
Folhetim - O Mistério do Quarto 612 – Parte III Por Zé da Flauta*
05/04/2025 -
Os livros de história que li no colégio dedicavam duas míseras páginas à Proclamação da República, com direito a ilustrações e tudo. Nada além de frases secas e um retrato do Marechal Deodoro de bigode grosso e pose dura.
Mas ali, dentro daquele momento, a história era viva.
Eu não entendia nada do que estava acontecendo, assim como não entendia na escola. Tudo era confuso.
A foto queimava meus dedos de novo. Só que agora, Dom Pedro II também havia desaparecido dela.
Ficou apenas um papel grosso, negro, brilhoso, como um buraco no tempo.
Antes que pudesse raciocinar, fui tragado novamente.
Agora, estava dentro de um vagão de trem. Pequeno, mas luxuoso. As janelas mostravam a paisagem da serra de Petrópolis desfilando ao entardecer. O balanço da locomotiva era suave, mas a tensão dentro do vagão era palpável.
Ali, diante de mim, Dom Pedro II, a princesa Isabel e o Conde d’Eu.
O imperador parecia exausto, afundado na poltrona, os olhos distantes. Isabel, inquieta, segurava um lenço, enquanto o Conde d’Eu olhava para fora, cerrando os punhos.
Eu não sabia se era um espectro invisível ou parte daquela realidade. Mas conseguia ouvir e sentir tudo como se fosse real.
O trem descia a serra. O destino: Paço Imperial no Rio de Janeiro.
Dom Pedro respirou fundo, esfregou a testa e murmurou, quase para si mesmo:
— Quarenta e nove anos de reinado. E agora, um bilhete frio e apressado de um militar asmático.
Ele se referia ao Marechal Deodoro.
Isabel o olhou, apreensiva.
— Pai, ainda há o que fazer. Não podemos aceitar isso passivamente!
O Conde d’Eu interveio:
— O Exército pode estar dividido, mas a Marinha ainda é fiel. Almirante Tamandaré nos garantiu que tem a Armada pronta para reagir! Bastaria um comando seu…
Dom Pedro II soltou uma risada triste.
— E iniciar uma guerra civil entre brasileiros? Que governante desejaria isso?
O vagão mergulhou em silêncio.
A verdade era que, apesar da dor, Dom Pedro já esperava esse dia. Talvez até esperasse antes. A monarquia estava cansada, e ele, mais ainda.
Ele olhou para as mãos.
— No fundo, sempre soube que este império não era meu. Foi um fardo colocado sobre mim desde menino. Carreguei porque era o dever de um Pedro. Mas… será que fiz certo?
Ninguém respondeu.
O trem seguia seu caminho, cortando a noite. Eu tentava imaginar o que passava na cabeça daquele homem. Um rei sem um trono. Um pai sem herdeiros no poder. Um homem velho, forçado ao exílio pela terra que ele dedicou a vida.
O que mais doía nele?
A perda do império?
A traição de militares que ele tratava como filhos?
Ou talvez… o futuro incerto do Brasil?

Ao chegar ao Paço Imperial, o almirante Tamandaré os aguardava. De postura ereta e semblante decidido, ele se adiantou:
— Majestade, bastam ordens suas e temos a frota para esmagar essa quartelada! A República pode ser contida aqui e agora!
Dom Pedro olhou nos olhos do almirante.
— E quantos brasileiros morreriam por isso, Tamandaré?
O velho marinheiro abaixou a cabeça.
O imperador suspirou e olhou para cima, observando o céu do Rio de Janeiro.
— Se minha pátria não me quer mais, que seja feita a vontade dela.
Eu senti um nó no peito. Foi nesse momento que percebi: a foto havia voltado à minha mão.
Mas agora… era uma imagem do próprio Dom Pedro, de costas, olhando para um navio no porto.
Antes que eu pudesse entender o que isso significava, algo me puxou de novo.
O tempo girou ao meu redor.
E, quando abri os olhos… Estava no convés de um navio. Dom Pedro II estava à minha frente.
O navio partia para o exílio.
(continua no próximo sábado)
*Zé da Flauta músico, compositor e escritor.