
Marcos Vinícios Rodrigues Vilaça, um homem plural e singular a partir do nome, entrevista com José Paulo Cavalcanti Filho*
30/03/2025 -
Pelo menos desde o início dos anos 1970 os casais Maria do Carmo e Marcos Vilaça /Maria Lecticia e José Paulo mantiveram estreita e fraterna relação de amizade. Na época, Marcos era Secretário de Estado e já integrava a Academia Pernambucana de Letras(APL) Os casais ascenderam nas suas trajetórias profissionais e intelectuais. Mantendo a amizade e a confiança. Tanto que Marcos só confiava seu voto por procuração, nas eleiçoes da APL a Maria Lectícia. A vida os irmanou também como confrades, Maria Lecticia e José Paulo, na APL e José Paulo na ABL.
Hoje, José Paulo assinou no JC um belo depoimento sobre o amigo e duplamente confrade. Fomos conversar com ele.
O Poder - O artigo do senhor no JC é o tipo que causa uma inveja branca. Gostaríamos de ter publicado...
José Paulo - O JC pediu...
O Poder - É, dormimos no ponto. Podemos conversar sobre o seu depoimento?
José Paulo - Apesar da tristeza do momento, com prazer.
O Poder - O senhor começa o texto com uma pergunta. Como reverenciar um homem
como Marcos
Vilaça?. Qual a resposta?
José Paulo - Eis a
questão. Talvez não com
arrogância, por exemplo
indicando ter sido professor em muitos centros, com
destaque para a Faculdade
de Direito do Recife. Nem ter feito conferências em numerosas
universidades, no mundo
inteiro, de Moçambique a
Helsinki. Nem ter sido Ministro
do Tribunal de Contas da
União, em que foi presidente. Nem referindo suas
182 condecorações e medalhas, incluindo todas as
mais expressivas no Brasil, além de uma dezena de
honrarias estrangeiros. Nem, por fim, indicado seus 76 livros publicados. Entre os quais cito
Em Torno da Sociologia do
Caminhão – quando, pela
primeira vez, se estabeleceram as implicações sociológicas das migrações
no Brasil. Coronel, Coronéis, quando traçou perfil dos interiores de nosso
país; num tempo em que
a política, tão diferente de
hoje, ainda se fazia com
engenho e arte. E Itinerário
da Corte, pela honra de ter
escrito seu prefácio. Sem
esquecer os 15 livros publicados no estrangeiro – em
português (de Portugal),
alemão, espanhol, francês,
inglês e italiano. Com tantos inacreditáveis títulos, e em palavras de Manuel de Barros
(O Livro sobre Nada), “Há
histórias tão verdadeiras
que às vezes parecem que
são inventadas”.
O Poder - começando pelo começo, Marcos Nasceu em Nazaré da Mata ou Limoeiro?
José Paulo - Marcos Vilaça nasceu
em Limoeiro e em Nazaré
da Mata, ao mesmo tempo, isso não se discute.
Prova de que já pode ser
considerado uma espécie
de Deus, por ter o dom da ubiquidade. O de estar em
dois lugares, ou mais, ao
mesmo tempo. Faltando
só descobrir a palavra para
dizer o que ele é. Talvez Nazareiro. Ou Limomata. Ou
coisa parecida. Consta que Vilaça falou das duas cidades, e de
sua companheira de antes
e depois da eternidade, a
Ledo Ivo. Dizendo assim:
“Amar cidades, várias./
Amar mulheres, só uma”.
Maria do Carmo, claro. Mas
Ledo se atrapalhou e escreveu (no Recife): “Amar
mulheres, várias./ Amar
cidades, só uma, Recife”.
Acontece.
O Poder - Marcos era filho único. Qual a influência dos seus pais na carreira intelectual?
José Paulo - Marcos era filho de dona Evalda. Uma dama
letrada e ilustre que gostava de usar, quando podia
(e era quase sempre), a palavra pletórico. Sem restrições. E muito corretamente. Que de dona Evalda se
pode dizer, sem medo de
errar, ser mesmo pletórica
em tudo. E filho do professor
Antônio Vilaça. Conta-se que esse então seminarista, acabou vizinho de
dona Evalda em Limoeiro.
“O pecado mora ao lado”,
como na peça de George
Axelrod. Ela jovem, bela, e
muito interessada no conversar dele. Dando-se que
o professor desistiu ligeiro das vocações religiosas.
Trocando a contemplação
celeste por uma vida terrena plena. De virtudes e
pecados. Muitas e poucos.
Entre estes, o de falsificar whisky. Trocando os
líquidos (vi com os próprios olhos, como fazia). O
que lhe permitia saborear
malte escocês transladado para garrafas de Drurys;
enquanto seus convidados, coitados, aceitavam as
ofertas de Johnnie Walker,
em garrafas antes vazias,
e agora cheias do líquido
nacional. As aparências
enganam. Já no batismo, seus
pais fizeram questão de
afirmar o caráter do filho.
Marcos Vinicius Rodrigues, como se vê no próprio nome, é um homem
plural. E Vilaça, também
se vê no nome, é singular.
Plural e singular, pois.
Múltiplo.
O Poder - Quis as estações da sua trajetória que o senhor destaca?
José Paulo - Vilaça teve, nessa vida,
uma trajetória improvável.
Que começou nos interiores de nosso Brasil, popular e profundo, para findar
em louros acadêmicos. Na
Academia Pernambucana
de Letras. Na Academia
Brasileira de Letras, também. A do fardão majestático. Conta-se até que um
taxista, conduzindo Aurélio Buarque de Holanda
todo paramentado, não se
conteve e perguntou: “Sois
Rei?”. Sem esquecer a Academia Portuguesa de Letras. Somos confrades em
todas elas; o que, para mim,
é um (grande) prêmio. Lembro de bilhete que
lhe mandei num aniversário do passado: "Vilaça amigo
Ouve o que digo
Tô com saudade
Da mocidade
Da vida rude
Da juventude
Da vida boa
De andar à toa
E da maçada
De fazer nada
Com a indolência
A impertinência
A competência
E a experiência
Dos desenganos
Dos verdes anos".
Agora, findaram seus anos, todos; aqueles do
passado, verdes; e os mais recentes, maduros, também. O coração dói, na
memória do amigo querido. Saudades dele. Viva
Vilaça!!!.
O Poder - O que mais gostaria de acrescentar?
José Paulo - Lembrar versos
de Mia Couto, em Incertidão de Óbito:
“A vida
É um prematuro sonho.
Só morre
Quem nunca viveu”.
José Paulo Cavalcanti Filho é advogado e integrante das academias Pernambucana, brasileira e de Lisboa, todas integradas por Marcos Vilaça.
