imagem noticia

Artigo – 100 dias de Trump e o desafio da reindustrializar a América, por Ricardo Rodrigues*

30/04/2025 -

imagem noticia
Desde sua campanha eleitoral, Donald Trump vem batendo na tecla de que a reindustrialização dos Estados Unidos é prioridade número um. Foi, inclusive, amparado nesse argumento que ele justificou e defendeu o tarifaço instaurado no “Dia da Libertação”. Não à toa, Trump fez questão de convidar para o evento sindicalistas do setor automotivo, que até espaço de fala tiveram na ocasião.

O curioso

É que não é de hoje que presidentes americanos buscam alternativas para reindustrializar o país. Nos idos de 2011, por exemplo, Barack Obama já demonstrava preocupação com a fuga da indústria manufatureira americana para outras paragens. Em fevereiro daquele ano, Obama participou de um jantar informal, no norte da California, com alguns dos mais influentes líderes do Vale do Silício. Mal sentou-se à mesa, Obama foi logo se dirigindo a Steven Jobs, fundador da Apple, para lhe perguntar o que seria necessário para fabricar iphones nos Estados Unidos. Sem papas na língua, Jobs respondeu sem pestanejar: “aqueles empregos não voltam mais!”





Com a resposta

Jobs quis realçar a inviabilidade de qualquer empreitada no sentido de reverter a prática empresarial americana de produzir 'offshore'. Foi com tais práticas que os americanos 'exportaram' os empregos industriais que existiam em abundância em estados como Michigan e Pennsylvania. Cabe lembrar que essa região era conhecida, até os anos setenta, como a cinturão do aço. Hoje, decadente, a região ostenta o apelido de cinturão da ferrugem.

Durante a gestão de Obama

A Apple empregava diretamente 43 mil funcionários nos Estados Unidos e 20 mil no exterior. Entretanto, mais de 700 mil operários eram contratados por empresas estrangeiras a serviço da Apple para fabricar peças, até a montagem, propriamente dita, de diversos produtos da Apple.
A resposta taxativa de Steven Jobs resumiu, em poucas palavras, a realidade do setor industrial norte-americano da época, e de hoje. A participação do setor no PIB americano vem declinando ano após ano. Na década de 1950, a indústria manufatureira respondia por 25% do PIB. Nos anos 1980, esse percentual havia caído para 20%. Hoje, mal consegue responder por 10%.





Tal desempenho

Coloca os Estados Unidos na rabeira de países como a China, a Coreia do Sul, o Japão, a Alemanha, e a Itália, entre outros.
Aquela não era a resposta que Obama esperava. Pensava que talvez pudesse persuadir as lideranças do Vale do Silício a voltar a produzir nos Estados Unidos, contratando mão de obra americana. Se conseguisse, seria meio caminho andado para cumprir uma de suas promessas de campanha, a de criar um milhão de novos empregos na indústria manufatureira. Não conseguiu. A promessa permaneceu como uma dívida do Partido Democrata para com seus eleitores mais fiéis, os trabalhadores sindicalizados.

Trump

Contrariando a profecia de Steve Jobs, o atual presidente resolveu encarar o desafio de trazer de volta os empregos na indústria manufatureira americana exportados para China, México e Canadá, entre outros países. E não foram poucos. Segundo estimativas da própria Casa Branca, entre 1997 e 2024, os Estados Unidos perderam cerca de 5 milhões de empregos na indústria manufatureira.
A instituição de tarifas no comércio com seus parceiros comerciais foi a solução concebida por Trump para tentar reverter a situação dos empregos na indústria. A volta da indústria manufatureira aos Estados Unidos também serviria para reduzir um problema de natureza geopolítica que tem preocupado o governo.





Dependência

Refiro-me a atual dependência americana em fornecedores estrangeiros para suprir peças da cadeia de produção de equipamentos microeletrônicos, de armas, de veículos, de aeronaves e até de satélites para a defesa nacional. Para Trump, a dependência em fornecedores estrangeiros deixou a cadeia logística americana extremamente vulnerável. Como o país viabilizaria uma eventual guerra com a China, se quase todos seus equipamentos bélicos dependem de peças e componentes fabricados por fornecedores chineses?

Em tese

As tarifas tornariam os produtos estrangeiros mais caros em comparação a produtos fabricados nos Estados Unidos, estimulando o aparecimento de novos empreendimentos manufatureiros dentro do território americano. Mas não existem soluções mágicas, especialmente para problemas extremamente complexos. O tarifaço de Trump pode não funcionar como previsto pelo governo, ou funcionando, pode não gerar os resultados pretendidos, na escala ou na velocidade antecipadas.

Reprovado

De fato, ao completar 100 dias de governo, Trump já enfrenta sérios problemas políticos como resultado direto de sua política de tarifas. A aprovação de seu governo tem descido ladeira abaixo. De acordo com a CNN, seus 41% de aprovação representam o menor índice positivo dos primeiros 100 dias de qualquer presidente desde Dwight Eisenhower, inclusive seu primeiro mandato. As pesquisas revelam um declínio na aprovação de sua condução do governo referente a diversas questões. Na economia, por exemplo, apenas 35% aprovam sua abordagem para conter a inflação e apenas 35% aprovam seu tarifaço. Com relação à imigração, apenas 45% aprovam suas iniciativas. A maioria também desaprova seus esforços na política externa. Segundo a pesquisa da CNN, apenas 39% dos entrevistados aprovam sua abordagem, contra 60% que a desaprovam.
A tendência de queda na aprovação do governo representa um sinal de alerta na medida que seus efeitos podem transbordar para as eleições americanas de 2026, afetando o destino do Partido Republicano nas duas casas do Congresso. Hoje, os republicanos são maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Caso o partido venha a perder assentos na eleição de 2026, a agenda do governo Trump será adversamente afetada, podendo, inclusive, ser levada a uma paralisia.

Desconfiança

Um outro tipo de problema enfrentado pelo governo Trump com relação à reindustrialização reside no próprio empresariado. O engajamento de lideranças empresariais no movimento em direção à reindustrialização do país é fundamental para que a política dê certo. Contudo, nem todos acreditam que a mudança seja possível. Vários pensam exatamente como Steve Jobs. Enxergam a desindustrialização da América como resultado da busca por maior produtividade. Para tais lideranças empresariais, não faz sentido ressuscitar fábricas quando se pode produzir mais barato e mais eficientemente em outro lugar.

Ousadia

Por essa e outras, os desafios para Trump não são triviais nem pequenos. Nadar contra a correnteza não é fácil. Por isso, quer gostemos ou não do estilo de Trump de governar, não há como não reconhecer sua ousadia. Vários outros presidentes antes dele se depararam com os problemas causados pela desindustrialização do país e simplesmente desistiram de enfrentá-los. Foi assim com Reagan, nos anos 1980, e com Obama e Biden, mais recentemente.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional para O Poder.

NR - Os artigos assinados expressam a opinião dos seus autores.
imagem noticia-5

Deseja receber O PODER e artigos como esse no seu zap ? CLIQUE AQUI.

Confira mais notícias

a

Contato

facebook instagram

Telefone/Whatsappicone phone

Brasília

(61) 99667-4410

Recife

(81) 99967-9957
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site.
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Jornal O Poder - Política de Privacidade

Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos projetos gerenciados pela Jornal O Poder.

As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas apenas para fins de comunicação de nossas ações.

O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar diretamente o usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como geolocalização, navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações sobre hábitos de navegação.

O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a confirmação do armazenamento desses dados.

O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus formulários preenchidos.

De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados pessoais.

Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a Jornal O Poder implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.

fechar