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Ensaio - Entre a Cicuta e o Silêncio: A Voz Filosófica em Tempos de Cancelamento

03/04/2025 -

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Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*

Dedicatória

Dedico este artigo, em primeiro lugar, a todos os meus amigos e leitores que, muitas vezes, se sentem constrangidos ou receosos de expor suas posições e reflexões sobre a vida por medo de críticas, cancelamentos ou perseguições.
Que estas palavras sirvam como abrigo e impulso.

Pensar ainda é um ato de liberdade. E escrever, um gesto de resistência amorosa.

1. A Voz Filosófica e o Peso da História

Todas as vezes que me ponho a refletir sobre uma atitude filosófica diante da vida — e começo a perscrutar as trajetórias de grandes pensadores, avatares e líderes espirituais, de Krishna a Cristo, passando por Sócrates, Sêneca e tantos outros — deparo-me com um padrão inquietante: quase todos passaram por provações terríveis, e muitos morreram como exemplos vivos daquilo que pregavam.

Era como se o mundo, desconfiado da pureza das ideias, exigisse delas uma prova final: não basta pensar, é preciso encarnar o pensamento. E essa encarnação, nos momentos mais extremos, pedia o corpo — ou ao menos o sofrimento — como selo de autenticidade.

Sêneca, que pregava a serenidade estoica, foi forçado a abrir os pulsos como prova derradeira de sua filosofia. Sócrates, que

dizia que uma vida não examinada não valia a pena ser vivida, bebeu a cicuta para não trair sua consciência. Cristo, que ensinava a mansidão e o amor aos inimigos, subiu ao madeiro sem resistência, como suprema coerência entre o verbo e o exemplo.
Mas não foram só eles.

Giordano Bruno, queimado em praça pública por afirmar a infinitude dos mundos e a liberdade do espírito, morreu com os olhos abertos e sem recuar uma única palavra. Hypatia de Alexandria, mulher, filósofa e cientista, foi despida, esfolada e morta por sua ousadia em pensar além do dogma. Joana d’Arc, embora não filósofa no sentido acadêmico, foi queimada por ouvir vozes que a conectavam a algo maior — e por desafiar com coragem a estrutura de poder que temia qualquer alma incontrolável.

Do lado oriental, a mesma lógica se repete.

Siddhartha Gautama abandona o palácio, o luxo e a segurança para buscar a verdade em meio à fome, ao frio e à dúvida. Confúcio, incompreendido em seu tempo, foi exilado e vagou durante anos, rejeitado por governos que preferiam a força à virtude. Lao-Tsé, cansado do mundo, retirou-se para além da fronteira, deixando como legado um texto breve e eterno — o Tao Te Ching — como quem sabe que falar demais é trair o mistério.

E há ainda os que morreram de forma mais simbólica — Nietzsche, que enlouqueceu após abraçar um cavalo espancado, como se quisesse, com aquele gesto, resgatar toda a dor do mundo. Ou Simone Weil, que morreu por inanição, recusando-se a comer mais do que os soldados franceses na guerra. A vida, nesses casos, não foi apenas palco do pensamento: foi sua prova de fogo.

Essas figuras, tão distintas em tempo, cultura

e linguagem, compartilham um mesmo traço: a filosofia para elas não era um adorno intelectual, mas uma tarefa de alma — uma fidelidade radical à verdade que haviam vislumbrado, ainda que isso lhes custasse tudo.

Por isso, a atitude filosófica sempre carregou um peso: o peso de não poder mentir para si mesmo. E é esse peso, mais do que os livros, que diferencia o filósofo genuíno do pensador de superfície. A coerência, quando alcançada, cobra um preço. A verdade, quando assumida, tem consequências.


2. Do Martírio à Estratégia: O Refúgio da Sabedoria

Contudo, algo mudou.

A partir de certo ponto — talvez com

Montaigne — a filosofia recuou alguns passos da arena pública e encontrou refúgio na interioridade. O ensaio substituiu o martírio. A ironia tomou o lugar do confronto direto. A torre do castelo passou a ser mais segura que a praça pública. A filosofia tornou-se mais sutil, mas não menos poderosa.
Michel de Montaigne, esse nobre retirado entre livros e janelas, foi um dos primeiros a compreender que, em tempos de guerra civil e intolerância religiosa, pensar em voz alta exigia uma nova forma de coragem: a de falar sem parecer que se fala. Seus ensaios não impõem, sugerem. Não proclamam, insinuam. Sua liberdade foi preservada, talvez, justamente porque foi envolvida em dúvida, humanidade e bom humor.

