
O Papa não está mais aqui - Um adeus ao homem que fez do amor um dogma
22/04/2025 -
Por Flávio Chaves
Não é uma frase dita com pressa. É um lamento que escapa devagar, como quem sussurra a ausência para não ferir demais o coração do mundo. Papa Francisco, o homem que foi mais do que um pontífice - foi presença, foi gesto, foi humanidade encarnada - partiu.
Parte do alento
E com ele, parece que se foi também uma parte do alento que ainda soprava sobre os ombros cansados da Igreja.
Despediu-se
Na madrugada de segunda-feira, às 2h35, um pouco depois da Páscoa, Jorge Mario Bergoglio despediu-se do corpo que tanto o limitava, mas nunca o impediu de tocar o intangível. Não morreu em silêncio, morreu em bênção. Seu último gesto público, vinte e quatro horas antes do suspiro final, foi a bênção “Urbi et Orbi”, oferecida aos fiéis com visível esforço, como quem se recusa a partir sem antes entregar o último abraço.
Papa do abraço
Era isso: ele era o papa do abraço.
Francisco jamais quis ser papa - e talvez por isso tenha sido o maior deles em nosso tempo. Os grandes líderes não desejam o poder, desejam o bem. E foi esse bem que o conduziu desde o primeiro dia de seu pontificado, quando recusou os apartamentos luxuosos e se hospedou na Casa Santa Marta, num gesto que já dizia tudo: não se tratava mais de reinar, mas de servir.
Impossível
Foi o primeiro em tantas coisas que seria impossível listá-las todas sem que nos faltassem palavras. O primeiro latino-americano. O primeiro jesuíta. O primeiro a suceder um papa que renunciou. O primeiro a abrir o Vaticano ao debate sobre celibato e o papel da mulher. O primeiro a beijar os pés de líderes de guerra pedindo paz. O primeiro a dizer, com a leveza da fé e o peso da história: “Quem sou eu para julgar?”.
Mas talvez tenha sido também o último.
O último papa capaz de fazer a Igreja se curvar à simplicidade do Evangelho. O último capaz de caminhar entre os pobres como quem caminha entre iguais. O último a enfrentar com coragem os muros da própria instituição, pedindo perdão pelos pecados que ela preferia esconder. Francisco fez mais do que governar — ele expiou.
San Lorenzo
Amava futebol, torcia pelo San Lorenzo, dançava tango nos silêncios da solidão. Era um homem de carne e alma. Um papa de passos pequenos e gestos imensos. Preferia o som do povo à música sacra. Preferia a dúvida honesta à certeza arrogante. Preferia o olhar às palavras. Preferia o amor ao dogma — até o dia em que o amor virou o próprio dogma.
Não era infalível
Francisco não era infalível. E talvez por isso tenha sido tão santo. Porque sua grandeza não esteve na perfeição, mas na misericórdia. No olhar que enxergava o pecador antes do pecado. No perdão que chegava antes da condenação. Na presença que ficava mesmo depois da homilia.
Praça de São Pedro
Hoje, a Praça de São Pedro está cheia, mas vazia. O papamóvel já não passeia. As janelas do Vaticano permanecem abertas, mas o vento que passa não traz mais a voz grave e terna do homem que nos ensinou a ternura como evangelho.
O papa não está mais aqui.
Mas permanece onde sempre quis estar: no meio do povo, nas dobras da história, nos gestos de quem serve, nas mãos que acolhem. Sua ausência não é o fim. É a semente. E como toda semente, há de florescer nas almas que ele tocou com sua fé feita de compaixão.
Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc