
Frei Caneca na Paraíba, por Josemir Camilo de Melo*
13/01/2025 -
Em 13 de janeiro de 1825, Frei Caneca, um dos líderes do movimento da Confederação republicana do Equador foi condenado à morte por enforcamento, no Recife. Por recusa dos carrascos, trocaram sua condenação e ele foi arcabuzado (fuzilado, diz-se hoje). O que a Paraíba tem a ver com Frei Caneca, este intelectual orgânico, como designou um distante confrade carmelita, Frei Tito Figueroa (in memoriam)?

Derrocada da Confederação
Vamos percorrer parte do seu Itinerário na Paraíba, duzentos anos depois, em sua campanha liberal e republicana.
Em 1824, Caneca criticou duramente o imperador português, D. Pedro, pelo fechamento da Assembleia Constituinte e pela nomeação de um presidente para as províncias, em vez de ser por eleições como vinha sendo para as Juntas provinciais. Quando se proclamou a Confederação do Equador, em 2 de julho, no Recife, o imperador mandou uma frota com tropa para invadir e subjugar Pernambuco e as províncias que haviam se rebelado sobre aqueles dois itens políticos. Os republicanos não tiveram forças para resistir à invasão do Recife pelas tropas imperiais. Entre os que compunham o cérebro da revolução estava Frei Caneca, e todos tiveram que deixar o Recife.

Paraíba sim senhor
Caneca se dirigiu para Goiana, onde esperava encontrar uma tropa paraibana, para a resistência.
Os confederados pernambucanos juntos com os paraibanos vieram a se organizar ao sair de Goiana para Limoeiro, sobre a liderança do presidente temporário da Paraíba, o pilarense Félix Antônio Ferreira de Albuquerque. Este já havia enfrentado as tropas imperiais em Itabaiana, na célebre batalha do Riacho das Pedras, em 24 de maio daquele ano. Esta batalha foi narrada por Frei Caneca, em seu jornal o Typhis Pernambucano, apenas uma semana depois de ocorrida. E não foi a primeira vez que a Paraíba era comentada pela pena de Caneca. Em 19 de fevereiro de 1824, o frade polemista elogiou a Paraíba sobre o episódio da expulsão de portugueses da província. Mal sabia Caneca que, em setembro, ele seria acolhido pelo jovem presidente Félix Antônio para marchar, sob constantes ataques dos imperiais, até o Ceará, no seio de sua família.
A retirada
Caneca foi aclamado secretário daquele governo em marcha, composto de tropas pernambucanas e paraibanas.
Essa coluna liberal contava com cerca de 3.000 pessoas entre tropas, paisanos e famílias. Saindo da vila de Limoeiro, em Pernambuco, entrou na Paraíba. Começava, aí, em sete de outubro de 1824, a campanha de embates militares, no modo mais de guerrilhas, que mesmo de uma guerra em campo aberto. A campanha desses liberais contra a prepotência ditatorial de Pedro I teve em Frei Caneca seu correspondente de guerra, através do seu texto Itinerário.