Blaise Pascal, por sua vez, sabia que a verdade precisava ser dita como quem sussurra à eternidade. Em seus Pensamentos, ele usa o fragmento, a

contradição aparente, o paradoxo como escudo e lâmina. Como se soubesse que, em certas épocas, a clareza excessiva pode ser fatal.

Baruch de Espinosa moeu lentes com as mãos enquanto lapidava com a mente um dos sistemas mais ousados da filosofia ocidental. Sua ética geométrica — rigorosa, radical e serena — foi escrita como quem constrói uma catedral no deserto. Excomungado pela própria comunidade judaica, viveu sem rancor, em silêncio, como quem sabe que a eternidade não se impacienta com o tempo.

Rousseau, outro que teve que fugir mais de ideias do que de inimigos físicos, intuiu que o contrato social não é apenas um pacto político, mas um jogo perigoso entre liberdade e máscara. Seus textos, ora confessionais, ora revolucionários, revelam

um homem que pensava com intensidade demais para caber em qualquer salão iluminista.

Kierkegaard, mais tarde, adotaria o pseudônimo como tática de sobrevivência e expressão. Criou personagens, máscaras e estilos para falar das angústias da alma humana sem se deixar capturar por rótulos. Sua filosofia cristã existencial não se apresentou como doutrina, mas como provocação — e sua ironia, herdeira de Sócrates, foi seu escudo contra o dogma e o desprezo.

Hannah Arendt, já no século XX, percebeu que o horror moderno não estava apenas nas fogueiras do passado, mas na banalidade do mal que se esconde nos discursos burocráticos e nas ações não pensadas. E por isso escreveu com precisão cirúrgica, recusando slogans, partidos e obediências

cegas — pagando o preço com o isolamento acadêmico e o desconforto político.

E há ainda os que se esconderam em gêneros ambíguos, como Chesterton, que fez da crônica e do paradoxo formas de teologia prática. Ou Cioran, que se disfarçou de niilista para dizer, entre o desespero e a ironia, que o espírito humano ainda busca salvação mesmo quando diz que não.
Esse movimento, de Sócrates a Montaigne, de Bruno a Kierkegaard, revela uma mutação: a coragem não desapareceu, mas precisou se tornar mais estratégica. O pensador percebeu que, em certos contextos, o grito mata — mas o sussurro resiste. O corpo que se protege permite à alma continuar falando. E o silêncio aparente, por vezes, ressoa mais fundo do que o discurso inflamado.

A filosofia seguiu — mas disfarçada. Escondida em ensaios, crônicas, ficções,

aforismos, pseudônimos. O mártir deu lugar ao resistente. A cicuta foi substituída pela ironia. O exílio pela ambiguidade. A praça pública pela biblioteca. Mas a missão continuou a mesma: guardar a centelha do pensamento vivo num mundo que tenta apagá-la.


3. A Nova Cicuta: Cancelamentos e Silenciamentos

Hoje, o risco maior já não é a morte física — embora, em alguns contextos, ainda o seja. O perigo contemporâneo é outro: o linchamento simbólico. A patrulha das palavras. O exílio virtual. A nova cicuta não vem em forma de veneno, mas de invisibilidade. Ela se insinua nos algoritmos, nas acusações sem direito de resposta, nos tribunais morais que julgam sem escutar.
Vivemos a era do “cancelamento”, mas o

termo — já desgastado — não dá conta da profundidade do problema. O que está em jogo não é apenas o silêncio imposto a um indivíduo, mas a corrosão do próprio espaço público como arena de pensamento. A filosofia sofre, hoje, uma espécie de morte civil: não é assassinada, mas desautorizada. E o filósofo, se ousa divergir do consenso dominante, torna-se figura incômoda — ou simplesmente indesejada.

Mas há uma forma ainda mais insidiosa de perseguição: a que não se declara.
Ela se esconde atrás de sorrisos, de elogios com veneno, de frases como:
“Você é brilhante, mas...”,
“Claro que é inteligente, só que...”,
“Gosto muito do que você escreve, apesar de...”.
É o “mas” que descredencia.
É o “apesar de” que anula o elogio.
É o aplauso com luvas.

