
Reflexão - A vida depois dos 60 - A Luta Contra o Etarismo, Forma Sutil de Exclusão
15/04/2025 -
Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*
1. Introdução: Quando a Experiência Encontra a Reflexão
O artigo "Etarismo: o preconceito invisível que marginaliza talentos experientes", de Luiz Porto, não é apenas uma reflexão necessária sobre os preconceitos de idade. É, antes, um gesto de coragem filosófica: o autor expõe a si mesmo, com vulnerabilidade e altivez, como exemplo vivo da realidade que denuncia. A generosidade com que Luiz compartilha sua experiência provoca não só empatia, mas também um chamado ao pensamento.
Em resposta a esse gesto, compartilho minha própria trajetória, dialogando com Luiz e propondo uma ampliação filosófica do tema.
A seguir, estabeleço uma troca entre os dois textos iniciais e, a partir deles, desenvolvo uma reflexão conjunta sobre o etarismo, o valor da experiência, o perigo da vitimização e a necessidade de restaurar o bom combate: o do pensamento, oportunizando ao leitor examinar nossos pontos de vista sobre este relevante tema.
2. O Texto de Luiz Porto
"Etarismo: o preconceito invisível que marginaliza talentos experientes
Falar de etarismo é levantar uma questão incômoda, mas extremamente necessária. Especialmente quando ele se manifesta de forma silenciosa, nas entrelinhas dos processos seletivos, nas oportunidades que nunca chegam, nos currículos que sequer são lidos.
Aos mais de 60 anos, com décadas de dedicação, entrega, aprendizado e paixão pelo trabalho, enfrento a dificuldade de me recolocar profissionalmente. Meu currículo provavelmente não é mais lido, meu nome parece não despertar interesse. E o que me pergunto, todos os dias, é: por quê? E não tenho a resposta. Talvez não seja por falta de preparo, experiência ou disposição, mas, aparentemente, por algo que nenhum curso ou competência técnica pode mudar: a minha idade.
Sim, tenho mais de 60 anos. E, sim, também, continuo com a mesma vontade de contribuir, aprender, orientar e servir que tinha aos 22 anos, quando ingressei no meu primeiro emprego no Banco do Brasil. Ao longo da minha jornada, por necessidade de crescimento, mudei de estado, de vida, de rotina. Vivi e trabalhei em lugares incríveis — Bahia, Pará, Paraíba, Roraima — sempre motivado pela necessidade de crescimento e pelo compromisso com a excelência. Em cada novo começo, levei comigo o compromisso de entregar o meu melhor. E sempre o entreguei, deixando nesses locais o melhor de mim, do meu conhecimento, da minha energia e da minha ética profissional. Acreditei, sinceramente, que a experiência era um diferencial, mas, hoje, sinto que para muitas organizações ela parece ser um peso, como se tudo isso tivesse perdido o valor.
Existe uma dolorosa suspeita de que, para muitas empresas, quem passou dos 60 já não tem mais nada a oferecer. Como se a experiência não fosse mais um diferencial, ou como se o tempo vivido fosse um fardo, e não um tesouro. Como se a capacidade de inovar, liderar, ensinar ou aprender tivesse prazo de validade peremptório.
Mas, será mesmo que não temos mais valor? Será que, já tendo trilhado tantos caminhos, enfrentado crises, formado e orientado equipes, tomado decisões difíceis, e, mesmo assim, ainda querer fazer parte do presente e do futuro, não temos mais direito à escuta?
Quantas oportunidades de ouro não estão sendo desperdiçadas ao se ignorarem os mais experientes? Quantos jovens talentos deixariam, talvez, de errar se tivessem ao seu lado mentores maduros para orientá-los? Na cultura oriental, a experiência dos mais velhos é reverenciada como fonte de saber e equilíbrio. Aqui, muitas vezes, é descartada. Não por falta de competência, mas por puro preconceito.
O etarismo nos silencia, nos apaga e, pior, empobrece o mercado, que perde a chance de unir gerações, somar talentos e fortalecer a base das futuras lideranças. Então, é preciso, urgentemente, repensar esse modelo, a fim de valorizar o tempo vivido, integrar gerações, dar voz — e vez — a quem ainda tem muito a contribuir, apesar das “alvas cãs”, como dizia meu saudoso pai.
Que esse post possa abrir olhos, portas e mentes. Eu continuo pronto. Com energia, com amor pelo que faço e com muita vontade de seguir contribuindo. Só preciso de uma chance. Só preciso que olhem além da minha data de nascimento.
