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Reforma Tributária 18: qual o destino do Porto Digital com o fim dos benéficos fiscais do ISS? - Por Rosa Freitas*

14/04/2025 -

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Na mesma semana, tive duas situações idênticas que me foram colocadas sobre a arrecadação do ISSQN/ISS por empresas prestadoras de serviços localizadas no Porto Digital. A primeira dizia respeito ao fornecimento de serviço de gestão de folha de pagamento para uma Prefeitura. A segunda envolvia serviços de seleção/concursos e outros prestados por uma instituição também sediada no Porto Digital, no Recife Antigo, mas contratada por um município, inclusive de outro estado. Ambas gozam do benefício tributário concedido pela Prefeitura do Recife e pagam 2% de ISS.

1. Guerra fiscal entre municípios

O ISS sempre gerou polêmicas. Muitas empresas são atraídas por uma alíquota menor e transferem suas sedes para municípios vizinhos ou limítrofes. Em regra, o ISS deve ser recolhido no local onde a prestadora está instalada e possui seu domicílio fiscal. Na sistemática tributária atual, o fato gerador do tributo ocorre no local em que se mantém a estrutura de prestação de serviço — mas nem sempre é assim.

O que parecia simples, na verdade, não é. O ISS é devido ao município em decorrência da prestação de serviço, conforme as atividades previstas na LC n. 116/2003. Os serviços constantes da lista devem ser reproduzidos nas leis municipais que instituem o tributo, sob pena de se inviabilizar a sua cobrança. Atraídas por alíquotas menores, as empresas buscam se instalar em locais mais vantajosos. A guerra fiscal entre municípios começa aí: cada cidade oferece redução de alíquota para atrair empresas.

2. Insegurança jurídica

Os municípios que perderam arrecadação e se sentiram lesados buscaram apoio político para mudar essa sistemática. A LC 157 alterou esse cenário relativamente estável, determinando que muitos serviços deveriam ter o ISS recolhido no local da efetiva prestação ou do tomador do serviço. Assim prevê o art. 3º:
“O serviço considera-se prestado, e o imposto devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local.”

Certa vez, peguei um processo em que um laboratório de análises clínicas se recusava a recolher o ISS no município onde foi coletado o material, alegando que seus laboratórios estavam em outro município, onde seria realizada a análise. Porém, a jurisprudência entende que, nesses casos, aplica-se o ISS no local da coleta, sendo este equiparado a uma “filial” para fins legais. O imposto, portanto, é devido no local onde a amostra é colhida.

Os serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs) apresentam esse e outros problemas. O mesmo ocorre com serviços de plataformas. Todo o Brasil que consome Netflix, por exemplo, gera arrecadação para a cidade de São Paulo. Já no caso de transporte por aplicativos como Uber, 99 e similares, o ISS é devido no local em que o serviço é efetivamente executado.

3. Serviços de informática

Mas e nos casos dos serviços de informática, como o de gerenciamento de folha de pagamento — que foi justamente o foco de uma das consultas? O art. 3º da LC 116 não prevê expressamente o serviço de informática. Porém, com base no art. 4º, existe a possibilidade de o município prever o recolhimento no local do tomador do serviço.

O debate no STF (ADIs nº 5832 e nº 5865, e a ADPF 499) não resolveu todas as dúvidas. Muitas empresas continuam sendo cobradas tanto no município onde estão sediadas quanto no local do tomador do serviço. A insegurança jurídica gerada pelo legislador é tão grande que não há uma resposta definitiva sobre o local do fato gerador e, portanto, onde se deve recolher o ISS. Basta um mínimo de execução física do objeto contratado no local do tomador para que se modifique a competência tributária.

Para as duas situações sobre as quais fui consultada, considero que há uma tendência jurisprudencial para que o ISSQN seja cobrado no local do tomador do serviço. No primeiro caso, porque os softwares estão instalados no município, e a empresa apenas presta suporte e realizou a instalação na prefeitura com acesso local. No segundo caso, referente à instituição que prestou serviços de seleção de pessoal no local da realização das provas/exames, o mesmo raciocínio se aplica. Apesar de, em ambos os casos, as estruturas físicas para a prestação do serviço estarem localizadas no Porto Digital, com benefícios tributários, isso não tem sido suficiente para afastar a cobrança no município contratante.

Apesar de o problema ainda ser pontual, não tenho dúvidas de que se tornará rotineiro. Sugiro que as duas instituições prestadoras de serviço procurem um advogado especialista para as medidas cabíveis, pois quem paga errado, geralmente, paga duas vezes.

4. Com a Reforma Tributária

Esse problema deixará de existir com a substituição do ISS pelo IBS, conforme prevê a EC 132/2023 e a LC 214/2025, pois o local do destinatário/adquirente será o titular do crédito tributário. O impacto na dinâmica do setor de serviços será enorme, pois cada operação passará a seguir as alíquotas do local de destino/aquisição, e não mais do domicílio do fornecedor. A tecnologia facilitará esse processo, já que a Nota Fiscal Eletrônica e a gestão do IBS/CBS pelo Comitê Gestor irão operacionalizar o sistema.

Por outro lado, os municípios que se destacaram por oferecer um ambiente favorável à instalação de prestadoras de serviço terão que encontrar novas formas de atrair investimentos, sem o uso de benefícios fiscais atrelados ao ISS (futuro IBS). Esclareço desde já que a EC 132/2023 criou o Fundo de Compensação dos Benéficos Fiscais para ICMS, mas não há nenhuma compensação financeira para quem perde os benefícios fiscais de ISS. O que isso significa? Ao finalizarmos o período de transição em 2032 todos terão que pagar a alíquota cheia do IBS sem qualquer tipo de creditamento, desconto ou compensação pelo fim de programas de redução do ISS.

O setor de serviço também será impactado pelo aumento de despesas com o IBS já em 2029. O ISS incide sobre a totalidade da operação, já o IBS vai permitir o creditamento em decorrência da não cumulatividade, mas mesmo assim teremos consistente aumento dis tributos dos serviços de todas as ordens.

Enfim... Vale a pena continuar instalado no Porto Digital com o advento da Reforma Tributária?

Uma conversa que tive com um amigo que atua no Porto Digital ilustra bem essa preocupação: sem o ISS de 2% (em comparação aos 5% de outros municípios), não há mais atrativo para permanecer no centro do Recife, em prédios antigos e tombados, com altos custos de manutenção, falta de estacionamento e concorrência com eventos que ocupam a cidade.

Esclareço que deixa de existir benéficos de ISS, mas como já nos pronunciamos em outros momentos, as áreas históricas de recuperação urbanísticas contam com benefícios do IBS/CBS na compra e venda de imoveis, construção civil, reforma e aluguéis.

De fato, não há justificativas para permanecer no Recife Antigo na área afeta ao Porto Digital, se o único benefício fosse o ISS, o que impõe ao município do Recife o desafio de inovar na ampliação e no favorecimento do ambiente de negócios.


*Rosa Freitas é doutora em Direito, pós-graduada em Transição Enérgica e novos negócios pela PUC-PR e autora de livros e artigos jurídicos, dentre eles 'A Reforma Tributária e seus impactos nos municípios', pela Editora Igeduc.


**Os artigos assinados expressam a opinião dos seus autores e não refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.

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