É o elogio que já contém a sentença.

Essa forma de cancelamento não precisa de exposição pública. Ela atua nos bastidores. No não dito. É o convite que nunca chega. O projeto que nunca vinga. A oportunidade que esfria sem explicação. A porta que se fecha sem que ninguém assuma ter girado a chave. Não há acusação formal — e por isso não há defesa possível.

Roger Scruton, por exemplo, foi durante décadas ridicularizado em ambientes acadêmicos simplesmente por ousar ser conservador. Sua filosofia estética, profunda e refinada, foi tratada como irrelevante por quem já não lia com olhos abertos. Quando enfim foi redescoberto, já era tarde demais — e a dignidade com que suportou o silêncio é parte de sua grandeza.

Jordan Peterson, em nossos dias, sofreu

uma transformação simbólica diante dos olhos do mundo: de professor renomado e clínico respeitado a “inimigo público” por recusar-se a aderir a normas linguísticas impostas por decreto. Bastou uma negativa argumentada — não violenta, não ofensiva — para que fosse pintado como ameaça. O preço: difamação, boicotes, convites desmarcados, e o cansaço brutal de ter que se explicar onde antes bastava ensinar.

Mesmo Hannah Arendt, já citada, pagou caro por sua recusa em se alinhar a qualquer ideologia. Seu texto sobre o julgamento de Eichmann — ao diagnosticar a “banalidade do mal” e criticar aspectos da condução do julgamento — valeu-lhe o rompimento com amigos, o ostracismo em certos círculos e o rótulo infame de “traidora”. Tudo porque ousou pensar fora do script esperado.

Mas talvez ainda mais nocivo do que o

cancelamento velado seja o reducionismo binário que domina o espaço público, onde toda opinião é imediatamente rotulada como “de direita” ou “de esquerda”, como se essas categorias — úteis em certos contextos — fossem suficientes para definir a complexidade de um pensamento genuíno. Não há espaço para o pensamento liminar, para a intersecção, para o que escapa à lógica de torcida.

Nesse cenário, quem tenta construir pontes é visto com desconfiança por ambos os lados. Quem pensa com liberdade é acusado de traição por todos. A filosofia, que por definição habita os entre-lugares, torna-se alvo por não caber nos extremos. O discurso público não quer compreender: quer classificar. Não quer dialogar: quer dominar. E o filósofo, mais uma vez, paga o preço por sua recusa em aderir.

Não se trata mais de matar o corpo do filósofo, mas de descredenciar sua voz, amputar sua presença, negar sua humanidade. O novo castigo não é o suplício — é a irrelevância calculada. E, talvez por isso, seja ainda mais cruel. Porque mata devagar. E porque o silêncio que se impõe não vem com dor visível, mas com ausência, com a lenta sensação de não existir mais para o mundo que se pretendia transformar.

Contra essa nova cicuta, a resistência filosófica precisa de novos antídotos: serenidade, persistência, humor, e acima de tudo — fé na força do logos. Porque mesmo calado hoje, o pensamento verdadeiro tem uma estranha habilidade de atravessar o tempo. E de voltar, quando menos se espera, com mais força do que antes.

4. O Logos Interior: Uma Voz que Não se Cala
Ótimo. Vamos agora para o bloco 4: O Logos

Interior – Uma Voz que Não se Cala, que funciona como uma resposta existencial e espiritual ao contexto de silenciamento e perseguição. Esse é o momento de recuperar a dignidade da filosofia não apenas como resistência intelectual, mas como uma voz interna, íntima, inevitável — o logos que pulsa mesmo em meio ao silêncio.
A seguir, a versão adensada e aprofundada com rigor filosófico e simbólico:

4. O Logos Interior: Uma Voz que Não se Cala

Diante de tudo isso — do cancelamento explícito ao veto silencioso, da rotulagem ideológica à redução do pensamento a slogans — o que resta ao filósofo?

Resta o logos.

Não como discurso público apenas, mas como pulsação interior. Como aquele

princípio que, desde Heráclito até os evangelhos, foi visto como ordem do mundo e chama da alma. O logos que organiza o cosmos, mas também inquieta o coração humano. A razão que não é cálculo, mas clareza. O verbo que não é ruído, mas sentido.
Há dentro de mim — como talvez em tantos que me leem em silêncio — uma voz que não se cala. Uma urgência que não se negocia. Uma necessidade de dizer, não por vaidade, mas por fidelidade. Como se silenciar fosse, de alguma forma, trair algo sagrado que nos habita. Essa voz não é fruto de orgulho intelectual, mas de um compromisso existencial: o pensamento verdadeiro não é uma escolha — é uma convocação.

