
Costume de casa vai para a creche: a fisiologia da Bolsa Encarnada. - por Emanuel Silva*
13/03/2025 -
Toda autoridade tem seu dia de “saia justa”. Eleitor questionando, repórter imprensando, mas... de vez em quando tem criança engasgando velhas e novas raposas. Ontem foi o dia do prefeito do Recife, João, rapaz novo e descolado, ser enquadrado valendo.
João estava toda prosa na inauguração da nova creche municipal. E claro o discurso bonito e pronto: investimento na primeira infância, apoio às famílias, mais um avanço na política educacional da cidade. O paraíso na terra — ou não.
Bom, o fato é que, conforme relato do Jornal O Poder, uma criança que participava da cerimônia se aproximou e disparou:
_ E eu ganho o quê?
O prefeito, surpreso com a espontaneidade, teve que ser socorrido por uma professora da nova unidade escolar:
_ A creche, menino.
A pergunta do garoto ficou no ar, mas o fato é que tem algo a mais que ecoa profundo, além da inocência infantil. Afinal, a lógica da troca estava ali, desde cedo.
Se tudo no Brasil se transforma em um benefício, um programa assistencialista, uma bolsa, então por que uma criança da creche não deveria receber um presente do prefeito?
O berço do assistencialismo
No Brasil, virou farra criar programas assistenciais. Bolsa Família, Vale Gás, Pé de Meia, Chapéu de Palha, auxílio disso, benefício daquilo. A lista cresce, consolidando a ideia de que o governo deve prover tudo, desde o nascimento até a velhice.
Infelizmente, o Nordeste, berço de nobres políticos que há décadas prometem o céu, continua na pobreza.
O estado do Maranhão que o diga, com décadas da raposa mais velha do Brasil, Sarney e do Super Dino, que passou do Executivo para o Legislativo e agora reina no Judiciário. O Maranhão vivia no atraso e o povo do assistencialismo. E hoje? Também.
Em Pernambuco, são quase 2,5 milhões de beneficiários do Bolsa Família, enquanto apenas 1,8 milhão de trabalhadores têm carteira assinada.
Ademais, os números revelam que, para muitos, o benefício do Estado não é um complemento, mas virou a principal fonte de sustento.
É necessária a assistência? Claro. Mas é péssimo, cruel, não haver porta de saída. Se é que as nobres autoridades desejam que ela exista.
A creche, em teoria, deveria ser um caminho para quebrar esse ciclo, permitindo que pais trabalhem e crianças tenham uma base educacional sólida. Mas, na prática, a pergunta da criança revela que o Estado é mais que o provedor permanente. Virou Papai Noel 365 dias do ano.
O custo da mentalidade dependente
Se desde a infância as crianças aprendem que tudo vem do governo, sem nenhum esforço, como esperar que, ao crescerem, tenham outra visão sobre trabalho e autonomia?
Nos países que têm algum juízo, os programas de assistência são transitórios, emergenciais, e incentivam a independência. No Brasil, tornaram-se uma engrenagem fixa do sistema, claro, para terem alguém para chamar de Pai dos Pobres.
Resultado: muitos sequer cogitam sair destes programas. Afinal, por que trocar um benefício garantido por um trabalho incerto?
A professora que respondeu à criança, mesmo com boa intenção, reforçou essa lógica. A creche era um “presente”, um direito, algo dado pelo Estado sem a noção de custo ou responsabilidade compartilhada.
Enquanto isso, o número de trabalhadores formais não crescem na mesma velocidade dos benefícios distribuídos. No Nordeste, 56% dos lares recebem algum tipo de auxílio governamental. Sem geração de emprego e oportunidades reais, essa estrutura se perpetua, sem oferecer alternativas concretas de desenvolvimento.
E o que João deveria ter respondido?
Certamente a equipe de marketing esqueceu de fazer um media training com ele. Um tópico: como reagir as perguntas incômodas das crianças.
O rapaz tem futuro, saber até nevar. Mas como o poder é bicho traiçoeiro, deveria sempre lembrar ou ser lembrado: no sol a neve derrete. E rápido!
Mas a grande questão permaneceu.
O que João deveria ter respondido àquela pergunta inusitada?
Talvez, ao invés de deixar a resposta no colo da professora, ele pudesse ter dito:
_ Uma oportunidade, um lugar para você crescer e aprender algo, enquanto seu pai e sua mão trabalham. No futuro você poderá ter então a opção: trabalhar ou até montar seu negócio.
E ainda poderia complementar:
_ Entenda que não se ganha nada. Tudo se conquista como muito esforço. Não existe merenda escolar ou lanche grátis. Tudo é pago com o imposto do arroz, dos ovos e do biscoito que você come.
Certamente nunca um político brasileiro vai falar esta última sentença ou mesmo parecido.
Mas convenhamos, no fim das contas, a verdadeira função de qualquer política pública séria não é ser um fim em si mesma, mas um meio para algo maior.
Se essa mentalidade presente na fala desta geração infantil do Brasil não mudar, o costume de casa continuará indo para a creche.
E de lá, para a vida toda, com dependência e muito atraso.

*Emanuel Silva, é Professor e Cronista
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