A mudança começa agora. Vamos juntos construir um mercado de trabalho mais justo, inclusivo e valorizador da experiência. Porque o futuro pertence a todos nós, independentemente da idade."
3. A Minha resposta
Caro Luiz Porto,
Teu artigo sobre o etarismo é mais do que pertinente — é necessário. Entretanto, o que mais me tocou foi a generosidade com que escolheste falar de ti mesmo, oferecendo tua própria trajetória como exemplo vivo de uma realidade que precisa ser vista com mais seriedade e sensibilidade.
Vejo na tua atitude algo raro: a coragem de unir experiência e vulnerabilidade sem perder a dignidade. E isso, a meu ver, já é uma forma de liderança silenciosa — daquelas que não se impõem, mas que despertam.
Permita-me compartilhar, com humildade, um pouco da minha vivência. Desde que iniciei na advocacia, sempre soube que essa seria minha identidade até o fim da vida. O título de advogado, para mim, é inalienável: não por orgulho, mas por consciência. Só eu mesmo poderia retirá-lo de mim — e bastaria, para mantê-lo, honrar não apenas o Código de Ética da profissão, mas algo que considero a base de tudo: o ethos humano.
Ainda jovem, afirmei com convicção que jamais voltaria a ser Procurador-Geral do Estado do Amazonas. Dizia: “Já fui, não preciso repetir.” Meu projeto era outro: ser Desembargador. Mas em 2019, aos 55 anos — um lustro antes dos 60 — lá estava eu novamente à frente da PGE. E vivi uma das experiências mais ricas da minha trajetória pública. Precisei “morder a língua”. Entendi que aquela era uma matéria da vida profissional que eu ainda não havia sido aprovado. Era preciso refazer. E fiz com gratidão, zelo, respeito e com muito amor. Hoje, não é algo que desejo, mas tampouco me incomodaria em refazer esse caminho — pois sei que seria, inevitavelmente, novo. Nem eu, nem a PGE, somos mais os mesmos...
Aliás, entrei na Procuradoria como o último colocado do meu concurso. E acabei por comandá-la em diversos momentos. Para mim, isso foi sempre uma mensagem de Deus: "os últimos serão os primeiros". Não como mérito individual, mas como sinal silencioso de uma pedagogia maior.
Curiosamente — e é aqui que tua reflexão me reencontra — vivi minha vida profissional orientado por um princípio que cito no artigo que te encaminho: a filosofia de Roberto Marinho. Quando jovem, busquei conviver com os mais velhos para aprender com eles. Hoje, mais velho, sigo aprendendo com os jovens. Isso se tornou um modo de ser. E talvez seja isso o que nos sustenta: a humildade filosófica de quem sabe que o verdadeiro saber é sempre inacabado.
Uma observação importante advinda de tua leitura: quando concorri, nas primeiras vezes, ao cargo de Desembargador, vivi algo que poderia ser chamado de etarismo às avessas. Vários Desembargadores me diziam com elegância: “Gostamos de você, mas você ainda é muito jovem.” Eu tinha 40 anos. Nunca vi nisso um preconceito, mas talvez uma forma polida de escolherem alguém mais próximo, ou mais preparado naquele momento — ou, quem sabe, mais influente politicamente. Nada contra. Isso faz parte do processo e da vida.
O caso do amazonense Mauro Campbell, atual Ministro do STJ, é emblemático. Foi Procurador-Geral de Justiça enquanto eu era PGE. Sempre ocupou funções de relevância desde jovem, com brilhantismo e eficiência. Tornou-se Ministro aos 45 anos. Mas antes disso, também foi recusado como Desembargador. Etarismo? Talvez. Ou apenas os tempos ainda não estavam maduros. Sua trajetória mostra que a vida é cheia de surpresas — e que não devemos desistir diante de uma dificuldade. Às vezes, os obstáculos são a exata lapidação de que precisamos para nos tornarmos maiores.
No meu caso, a cada embate saí mais forte. E percebi que o verdadeiro ganho não era ser Desembargador — era crescer por dentro. Hoje, mais experiente, sou provavelmente o candidato que mais vezes concorreu ao cargo. E sigo, não como quem repete um projeto, mas como quem trilha um caminho com mais serenidade, reverência e respeito pela vida e pelos projetos secretos da Providência. Aprenderei com todos — jovens e idosos — e sei que, no mínimo, sairei melhor do que entrei.
