a ANS da inércia, evitou uma CPI, mas ainda é insuficiente.
Para a atual realidade do sistema complexo de saúde suplementar a atuação/fiscalização da ANS está extremamente deficiente, prejudicando os usuários e os hospitais independentes, que não vêm outra alternativa a não ser fechar ou ser vendidos às grandes redes.
Outro aspecto é a fiscalização contra aumentos abusivos, que tem sido deficiente.
Na realidade, o sistema estava se autorregulando, em detrimento a usuários e fornecedores, ante a inércia da ANS. Vamos ver o impacto da instrução normativa.
10. O CADE e os planos de saúde.
É preciso um CADE mais atuante e vigilante, inclusive pela cartelização da saúde, eliminação da concorrência, abuso de posição dominante, entre outras práticas vedadas.
Um grupo de juristas e de entidades de usuários estão elaborando uma representação denunciando diversas práticas que ferem a livre concorrência ao Ministério Público com assento no CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para abertura de investigação e adoção de medidas cautelares, inclusive cartel de preços.
São muitas as denúncias diárias de infrações, fruto de um sistema que está oligopolizado.
11. O TCU e a ANS.
Outras iniciativas jurídicas e políticas também estão sendo estudadas, inclusive no TCU quanto a atuação da ANS, que é insuficiente.
12. A estratégia dos planos em 2025 é continuar aumentando o valor e expurgando os usuários que não interessam.
O foco das operadoras de planos de saúde em 2025 é reajustar os planos e expurgar os usuários que não interessam. Privilegiar rentabilidade, mesmo que implique em perder segurados. Após um prejuízo de mais de 10 bilhões em 2022, por diversas razões, os planos tomaram essa decisão estratégica e vem cumprindo desde lá.
13. Relação dos planos de saúde com hospitais e fornecedores piorou.
Os planos de saúde apresentaram resultados financeiros melhores, em 2023, após várias aquisições, mas travam uma quebra de braço com os hospitais e fornecedores de materiais, que vem sofrendo muito.
Há vários relatos de dificuldade em receber por parte de serviços prestados por hospitais e pelos produtos de saúde vendidos por fornecedores, que atingem cifras bilionárias, colocando a saúde do sistema em risco.
Uma das técnicas utilizadas pelos planos são fazer glosas e demorar nesse procedimento burocrático, fazendo caixa.
Há denúncias de que os planos de saúde estariam utilizando Inteligência Artificial na autorização dos exames e procedimentos, criando critérios restritivos e ilegais.
14. Autismo e Planos de Saúde
Ante o aumento das demandas judiciais e clínicas de tratamento de autismo, TDHA, TOC e outros transtornos mentais, com alto custo para os planos de saúde, estes estão começando a colocar ou adquirir clínicas para a criação de uma rede própria, para credenciar essas e ir descredenciando as demais.
Em cada 36 brasileiros, 1 tem transtorno do espectro autista, o que demonstra a relevância do tema.
15. A Judicialização da saúde
A realidade da Judicialização da saúde, em razão de várias práticas abusivas dos planos de saúde é uma realidade, infelizmente.
Os planos tem tentado criar mecanismos de desjudicializar as contendas do mercado securitário e criar precedentes contra os usuários.
O que é necessário é ter o justo equilíbrio e evitar os excessos, que devem ser coibidos, seja de usuários ou dos planos, mas nunca tentar defender o não acesso à Justiça.
16. O maior plano de saúde do Brasil é o SUS, se souber buscar os direitos que se tem judicialmente.
Na realidade, o maior plano de saúde do Brasil, maior que qualquer plano privado, é saber utilizar corretamente o SUS, buscar os direitos assegurados pela Constituição, pela via judicial ou não.
17. Usuários dos planos e entidades de defesa, uni-vos.
Para 2025, estimativas preliminares indicam um possível reajuste de 6,5% a 6,8% para os planos individuais, conforme análises de mercado.
Recomenda-se que os beneficiários fiquem atentos às comunicações de suas operadoras sobre os reajustes aplicados e verifiquem se estão em conformidade com os percentuais autorizados.
Mais do que nunca os usuários de planos de saúde e as entidades de defesa dos usuários devem se unir e fazer uma reflexão sobre o momento porque passa o sistema suplementar de saúde buscando saídas que preservem o direito dos usuários e que também permita que os planos sobrevivam, buscando o justo equilíbrio dos direitos, especialmente os valores dos planos que estão insuportáveis.
Contudo, é preciso compreender que estamos em uma nova realidade ainda mais complexa e que precisa a atuação enérgica e inteligente para a defesa dos usuários e cidadãos. Ou se age logo, extirpando casuísmos, ou o paciente vai morrer e com ele também o sistema suplementar de saúde, porque a dose do remédio do tamanho dos reajustes pode virar veneno e matar o seu cliente, reduzindo a carteira de clientes, a gerar grande desequilíbrio, numa crise sistêmica.
Estou nessa luta em favor dos usuários e da vida, mas sempre na busca do equilíbrio dos direitos dos planos e dos usuários. Contudo, nessa relação de consumo, a parte mais fraca é o usuário do plano de saúde, inclusive por disposição legal.
Recife/Olinda, 09 de janeiro de 2025.
*Antônio Campos, advogado, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras e da ABI - Associação Brasileira de Imprensa.
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