A atitude filosófica, para mim, não é ornamento cultural, mas respiração da consciência. Não é profissão, é vocação. Não é performance, é presença. É como respirar com palavras, viver com perguntas, amar

com ideias.

Mesmo nos momentos em que a prudência aconselha o silêncio, a mente continua em diálogo. Mesmo quando a boca se cala, o pensamento conversa com os grandes mestres — com Platão, com Buber, com Lao-Tsé — como se buscasse neles o fôlego que o mundo nega.

E isso não é arrogância. Pelo contrário. É uma forma de humildade radical: reconhecer que não posso calar porque há algo maior do que eu que me impele a falar. É como dizia Rainer Maria Rilke: “Você deve escrever se, ao acordar de madrugada, tiver no peito a firme certeza de que morreria se não escrevesse.” Eu diria o mesmo da filosofia.
Essa voz interior — esse logos silencioso — é o que impede o colapso da alma diante da exclusão. É o que transforma o isolamento em interioridade. É o que salva o pensamento

do desespero, e o conduz ao terreno mais fecundo: o da coerência entre o que se crê e o que se vive.

E se, por acaso, essa voz nunca ecoar nas praças, que ao menos ressoe dentro de mim. Porque quem mantém viva essa chama, ainda que só em si mesmo, já oferece ao mundo um gesto de resistência. E talvez, um dia, essa chama reencontre o vento certo e volte a incendiar consciências.

4.1. Entre a Rebeldia e a Filosofia: A Distinção Essencial

É importante, neste ponto, fazer uma distinção que raramente é explicitada — mas que se torna cada vez mais urgente: nem toda oposição é filosófica, assim como nem todo inconformismo é fruto de lucidez.

A atitude filosófica — aquela que move

Sócrates a interrogar, Kierkegaard a escrever sob pseudônimos, e Montaigne a meditar sobre si mesmo — não é um simples ato de resistência ao mundo, mas uma busca lúcida por sentido, verdade e coerência interior.
Já no campo da psicologia clínica, sobretudo na infância e adolescência, reconhece-se o chamado Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), caracterizado por um padrão persistente de comportamento negativista, hostil e desafiador diante de figuras de autoridade. A oposição, nesse caso, não nasce de princípios racionais, mas de impulsividade emocional, baixa tolerância à frustração e uma resistência desregulada à autoridade externa.

A oposição do filósofo é construtiva, consciente e autocrítica. A do indivíduo com TOD, em geral, é reativa, impulsiva, desorganizada e ciclotímica.

Enquanto o filósofo duvida para compreender, o opositor patológico contesta para afirmar o próprio ego. O filósofo aceita ser contrariado — e, muitas vezes, se revê. O opositor patológico não suporta limites — e interpreta qualquer orientação como ataque. Um cultiva perguntas; o outro alimenta ressentimentos.

Essa distinção é fundamental, especialmente num tempo em que pensar diferente passou a ser confundido com rebeldia, e rebeldia instintiva, às vezes, tomada por sabedoria. Não raro, vê-se jovens com diagnóstico de TOD sendo romantizados como “espíritos livres”, enquanto pensadores sérios são descartados como “resistentes sem causa”.
Há, inclusive, o movimento inverso: tentativas — implícitas ou explícitas — de patologizar o filósofo, de reduzi-lo a um opositor crônico no espectro do TOD, como se sua recusa ao dogmatismo fosse sintoma de disfunção, e

não de lucidez.

No entanto, o filósofo verdadeiro é, em geral, o ponto de maior equilíbrio entre a obediência cega e a oposição irracional. Ele interroga sem destruir. Resiste sem se endurecer. E sua oposição não é um fim em si — mas um meio para alcançar algo superior: a justiça, a verdade, o bem.
Ao compreendermos isso, resgatamos a dignidade do pensamento filosófico e contribuímos, com mais humanidade e precisão, tanto para o cuidado clínico dos que sofrem com distúrbios emocionais quanto para a justa valorização dos que ousam refletir sobre as estruturas do poder, da linguagem e da própria condição humana.