No fundo, querido Porto, reconheço a existência do etarismo, assim como de todos os preconceitos em geral — contra mulheres, negros, homossexuais, etc. Mas penso, sinceramente, que não os devemos temer. Porque, muitas vezes, eles são apenas uma desculpa. Muitos os temem como ameaça presente ou futura. Outros os invocam como escudo. A solução está em não cair na armadilha da vitimização — mas em transformar a dor em propósito. Fazer autorreflexão para compreender qual é a lição que a vida está querendo te ensinar quando essas coisas acontecem.
Mas, infelizmente, a vitimização é mais confortável. Vivemos no eterno jogo da vitimização: “Não fui eu.” Adão, no Paraíso, ao ser advertido por Deus, usou essa ferramenta: “Senhor, foi a mulher que tu me deste.” Lula, no Calvário da Lava-Jato: o tríplex foi coisa da Marisa Letícia...
Acredito que é tempo de restaurar a boa filosofia e trazer a humanidade para o bom combate — que, para mim, é: o bom debate.
Por isso, acredito que este seja teu tempo de te tornar farol — não apenas com palavras, mas com a firmeza do exemplo. Ao escrever como escreveste, deste um passo precioso nessa direção. Tens todo o meu respeito — e, se quiseres seguir esse caminho da entrega frutífera, conte comigo.
Se você me permitir, posso me valer do seu generoso artigo e escrever um diálogo a partir dele, com base nesta resposta e no meu próprio artigo sobre o etarismo. Mas só o farei se você concordar.
Com estima e admiração,
do amigo de sempre,
Jorge Pinho
4. Etarismo: Reflexão, Diagnóstico e Caminho Filosófico
O etarismo, como destaca Luiz, é uma forma sutil de exclusão. Não grita, mas segrega. Não ataca, mas silencia. E é justamente por sua natureza silenciosa que exige uma abordagem mais profunda. Aqui, o pensamento filosófico pode oferecer o que a indignação isolada não consegue: contexto, medida, e sobretudo, transcendência.
Aristóteles já nos ensinava que a virtude reside no meio, entre os excessos e as ausências. O combate ao etarismo não pode ser, portanto, mais uma trincheira identitária que separa velhos e jovens, mas uma ponte de reconhecimento mútuo.
No documentário sobre a vida de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, há uma fala emblemática de Roberto Marinho que ilustra com perfeição a filosofia que defendo: “Quando eu era jovem, me cercava dos mais velhos para aprender com eles. Hoje que sou velho, me cerco dos mais jovens para continuar aprendendo com eles.”
Essa frase sintetiza a sabedoria prática e filosófica que nos falta: a consciência de que o aprendizado é um fluxo contínuo, e que o valor do saber não está em quem o diz, mas no que se diz.
Tenho visto, com admiração, exemplos concretos desse reencontro entre tempo vivido e criatividade renovada. Aqui no Amazonas, o professor Oldeney Sá Valente, que tanto me ensinou na juventude, se reinventa na pintura com serenidade e beleza. Da mesma forma, o querido Félix Valois nos brinda com crônicas cada vez mais sábias, enxutas e comoventes — verdadeiros tesouros de lucidez.
Em Pernambuco, onde cultivo laços afetivos e culturais profundos, testemunhei com alegria a vitalidade intelectual do professor Lourival Holanda, Presidente da Academia Pernambucana de Letras e da jurista Margarida Cantarelli, que continuam contribuindo com vigor, leveza e um senso de missão que transcende o tempo cronológico.
São faróis que iluminam não apenas pelo que já fizeram, mas pelo que continuam a ser: presença viva, atuante e inspiradora.
Martin Buber diria que o verdadeiro encontro ocorre quando um "Eu" encontra um "Tu". O etarismo, ao transformar o outro em um "Ele" genérico e descartável, rompe com a relação dialógica essencial. Um idoso que não é mais ouvido é tratado como objeto, não como pessoa. Mas o mesmo se dá quando um jovem é rejeitado apenas por ser jovem. A verdadeira superação do etarismo exige reencontro, não antagonismo.
O estoicismo, por sua vez, lembra-nos que o valor da vida está naquilo que controlamos: nossas escolhas, nossa coragem, nossa resiliência. Marco Aurélio nos convida a aceitar o que não podemos mudar e agir com dignidade sobre o que nos cabe. O que fazemos diante do etarismo? Vitimização ou propósito? Denúncia estéril ou construção de alternativas?
