
Tarifaço de Trump - o que esperar para o agro, o Brasil e o mundo, entrevista com Marcelo Tognozzi
05/04/2025 -
O mundo saiu da zona do conforto com o tarifaço de Donald Trump. Alguns reagiram com a cabeça, outros com o fígado, muitos ficaram perdidos. Um jornalista do Financial Times comparou o tarifaço de Trump à revolução cultural de Mao Tsé-Tung, no início da década de 1970. Trump mexeu com a burocracia, o interior profundo da administração dos Estados Unidos e com a ordem econômica mundial. Diferente de Mao Tsé-Tung, Trump sabe que seu prazo é curto: termina em 2029. O jornalista Marcelo Tognozzi, analista agudo da política nacional e internacional, abordou o tema no artigo semanal no Poder360. Conversamos com ele sobre o assunto.
O Poder - Qual sua opinião sobre o clima de catástrofe que dominou a maior parte da mídia mundial acerca do tarifaço de Trump?
Tognozzi - Acho que há um pouco de exagero nisso e creio que os Estados Unidos, com seu enorme poder de resiliência, sairão deste processo ganhando mais do que perdendo. As consequências sobre o futuro, claro, ainda são imprevisíveis. Há uma insegurança generalizada típica do desconforto, como mostrou o Wall Street Journal, com os americanos correndo para comprar bens de consumo antes que o preço suba por causa das tarifas.
É bem possível que a popularidade de Trump sofra uma queda significativa, caso sua política protecionista provoque inflação e diminua a capacidade de consumo da população. Daqui até 2029 muita água vai correr debaixo da ponte e, como ensinou Maquiavel, o mal se faz primeiro.

O Poder - Vendo da perspectiva da população norte americana, houve um certo pânico por lá, concorda?
Tognozzi - A reportagem do Wall Street Journal registra aumento de preços no comércio dos EUA para produtos que já estavam nas prateleiras antes do “Liberation Day” de Trump. Este tipo de coisa acontece no mundo todo e já vimos este filme por aqui centenas de vezes.
O Poder - E no Brasil, qual reação chamou mais sua atenção?
Tognozzi - Por aqui, o que mais despertou atenção esta semana foi a capacidade de reação da bancada do agro no Congresso. Ao longo das duas últimas décadas, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e o Instituto Pensar Agro (IPA) passaram por um processo de profissionalização exemplar. É o Brasil que dá certo comandando. São os profissionais mostrando como se faz. Não por acaso, o agro ganhou força política e colhe uma safra recorde de resultados. O último deles foi a Lei da Reciprocidade, instrumento pelo qual o governo poderá reagir à altura toda vez que os parceiros comerciais criarem dificuldades para nossos produtos. Esta lei já era bala na agulha do agro faz tempo. Desde que a União Europeia resolveu impor restrições aos produtos brasileiros por questões ecológicas, aprovando uma lei maluca que proíbe a compra de gêneros produzidos em zonas desmatadas, ignorando completamente nosso Código Florestal.
O Poder - Quer dizer que a Europa é mais problema do que os EUA, apesar do tarifaço?
Tognozzi - A Europa assistiu, nos últimos 50 anos, a um aumento exponencial da competência dos produtores brasileiros, enquanto crescia a incompetência do seu setor agrícola, cada vez mais dependente de subsídios governamentais. Enquanto o agro europeu anda na cadeira de rodas dos subsídios, o nosso caminha pelas próprias pernas. Diante do tarifaço de Trump, a bancada do agro agiu com a cabeça, uniu governo e oposição, aprovando a lei que agora servirá para dar pronta resposta às penalidades impostas aos nossos produtos. Este caso é exemplar, porque mostra a relevância política de um setor num assunto o qual, não faz muito tempo, era dominado pela CNI e a Fiesp. O agro, com seu profissionalismo, tomou a frente na defesa dos interesses do país, foi atrás dos resultados e colocou-se acima das picuinhas políticas da esquerda e da direita.

O Poder - Qual a visão do mundo sobre o agro brasileiro?
Tognozzi - Poucos países experimentaram o grau de internacionalização do agro como o Brasil. Há alguns anos acompanhei o então ministro Blairo Maggi num périplo pela Ásia e pude ter a exata medida do prestígio do agro brasileiro. No mercado de Xangai, um dos maiores centros de venda de proteína animal do mundo, os compradores pediam as carnes brasileiras pelo número do SIF (Serviço de Inspeção Federal). Os pés de galinha expostos, uma iguaria para os chineses, pareciam ter saído de um salão de manicure de tão perfeitos. O Brasil vende para os Estados Unidos suco de laranja, café, celulose, carne, açúcar, madeira e até sebo bovino e entre outros itens do agro. A tendência, com a tarifa de 10% imposta pelo governo Trump, é que estes produtos fiquem mais caros para o consumidor americano. Mas esta situação pode ser passageira.
O Poder - Não será mais provável uma substituição dos produtos brasileiros por similares do próprio agro norte-americano?
Tognozzi - O Brasil tem uma vantagem, um diferencial competitivo sobre o produtor dos Estados Unidos, que é a nossa produtividade. Nós conseguimos produzir mais e melhor a cada ano, o que permite reduzir custo e preço, tornando nossos produtos ainda mais competitivos. Se o governo deixar o produtor e a Embrapa trabalharem, esta tarifa do governo Trump será devidamente engolida pelo nosso agro.

O Poder - E com relação ao resto do mundo?
Tognozzi - É líquido e certo que o mundo iniciou uma nova era. Todos apostam que os EUA serão os grandes perdedores, mas isso é apenas um palpite, porque ninguém sabe como vai funcionar. Trump virou o comércio internacional de ponta cabeça. Há quem imagine o Brasil sendo jogado nos braços da China e os Estados Unidos Isolados do resto do mundo. Bobagem. Nem o Brasil será dominado pela China, embora seja ela nosso maior parceiro comercial, nem os Estados Unidos irão para o ostracismo. O Brasil, por tradição e um ranço cultural vindo dos tempos da República Velha, é uma das economias mais fechadas do mundo. Pagamos um preço altíssimo pela teimosia em nos mantermos fechados, como aconteceu com a política de proteção da indústria brasileira de informática nos anos 1980, cujo resultado foi um só: mais atraso. Os Estados Unidos são produtores de conhecimento e de inovação. A indústria deles se espalhou pelo mundo em busca de custos menores e lucros maiores e não é outro o motivo que levou a Apple a investir na China, a Nike produzir no Vietnam ou empresas de call centers se instalarem na Índia.
O Poder - Trump não terá arriscado além da conta?
Tognozzi - A economia é movida a lucro, seja ela chinesa ou americana. Trump só terá sucesso caso os consumidores estejam satisfeitos e os empresários lucrando. Se não for assim, seu Donald corre o risco de ficar igual ao presidente da piada, contratado para tornar a companhia mais produtiva. No primeiro dia, saiu andando pela empresa e deu com um rapaz encostado na parede, as mãos no bolso, puro tédio. “Quanto você ganha?” O rapaz responde: “R$1000 doutor”. Ele tira o dinheiro do bolso, dá ao moço e diz: “Some daqui. Está demitido”. Em seguida pergunta ao gerente: “O que este imbecil fazia aqui”. E o gerente: “Nada, ele veio entregar pizza e estava esperando o pagamento”.(Risos). Moral da história: você só acerta a mão quando conhece muito bem com quem e com o que está lidando.

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