
O Mistério do Quarto 612 – Parte II Por Zé da Flauta
29/03/2025 -
A voz continuava a ecoar nos meus ouvidos, suave, mas impositiva:
“Olhe nos olhos da princesa…”
Engoli em seco e, mesmo tremendo, fixei meu olhar na fotografia de Isabel. No instante em que meus olhos encontraram os dela, um turbilhão de sensações me envolveu: um frio cortante, um zunido agudo, e a sensação de ser puxado para trás.
Quando recuperei a visão, não estava mais no Hotel Atlântico. Eu estava no Palácio Imperial de Petrópolis. O salão era majestoso, com paredes decoradas, cortinas de veludo pesado e lustres reluzentes. Homens de farda azul-marinho e ouro caminhavam apressados, e um mordomo atravessava o cômodo segurando um telefone de madeira e latão, com fios que serpenteavam pelo chão.
O telefone.
Sim, ali, em 1889, um telefone! Meu cérebro tentava processar aquilo quando vi Dom Pedro II se levantar de uma poltrona, a expressão cansada, os cabelos brancos desalinhados. A princesa Isabel estava ao seu lado, os olhos arregalados.
— Quem é? — perguntou Dom Pedro, pegando o fone com uma das mãos trêmulas.
Do outro lado da linha, uma voz urgia:
— Majestade! O marechal Deodoro… ele… ele deu um golpe! A República foi proclamada! Os senhores devem descer a serra imediatamente!
Silêncio.
A sala inteira pareceu congelar. Eu estava ali, com o envelope e a foto ainda nas mãos, completamente deslocado no tempo, assistindo ao exato momento em que a monarquia brasileira desmoronava.
Isabel levou as mãos ao rosto. O conde d’Eu, seu marido, cerrava os punhos. Dom Pedro II apenas baixou o olhar. Ele já sabia que esse dia chegaria.
Mas o mais assustador era que ninguém parecia notar minha presença.
Eu observava tudo, mas era invisível.
O que fazer? Falar? Avisá-los de algo? Mas o quê? A história já estava escrita, a monarquia cairia de qualquer forma…
Foi então que senti algo estranho na foto. Ela começou a esquentar. Olhei para ela e, dessa vez, Isabel não estava mais ali. Seus traços haviam sumido, restando apenas Dom Pedro II na imagem. O envelope tremia em minhas mãos. Alguma coisa estava para acontecer.

E então, do nada, ela apareceu.
Não Isabel, mas uma mulher alta, vestida de negro, com um véu rendado que cobria parte do rosto. Seus olhos eram de um azul espectral, como se brilhassem por dentro.
— Você tem algo que não te pertence, disse ela, em um tom que me gelou os ossos.
Tentei responder, mas minha voz não saiu.
O tempo ao redor parecia desacelerar. Os sons do palácio ficavam distantes, como se eu estivesse sendo puxado para outra realidade dentro daquela mesma cena.
A mulher deu um passo à frente.
— Se não devolver, ficará preso aqui para sempre.
A foto queimava como brasa. O envelope parecia vibrar.
Eu precisava fazer algo.
Mas o quê?
(continua no próximo sábado à tarde)
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