Como lembrei na mensagem acima dirigida a Luiz Porto, há uma pedagogia silenciosa da vida. Ser recusado, não ouvido ou subestimado pode ser uma forma de afiação interior. Mas isso não significa aceitar injustiças com passividade. Significa respondê-las com altura. Como diz a Cabala Judaica: o que parece ruptura pode ser apenas o início do Tikun, da reparacão.
5. Etarismo: Entre Filosofia e Fragmentação
Vivemos hoje em uma sociedade marcada por bandeiras identitárias que, embora levantadas sob o pretexto da justiça, muitas vezes acabam por fragmentar o tecido social. Entre elas está o etarismo, que precisa ser reconhecido não como mais uma trincheira política, mas como um desafio ético e filosófico.
Entendo que o combate ao etarismo deve ser guiado por valores universais. Não devemos atribuir validade a uma ideia com base na idade de quem a propõe. O que importa é o mérito da ação, da reflexão, do gesto. Como dizia Sócrates, a verdade deve ser buscada pela coerência e pela razão, não pela origem de quem a formula.
Aristóteles complementa esse raciocínio ao afirmar que a virtude está no meio — e o meio, neste caso, é a convivência entre gerações, o reconhecimento mútuo das capacidades e limites de cada uma. Da mesma forma, os estoicos, como Marco Aurélio, insistiam que todos partilhamos uma natureza racional comum. Idade, gênero ou origem não devem ser barreiras ao valor das ideias.
6. O Risco da Vitimização e o Valor da Superação
A fragmentação identitária, quando mal conduzida, gera ressentimento e vitimização. Como escrevi em minha carta a Luiz, há sempre a tentação de transformar a dor em desculpa, e não em propósito. Daí a importância da autorreflexão: o que a vida está querendo nos ensinar quando a resposta não vem como esperávamos?
Esse movimento — entre o que se pede e o que se recebe — é também a dinâmica do amadurecimento. E talvez esteja aí o verdadeiro combate ao etarismo: não na denúncia isolada, mas na atitude filosófica que transforma rejeição em aprendizado e frustração em maturidade.
7. Entre a Dignidade e o Exemplo: O Farol Interior
Talvez a maior contribuição do texto de Luiz Porto esteja em sua disposição para continuar. Ele não se calou. Ele escreveu. E ao escrever, tornou-se farol. Porque todo aquele que transforma dor em linguagem, e linguagem em sentido, passa a iluminar os outros.
Por isso, esta reflexão conjunta não busca encerrar um tema, mas inaugurá-lo em novas camadas. Etarismo não se combate apenas com leis ou com slogans. Combate-se com convivência, com escuta, com exemplos vivos. E sobretudo, com aquela forma superior de maturidade que é capaz de olhar para o próprio caminho com gratidão, mesmo quando trilhado entre pedras.
8. Conclusão: O Tempo como Alquimia e a Filosofia como Ponte
O tempo não nos enfraquece. Ele nos depura. Aos que o acolhem com sabedoria, ele não cobra: ele revela. E talvez a filosofia não seja senão isso: a arte de continuar aprendendo com os que vieram antes e depois de nós. Um jovem que ouve um velho. Um velho que acolhe um jovem. Um humano que reencontra o outro como "Tu". Assim se constrói uma civilização digna do nome.
Luiz Porto me permitiu, neste artigo, não apenas o reencontro com um amigo, mas fundamentalmente a possibilidade de, na condição de amadurecidos, podermos oferecer aos nossos leitores algo cada vez mais raro: um testemunho compartilhado entre gerações. Que este diálogo inspire outras vozes a se erguerem, não para disputar espaço, mas para somar luzes.
A superação do etarismo — e de todo preconceito — não será feita por decretos nem por slogans. Será feita pela escuta, pelo reconhecimento mútuo, pelo exercício da razão e da virtude. A filosofia é, aqui, mais necessária do que nunca. Ela nos ensina que o verdadeiro humano se define não por sua idade, mas por sua capacidade de aprender, dialogar e se transformar.
Que este artigo seja, portanto, mais do que um diálogo entre dois amigos. Que seja um convite à escuta entre gerações, ao reencontro entre experiência e frescor, entre prudência e ousadia — porque só uma sociedade que respeita todas as fases da vida é digna do nome humano.
*Jorge Pinho é advogado, procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas.
NR - O autor completa hoje 61 anos. Parabéns. Dia oportuno para a publicação deste ensaio.
