
É Findi - Momentos, conto, por Ana Pottes*
03/05/2025 -
Por um caminho sinuoso, ladeado de altas palmeiras, que se abre em um pátio espalhado entre relvas, vê-se mulheres jovens sentadas em bancos de cimento manchados pelas intempéries do tempo; outras caminham solitárias, cabeças abaixadas talvez com o peso dos cabelos revoltos e mais algumas em descontroladas gargalhadas, apoiadas por pessoas vestidas com túnicas azul claro.
O Sol se esgueira pelas copas das árvores deixando um tom ouro sobre o caminho por onde Camila vem, em passos lentos e curtos, quase a parar.
O cadarço do tênis esquerdo se arrastando feito cobra a faz se abaixar para refazer o laço. Senta no chão impactada pelo peso da escuta de poucas horas atrás.
Tudo ouvira em silêncio, olhando atônita para Adelaide que a cada palavra se contraía, aumentando o tom da voz em crescente descontrole. Chegou a investir sobre mim gritando e agitando os punhos:
_ Não era para ninguém saber!
O temor receoso do retrato à minha frente foi se tornando medo, constituindo um momento de pavor.
Chamei o enfermeiro que estava no corredor a postos diante da porta do quarto. Em um segundo entrou e a conteve.
Uma explosão de lembranças caiu sobre mim: carinhos, palavras doces, instantes de felicidade orgástica, experienciados em horas tão nossas, contrastavam com o vivido a pouco, entre as paredes vazias de aconchego daquele espaço. Chorando, me afastei a olhar para a figura desgrenhada, olhos arregalados, em pleno ataque de fúria.
Nunca pensei que aquela paixão intensa por mim repousasse nas bases da loucura familiar.
Camila respira fundo, se levanta e retoma o passo, lentamente. Abre o portão de ferro, alto e tão pesado quanto a sua dor e deixa para trás a logomarca da clínica de repouso Santa Clara.
*Ana Pottes, psicóloga, gosta de escrever crônicas, contos e poemas sobre as interações emocionais com a vida. Autora do livro de poemas: Nem tudo são flores, mas... elas existem!