
A Venda do Seu Vital. Crônica, por Romero Falcão*
02/05/2025 -
Há poucos dias, resolvi conhecer o bucólico bairro do Poço da Panela. Conhecer, não de carro, a pé, com olhos de turista e coração noviço de cronista, na companhia de uma moça estudiosa do fantasma de Freud. Ruas sossegadas em chão de pedra, casas seculares, árvores velhas, nos remetem às históricas cidades mineiras. O Poço é um passo no passado, calma no caótico presente. Caminhamos lentamente, feito dois vagabundos, captando a atmosfera, ora de porta e janela, ora de suntuosas construções, cujos muros lembram prisões- cercas elétricas, camêras, concertina- arame farpado em espiral. Mas o que me inspira, toca, não é a dureza desses muros, é a sensação acolhedora do Poço. O largo, a Igreja, o silêncio, o pé de Fruta-pão, crianças privilegiadas economicamente brincando com os pequenos da comunidade humilde que fazem parte desse Poço no qual o sol é mais generoso.
A moça me leva pra conhecer a Venda do seu Vital, típica mercearia das antigas, a qual me remete a Olinda dos candeeiros e água de cacimba. O filho do seu Vital, cujo pai toca o negócio da família a longos anos, me apresenta à mercearia, afirma com orgulho o tampo do balcão original que ainda resiste. Novelos de corda pendurados, balanças enferrujadas- ainda precisas- balaio de pão, bebidas, engradados. Uma desarrumação que se mexer estraga o espirito desse pacato comércio, a divagação deste modesto cronista. O filho me oferece a garrafada feita pelo seu Vital. Abre a tampa do vidro escuro no qual abriga cachaça e ervas. Três dedos do líquido atravessam minha garganta em fogo. A moça prefere as queimaç?es de Freud. Pergunto pelo patriarca, cadê seu Vital? A filha sentada num banco, se apressa em dizer, papai está doente, internado no hospital. Hoje, soube, num poço de tristeza, da partida desse homem que fez amigos, afetos, história. Parou o relógio do Poço da Panela, fez da panela de barro o marco da sua presença. Vai na luz, Vital!
*Romero Falcão, cronista, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo
