Em um certo dia, ao dobrar uma das esquinas da vida, nos encontramos. Naquela rua de altas calçadas, vi o tempo encantado e pintado no escuro das paredes. Era fim de tarde, lembro bem. Foi a primeira vez que olhei nos seus olhos. Estava descansando sentado no batente mais alto, no alto de tudo. Parecia triste e vi, de relance, uma lágrima furtiva a escorrer pelo cantinho do olho. Em silêncio. Dizem que este é o choro das dores maiores.

É apenas uma criança trazendo nos pés descalços a fuligem das ruas e nas mãos, ágeis e pequenas, unhas sujas da terra com a qual costuma brincar.

Parei diante dele. Minto. O seu olhar me parou. Vi a dor maior e me perguntei quem havia beliscado alma tão jovem. Então, abri os braços em sinal de aconchego e um sorriso largo brilhou no rostinho empoeirado.

Naquele abraço nos acolhemos e fiz dele meu companheiro de aventuras. Rio o seu riso, quando felizes estamos e pranteio suas dores e seus pesares. Estamos juntos. Ele me entende sem que eu precise falar. Escuta as bobagens que digo e ri dos medos, dos meus pequenos e grandes temores.

O tempo segue e teimo em guardá-lo menino, dentro de mim, para que não morra nunca.


*Ana Pottes, psicóloga, gosta de escrever crônicas, contos e poemas sobre as interações emocionais com a vida. Autora do livro de poemas: Nem tudo são flores, mas... elas existem!