
É Findi - Ponte Maurício de Nassau, por Carlos Bezerra Cavalcanti*
03/05/2025 -
Antiga Ponte do Recife - 1644
Uma ponte, quaisquer que sejam suas dimensões, localidade, material e época de construção, tem como singular objetivo ligar, fisicamente, dois lugares separados entre si. Com a primeira ponte construída no Brasil, mais precisamente entre o istmo do Recife e a Ilha de Antônio Vaz, não foi diferente.
Demanda
Sua construção era uma reivindicação antiga dos moradores como se pode observar na ata de reunião da assembleia dos escabinos de 1o de Setembro de 1640, presidida por Maurício de Nassau, onde consta o seguinte:
"A câmara e o povo da cidade Maurícia propõem a este Supremo Conselho doze artigos concernentes ao bem público e pede que sejam aprovados neste Conselho para valer como decreto desta Assembléia.
...Artigo 3.º Como construção de pontes é uma coisa indispensável a todo o Estado, S. Excia. e o Supremo Conselho resolveram, no fim desta Assembleia, sobre o que cada Câmara há de dar para a construção de tais obras."
Local
O local onde ela começava chamava-se Porta da Balsa (Weerpoort), porque ficava próxima do ponto de partida do serviço de transporte fluvial entre o "Povo" e a Ilha de Antônio Vaz.
Transporte de água
A necessidade da construção dessa ponte, segundo José Antônio Gonsalves de Mello (Tempo dos Flamengos), não se originou do fator trânsito, como era de se prever, mas do transporte de água.
“A ponte propriamente dita, já havia sido idealizada em 1630, pelos conselheiros políticos, mas as obras só foram iniciadas no tempo do Governo de Ceulen e Chiselen (1633-34) e continuou no início do período de Nassau, porém muito vagarosamente”.
Ela foi inaugurada pelo próprio Conde no dia 28 de Fevereiro de 1644, portanto bem próximo de suas despedidas do Brasil.
O episódio da inauguração desta importante obra urbana ficou marcado pela bizarra e lendária participação do Boi Voador, o boi de Melchior, que acabou sendo o primeiro pedágio que se tem notícia no Novo Mundo.
Explica Fernandes Gama
Eis como Fernandes Gama, com relação a esse acontecimento, se exprime nas suas Memórias Históricas de Pernambuco:
"Tendo o Conde Maurício de Nassau deliberado entregar o Governo de Pernambuco e havendo concluído a Ponte do Recife franqueou ao público o seu trânsito; mas começando esse por uma farsa imprópria do caráter de um Príncipe, onerando sua memória do ridículo que essa farsa lhe imprimiu".
Anúncio de um Espetáculo
Fez anunciar que em dia no qual havia de ser franqueado ao público o trânsito pela ponte, ver-se-ia uma maravilha em Mauristadt (Maurícia) até então nunca vista: isto é, ver-se-ia um boi voar!
Publicado este anúncio em Olinda e nas outras partes onde pode ser levado, numeroso concurso de povo atraído pela novidade dirigiu-se para o Pátio do Palácio (hoje Campo das Princesas) a fim de ver o pesado e tardo animal, transformado em volátil.
Melchior Álvares, proprietário abastado, morador à rua, hoje do Imperador, possuía um boi tão manso e domesticado que entrava pelas casas livremente e todos o afagavam; e se o conduziam, subia escadas sem grandes dificuldades.
De um boi igual a este na cor e grandeza, mandou Maurício aproveitar a pele em todas as suas partes, de maneira que depois de seca, cozida e cheia de palha representasse perfeitamente o boi de Melchior Álvares.
Feito isto, em grande segredo, mandou o príncipe pedir ao dito Melchior que lhe emprestasse o seu boi domesticado, dizendo que era aquele que seus engenheiros fariam voar, e no dia designado para se expor ao público essa maravilha, estando reunido o povo que tinha concorrido fez aparecer na galeria do seu jardim o referido boi emprestado, o qual sendo apresentado ao público, e dando alguns passeios pela galeria foi desse introduzido pela porta de uma câmara onde estava oculto o couro cheio de palha.
O Boi Voador
Imediatamente, viu-se que pela corda que saía da referida câmara, que ia prender-se a um mastro colocado em suficiente distância, se elevava o boi por meio de um aparelho muito fraco em verdade para resistir ao peso do animal, se vivo o portasse, mas forte bastante para suspender e mover ligeiramente um couro cheio de palha.
Desta sorte iludida a curiosidade pública, conseguiram os holandeses por meio de semelhante burla, que a ponte do Recife rendesse nessa tarde destinada para o boi voar 1.800 florins, não pagando cada pessoa mais do que duas placas quando passava pela ponte.
A ponte sofreu reformas em 1683 e 1742, naquela ocasião foram instalados alguns compartimentos que funcionaram como lojinhas, em ambos os lados da mesma.
Outras modificações foram realizadas nessa ponte, que através dos tempos se chamou Ponte do Recife por não dispor de nenhum outro nome até 1865, ocasião em que recebeu,solenemente, o de Ponte 7 de Setembro, após passar por grande reforma, quando ganhou estrutura de ferro à semelhança da atual Ponte da Boa Vista.
Mudou o Nome
Em 1917, no dia 19 de dezembro, inaugurava-se a atual Ponte Maurício de Nassau, justo preito àquele que primeiro construiu uma ponte de grande porte no Brasil.
Possuía, desde muito tempo, dois arcos, espécies de pórticos originários dos primitivos, construídos pelos holandeses que, com o passar do tempo mais se robusteceram e se embelezaram. Um deles reverenciava Nossa Senhora da Conceição, que foi ao chão em 1913, o outro, o de Santo Antônio, do lado da Primeiro de Março, foi demolido em 1917.
As Estátuas
Na última reforma que sofreu, foram colocadas em suas cabeceiras quatro estátuas de bronze confeccionadas na França, na Fundição Vale do Rio Osne (VALDOSNE). Representam quatro divindades: no lado leste, Cais da Alfândega (MINERVA); à esquerda: uma mulher símbolo da sabedoria e da inteligência. Ao lado direito, a Deusa da Lavoura (DEMETERCERES) padroeira dos campos cultivados, ramos de trigo na cabeça e na mão direita. Do lado oeste (Primeiro de Março), à esquerda, outra estátua de mulher, desta feita, representando o Comércio e, finalmente, do lado direito, a estátua que representa a Deusa da Justiça, com espada e balança, no canto, uma placa colocada pelo Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, referencia à antiga ponte construída por Nassau e o Arco de Santo Antônio, demolido, segundo ela, pela exigência do trânsito.

*Carlos Bezerra Cavalcanti, sócio efetivo e benemérito do IAHGP