Circunstâncias
A entrada dos liberais na Paraíba não se deu por opção, pois, a coluna pretendia chegar ao Ceará indo pelo Pajeú, mas foi rechaçada duramente nas alturas de Limoeiro, em Couro D`Anta. Registra o jornalista Caneca o ataque das forças imperiais, que deixou “o governador da Paraíba ferido de chumbo, e não podendo sustentar nas rédeas o cavalo espantado caiu pela ribeira abaixo entre os inimigos”, mas teve a sorte de escapar com vida. Daí, fingiram ir em direção a Brejo da Madre de Deus, e se desviaram em direção a Taquaritinga, percorrendo em ziguezague o norte de Pernambuco para despistar os imperiais. Ao deixar o local Couro D´Antas, em 2 de outubro, passaram pelo arraial Topada, onde montaram acampamento. No dia seguinte, a três léguas, chegaram a Jaburu para acampar. Em 4 de outubro, depois de três léguas, chegaram a Pedra d´Água do Monteiro, tendo passado pelo lugar Cajuvara. No dia seguinte, alcançaram Riacho de Santo Antônio, onde obtiveram notícias do aliado cearense, general Filgueiras, que se achava em Umari, mas que uma tropa sua havia sido abatida no Rio do Peixe.
Combates na Paraíba
A entrada na Paraíba foi dificultada por um destacamento da gente do capitão Domingos da Costa Romeu que impediu de prosseguir, mas aceitou levar um ofício ao seu comandante para liberar a passagem. Como não houve resposta satisfatória devido à distância, o emissário ficou refém dos liberais. No dia seguinte, vendo que tinham sido roubados em dois bois e um carro de artilharia, os liberais resolveram forçar a entrada na Paraíba. Foi quando, depois de duas léguas e meia pernoitaram em Riacho dos Canudos (dia 7), mesmo sob fogo do inimigo que mataram o liberal de Goiana, o ajudante Manuel Rodrigues Cravo. Vingaram-se os imperiais matando o emissário dos Romeu que ainda estava refém.
Dali, depois de descansar por um dia, subiram até Carnoió duas léguas e meia adiante. No dia 10, chegaram ao lugar Gravatá, sem serem atacados pelos Costa Romeu, o capitão Domingos e o sargento-mor Amaro, devido a um trato entre os liberais e os militares caririzeiros que haviam ficado a favor do Imperador. Ao deixar passar a tropa liberal, os Romeu exigiram 2 mil rações para sua gente. Caneca não registra se obtiveram ou se os liberais fizeram apenas promessas.
Cariri paraibano
No entanto, Caneca, ao descrever a paisagem do Cariri, ironiza seus adversários sobre uma passagem estreita entre duas muralhas de altos penedos, de onde com qualquer pequena força se podia destroçar um exército de xerifes. Conclui o frade, dizendo que o inimigo não soube aproveitar esta vantagem que lhe oferecia a natureza, o que era uma prova de sua estupidez. Mas a paz ficou ameaçada com ataques de Amaro da Costa Romeu o que obrigou a coluna a mudar seu traçado. É que os liberais haviam matado um paisano que estava seduzindo os soldados para as tropas dos Romeu. Ao sair de Carnoió, que pertencia ao português João de Oliveira Ramos, os liberais queimaram a casa. Mas, ao chegarem a Cabaceiras a encontraram totalmente destruída, pois os imperiais não queriam deixar abrigo algum aos liberais. Não podendo pernoitar, seguiram em frente até a fazenda Bom Jesus, de José Pereira de Castro, que Caneca registrou como “homem o pior que nesta digressão temos encontrado, somítico e miserável”.
Prossegue a saga
De lá, foram acampar em Curral do Meio, de José da Costa Romeu, o que mostra que nem todos os Romeu estavam do mesmo lado. No dia 15 de outubro, chegaram ao lugar chamado Caifás, a três léguas de Santa Anna. Foi onde Caneca registrou carestia de gêneros devido à seca. Daí, seguiram, no dia 16, para Timbaúba (do Gurjão?), légua e meia de jornada, por onde passa a estrada do sertão, encontrando a água lamosa e de ruim sabor. Partiram, no dia seguinte, para Olho d´Água dos Borges, a cinco léguas. Daí à fazenda Capitãozinho, onde prenderam e fuzilaram um português chamado Manuel José de Almeida, que havia dado 100 mil réis em apoio às tropas imperiais.
Desse ponto, a tropa teve que deixar a estrada geral que ia de Campina Grande a Umbuzeiro, tomando à direita, buscando uma serra, onde encontraram boa água e, no dia 18, foram jantar em Ana de Oliveira e dormir na fazenda Caiana. Novamente encontraram a água lodosa. Em 19, se passaram para Lagamar, a duas léguas de distância, onde encontraram água pouca e fétida, diz. E registra que esta jornada ele fez a pé. Daí, foram pernoitar na fazenda Santo Antônio a duas léguas da estrada geral do Seridó. Elogia a qualidade da água do riacho que ainda existia em cacimbas e fala do ar que é “assaz quente”. No dia 20, foram para Pedra Lavrada, a três léguas, que tem uma igreja e um açude, atravessando o riacho do Tamanduateí. Depois, se passaram para Malacacheta, a 4 léguas, onde foram atacados por gente do capitão Romeu, que mataram dois da gente dos liberais e tomaram seis cargas, quatro das quais eram do presidente Félix Antônio. Em revés, os liberais mataram três homens dos imperiais. Em seguida, os liberais prenderam o comandante de Malacacheta, Manuel Rodrigues ao encontrarem uma carta detalhando a reação imperial e seus prontos estratégicos, como Santa Luzia e Rio do Peixe.
Guerra de verdade
Foi em Pedra Lavrada que ocorreu o maior embate armado naquela jornada, de um lado uma tropa imperial de 200 homens e “um grande número de mulatos”. O batalhão liberal que estava de prontidão em Pedra Lavrada resistiu a quatro ataques dos imperiais, no entanto perdeu um sargento, de quem Caneca não dá o nome.
Apesar da perseguição, Caneca não perde o fleugma de jornalista e amante da natureza, quando a coluna sai de Pedra Lavrada: “A descida da serra da Borborema, ainda mesmo nesta estação, é lindíssima; apresenta golpes de vista os mais pitorescos e capazes de encantar os olhos do viajante”. A marcha se dirigiu para a fazenda das Almas, a duas léguas de distância, onde dormiram. No dia 23, se dirigiram à povoação de Conceição, a três léguas, onde compraram farinha, feijão milho, aguardente e queijo. Registra a presença dona Maria José de Santa Anna, “senhora de um patrimônio admirável”. Aí, apareceu o cunhado de Félix Antônio, José Hipólito da Costa Lins, aconselhando-o a deixar a esposa e filhos em Caicó.
Rio Grande do Norte
Foram acampar no lugar São João, já no Rio Grande do Norte e, em 26, a tropa foi bem acolhida, apesar de o comando da vila ser imperial. É quando o frade pacificador toma lugar de jornalista: “Aqui, depois e fazermos oração e postarem-se as tropas, deram-se vivas à religião, à grande nação brasileira, ao imperador constitucional e liberal (sic) e ao povo liberal da vila de Caicó, e deu-se uma salva de artilharia de sete tiros”. Registra que o capitão Manuel de Medeiros Rocha, o cunhado de Félix Antônio os recebeu bem e que a coluna, aí, se demorou até o dia 2 de novembro, consertando peças e fazendo munição de boca.
Fim do caminho
Sem apoio de homens, armas e alimentos, em 29 de novembro, houve a capitulação dos confederados na fazenda Juiz, no Ceará. Felix Antônio, achando-se completamente cercado, e com a notícia da morte do presidente cearense, Tristão de Alencar Araripe, entregou-se ao major Bento José Lamenha Lins, comandante das forças imperiais de Pernambuco. As tratativas foram feitas com participação de Frei Caneca, conforme ele diz em sua defesa. Os presos foram remetidos para Pernambuco. Na passagem por Campina Grande, Caneca elogiou o comportamento dos seus visitantes locais, quando pernoitou na cadeia da vila. Hoje o Museu Histórico de Campina Grande guarda o lugar da cela em que ficou detido Frei Caneca na noite de 12 dezembro de 1824.
*Josemir Camilo é historiador. Sócio Correspondente do IAHGP.

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