5. Pensar é um Dever, não um Luxo

Continuar pensando — mesmo sob o risco do mal-entendido — não é um privilégio de

espíritos ociosos, mas uma exigência de quem compreende que, em tempos obscuros, o pensamento é um ato de responsabilidade moral. Pensar não é fuga: é vigília. Não é evasão: é presença. Não é vaidade: é dever.

Ao longo da minha vida pública, nas funções relevantes que me foram confiadas, procurei agir assim: com fidelidade ao pensamento, responsabilidade diante das decisões e respeito pelo silêncio dos que observam. A reflexão filosófica nunca me foi um ornamento — sempre foi bússola. Em cada escolha, em cada palavra, em cada recusa.
Porque pensar com justiça não é um luxo de filósofos isolados em torres de marfim — é uma necessidade vital de qualquer um que ocupe um lugar de decisão. O exercício do poder, quando desprovido de pensamento, degenera em automatismo, em arbitrariedade, em frieza técnica sem alma. E

toda decisão que não passa pelo crivo da consciência corre o risco de ser apenas um gesto mecânico com consequências humanas irreparáveis.

Cícero, ao integrar filosofia e política, já dizia que “o império da razão é mais duradouro que o das armas.” Simone Weil alertava que a atenção verdadeira é o grau mais puro e raro da generosidade. E Hannah Arendt recordava que a origem do mal, muitas vezes, está na recusa de pensar — na banalidade da obediência sem reflexão.

Por isso, sustento: pensar é dever. E, mais que isso, é forma de cuidado. Cuidado com a palavra, com o outro, com o tempo e com a verdade. Pensar é, no fundo, uma forma de amar — porque quem pensa verdadeiramente não instrumentaliza, não manipula, não ignora. Compreende. E compreender é o início de toda justiça.


Mas esse pensar, para ser completo, não pode prescindir da ternura.

Onde quer que eu esteja, esse será sempre o meu norte: unir lucidez e coragem com humanidade e compaixão. Que o rigor nunca me roube a delicadeza. Que a clareza não me afaste da escuta. Que a firmeza não me impeça de acolher. Porque o verdadeiro pensamento não endurece: refina.

E se, por acaso, eu tiver o privilégio de ocupar espaços onde decisões afetam vidas — que jamais me falte o hábito de refletir. Que a filosofia me acompanhe, não como escudo, mas como espelho. E que cada palavra minha seja, antes de tudo, consequência de uma consciência em estado de vigília.

6. Um Pouco de Ironia, um Tanto de Verdade

Ainda assim — e talvez por tudo isso — devo confessar, com o humor que a lucidez recomenda e a vaidade que a idade já domou, que me cabe certa cautela.
Não me chamo Sócrates, não cumpri integralmente a Torá como Cristo, tampouco me refugiei na torre de Montaigne para escrever ensaios que atravessariam os séculos. Falta-me o brilho trágico dos mártires e o verniz imortal dos clássicos. Tenho, no lugar disso, uma agenda apertada, um celular que vibra mais do que deveria, e algumas noites mal dormidas em nome da coerência.

Sou apenas um homem comum com sede de sentido, que escreve entre um café e uma reunião, entre um silêncio e um olhar dos filhos que me recorda — com a força silenciosa das coisas simples — aquilo que realmente importa.

Talvez meu quase anonimato digital seja, afinal, uma bênção disfarçada. Um tipo raro de invisibilidade que protege. Um manto modesto que me permite filosofar sem escolta, pensar sem plateia, caminhar sem hashtags. Quem sabe esse lugar à margem — que não é exílio, mas escolha — me permita viver como vivem as raízes: sem serem vistas, mas sustentando.

E, quem sabe, essa voz filosófica, ainda que teimosa e muitas vezes inoportuna, possa coexistir com uma vida serena — cercada de afetos reais, plantas por regar, filhos por escutar e livros por terminar. Uma vida onde a verdade não precise de púlpitos, onde a coerência dispense aplausos, e onde o silêncio, às vezes, diga mais do que os manifestos.

E se, ao fim de tudo, não houver nem aplausos nem acusações públicas, que ao

menos me reste a consciência tranquila de quem ousou pensar — e sobreviveu para contar.

*Jorge Pinho é advogado, procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Estado do Amazonas - ACLAJ.

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