
NR-01: Prevenção ou Transferência de Responsabilidade? – Por Rodrigo Pinho*
16/04/2025 -
Com a repercussão da nova NR-01, operadores do direito, gestores e profissionais da saúde foram forçados a revisitar e aprofundar o debate sobre o meio ambiente do trabalho. Mas não se trata apenas de repensar os riscos físicos ou químicos. O foco agora — ao menos no papel — está também nos fatores psicossociais e na saúde mental do trabalhador. E é aí que o jogo muda.
Revolução sem bússola?
A legislação trabalhista brasileira já previa normas voltadas à segurança e à saúde do trabalhador. Mas o avanço tecnológico, a aceleração dos processos produtivos e as transformações nos modelos de gestão impuseram uma nova realidade: o trabalho deixou de ser apenas físico e passou a adoecer também a mente. E esse adoecimento é silencioso, multifatorial e, muitas vezes, invisível aos olhos de quem lucra.
A nova NR-01 reconhece isso ao introduzir o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e, dentro dele, o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Na teoria, é um avanço. Na prática, exige uma mudança de mentalidade — e aqui está o verdadeiro desafio.
Saúde mental não é um anexo no Excel
É fato: o trabalho afeta a saúde mental — para o bem ou para o mal. Fatores como o conteúdo da atividade, o modelo de gestão, a cultura organizacional e as relações interpessoais são determinantes. Porém, o reconhecimento desses riscos não significa que o trabalho seja o único causador de doenças psíquicas. Ainda assim, não se pode ignorar o impacto direto do ambiente de trabalho na saúde do colaborador.
A questão é: quantas empresas têm estrutura técnica, recursos e vontade real de mapear esses fatores? Quantas estão preparadas para ir além da burocracia e enfrentar sua própria cultura tóxica?
Do PGR ao faz de conta
Com o PGR, cria-se uma expectativa de identificação, avaliação, monitoramento e eliminação dos riscos. Mas sem fiscalização efetiva, sem auditoria independente e com a lógica da autodeclaração, há um risco real de termos documentos bem redigidos e ambientes adoecedores.
O que está em curso é uma transferência de responsabilidade. O governo, pressionado pelos custos crescentes da Previdência, começa a dizer o óbvio com outras palavras: não pode mais arcar sozinho com os afastamentos, licenças e reabilitações. A solução? Jogar essa conta para as empresas, sob o discurso de “gestão humanizada”.
Menos Estado, mais risco?
A proposta da NR-01 soa moderna e necessária, mas sua implementação corre o risco de ser apenas mais uma norma com alto valor retórico e baixo impacto prático. Tudo dependerá do quanto o empregador será cobrado — e do quanto será fiscalizado. E aqui está o ponto sensível: a fiscalização do trabalho foi desmontada nos últimos anos. Os auditores estão em número insuficiente, os concursos públicos estão travados, e os sindicatos têm perdido força de mediação.
No final das contas, a NR-01 escancara o dilema da política pública contemporânea: moderniza-se o texto legal, mas esvazia-se o aparato estatal que deveria garantir sua aplicação.
Conclusão: avanço ou maquiagem?
A nova NR-01 pode ser uma alavanca de mudança real — ou apenas mais uma cortina de fumaça. A depender de como for aplicada, pode significar um salto na prevenção ou um retrocesso disfarçado de inovação. Delegar não é o mesmo que resolver.
A pergunta que fica é simples e incômoda:
o Brasil está promovendo a saúde do trabalhador — ou apenas terceirizando a culpa por seu adoecimento?
*Rodrigo Carvalho de Santana Pinho é advogado, pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho.
**Os artigos assinados expressam a opinia?o dos seus autores e na?o refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.